domingo, 19 de junho de 2016

“Quo vadis, Domine?”



Nesta próxima semana, a Igreja celebra a Festa de São Pedro e São Paulo. Embora não apareçam no texto sagrado, as palavras latinas do título acima (Quo vadis, Domine?) têm uma relação direta com o martírio de São Pedro, certamente uma das mais emocionantes histórias do cristianismo.

Atos de Pedro – Toda a história é narrada no livro “Atos de Pedro”, um dos mais antigos livros apócrifos do Novo Testamento. Conhecido por sua descrição de uma competição de milagres entre São Pedro e Simão Mago, também é o primeiro registro da tradição, de que São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo. O texto foi escrito originalmente em grego, durante o século II d.C., provavelmente na Ásia Menor.

O texto – De acordo com os “Atos de Pedro”, no ano de 64 d.C., o imperador Nero começou uma perseguição contra os cristãos. Temendo que São Pedro caísse nas garras do imperador, os primeiros cristãos o aconselhavam a sair de Roma para se proteger. Pedro ficou indeciso: ficar e correr o risco de desaparecer junto com a Igreja nascente ou fugir para a Galileia ou Tiberíades e proclamar, bem longe de Roma, as verdades de Cristo?

Fugir de Roma – Pedro optou por sair de Roma. Nas primeiras horas da madrugada, disfarçados e envoltos pelas sombras, Pedro e Nazário, servo fiel, tomaram o rumo da Via Appia (principal estrada de acesso a Roma), em direção perdida. E andaram a passo rápido, ainda que o bastão do velho apóstolo tendesse a escorregar sobre as pedras polidas e entrelaçadas da via, assustando-se por qualquer ruído, temerosos ainda mais do silêncio opressivo.

Visão – Pela manhã, ao cruzar a Porta Latina da cidade, Pedro enxergou uma luz muito forte, vindo em sua direção. Quando a luz se aproximou, ele reconheceu Jesus Cristo, carregando uma cruz. Diante de Cristo, Pedro deixa cair o bastão, se ajoelha, levanta os braços e diz: “Quo vadis, Domini?” (Aonde vais, Senhor?). E Cristo lhe responde: ”Romam vado iterum crucifigi” (Vou a Roma para ser crucificado novamente).

Volta a Roma – Pedro compreendeu, então, que seu lugar era em Roma, entre seus cristãos perseguidos, a exemplo de Cristo, o Bom Pastor, que dera a vida pelas ovelhas de seu rebanho. Envergonhado de sua atitude, Pedro voltou para Roma, para continuar o seu ministério e, como descreve os “Atos de Pedro”, acabou sendo preso e crucificado pelo imperador Nero, porém, de cabeça para baixo, em sinal de humildade.

Quo Vadis – No mundo atual, num ambiente de competição, incerteza e inovação contínua, a expressão “Quo Vadis” ganhou o sentido de “Para onde ir”. Também acabou se tornando o título do famoso romance do polonês Henryk Sienkiewicz (1896), que deu origem ao belíssimo filme “Quo vadis”, seguido de outros dois filmes homônimos.

Bento XVI – Recentemente, na renúncia do Papa Bento XVI, a expressão “Quo Vadis” foi relembrada, por causa da semelhança dos fatos ocorridos com Pedro e o Papa. Alguns textos na imprensa imaginavam a cena de Bento XVI, deixando Roma rumo a Castel Gandolfo, avistando Jesus e, desta vez, o Mestre perguntando: “Quo vadis, domine?”. À indagação, o papa emérito responderia: “Deixo o ofício que o Senhor me confiou, para o bem da Igreja”. Na verdade, essa resposta, em oração, foi realmente dada ao divino fundador da Igreja Católica.

Túmulo de Pedro – As comemorações de São Pedro, no dia 29 de junho, devem-se não à data de sua morte, mas a descobertas relativamente recentes. A partir da década de 1950, foram feitas escavações na Basílica de São Pedro, realizadas por uma equipe chefiada pela arqueóloga italiana Margherita Guarducci. Ali foi encontrado o túmulo de Pedro e as pesquisa concluíram que a data real do martírio seria 13 de outubro de 64 d.C. A data de 29 de junho, marca o dia do translado dos restos mortais de Pedro para o túmulo.


Fico Curioso? – Se você gostou do assunto e quer ler mais, podemos lhe oferecer: o texto apócrifo “Atos de Pedro”, o resumo do livro “Quo Vadis” de autoria de Henryk Sienkiewicz e o texto “A lenda sobre São Pedro não se aplica ao caso do papa Bento XVI” de autoria de Edson Luiz Sampel.

sábado, 18 de junho de 2016

“Quem sou eu para vós?”



O Evangelho das missas deste domingo acontece na fase final da etapa da Galiléia, em julho do ano 29 (lembrar que Jesus foi crucificado no dia 7 de abril do ano 30). Jesus orava sozinho, quando perguntou aos discípulos: “Quem dizem as multidões que Eu sou?” Eles responderam: “Uns, João Batista; outros, que és Elias; e outros, que és um dos antigos profetas que ressuscitou”. Disse-lhes Jesus: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” Pedro tomou a palavra e respondeu: “És o Messias de Deus”.

Testemunhas – Jesus passou algum tempo apresentando o seu programa e levando a Boa Nova aos pobres, aos marginalizados, aos oprimidos (Lc 4,16-21). À volta d’Ele, formou-se um grupo de “testemunhas”, que apreciaram a sua atuação e que se juntaram a esse sonho de criar um mundo novo, de justiça, de liberdade e de paz para todos. Agora, antes de começar a etapa decisiva da sua caminhada nesta terra (o “caminho” para Jerusalém, onde Jesus vai concretizar a sua entrega de amor), os discípulos são convidados a tirar as suas conclusões sobre o que viram, ouviram e testemunharam. Quem é este Jesus, que se prepara para cumprir a etapa final de uma vida de entrega, de dom, de amor partilhado? E os discípulos estarão dispostos a seguir esse mesmo caminho de doação e de entrega da vida ao “Reino”?

Oração – A cena de hoje começa com a indicação da oração de Jesus. É um dado típico de Lucas que põe sempre Jesus rezando antes de um momento fundamental. A oração é o lugar do reencontro de Jesus com o Pai. Depois de rezar, Jesus tem sempre uma mensagem importante – uma mensagem que vem do Pai – para comunicar aos discípulos. A questão importante que, nesse episódio, Jesus quer comunicar, tem a ver com a questão: “quem é Jesus?”

Messias – A época de Jesus foi uma época de crise profunda para o Povo de Deus; foi, portanto, uma época em que o sofrimento gerou uma enorme expectativa messiânica. Asfixiado pela dor que a opressão trazia, o Povo de Deus sonhava com a chegada desse libertador anunciado pelos profetas. Esperavam um grande chefe militar que, com a força das armas, iria restaurar o império de David e obrigar os romanos opressores a respeitar aquela nação. Na época apareceram várias figuras que se assumiram como “enviados de Deus”, criaram à sua volta um clima de ebulição, arrastaram atrás de si grupos de discípulos exaltados e acabaram, invariavelmente, chacinados pelas tropas romanas. Jesus é também um destes demagogos, em quem o Povo vê cristalizada a sua ânsia de libertação?

Messias? – Aparentemente, Jesus não é considerado pelas multidões “o messias”: preferencialmente, o Povo identifica-o com Elias, o profeta que as lendas judaicas consideravam estar junto de Deus e que voltaria a anunciar o grande momento da libertação do Povo de Deus. Talvez a postura de Jesus e a sua mensagem não correspondessem àquilo que se esperava de um rei forte e vencedor.

Discípulos – Os discípulos (companheiros de “caminho” de Jesus) deviam ter uma perspectiva mais elaborada e amadurecida. De fato, é isso que acontece; por isso, Pedro não tem dúvidas em afirmar: “Tu és o messias de Deus”. Pedro representa aqui a comunidade dos discípulos – essa comunidade que acompanhou Jesus, testemunhou os seus gestos e descobriu a sua ligação com Deus. Dizer que Jesus é o “messias” significa reconhecê-lo como o “enviado” de Deus que havia de traduzir em realidade essas esperanças de libertação que enchiam o coração de todos.

Libertador – Jesus não discorda da afirmação de Pedro. Ele sabe, no entanto, que os discípulos sonhavam com um “messias” político, poderoso e vitorioso e apressa-se a desfazer possíveis equívocos e a esclarecer as coisas: Ele é o enviado de Deus para libertar os homens; no entanto, não vai realizar essa libertação pelo poder das armas, mas pelo amor e pelo dom da vida. No seu horizonte próximo não está um trono, mas a cruz: é aí, na entrega da vida por amor, que Ele realizará as antigas promessas de salvação feitas por Deus ao seu Povo.