sábado, 24 de setembro de 2011

“Sim” ou “não” a Deus

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 21,28-32), o evangelista Mateus apresenta a parábola dos dois filhos com atitudes diferentes. 

O Evangelho – O primeiro filho foi convidado pelo pai a trabalhar “na vinha”. A sua primeira resposta foi negativa: “não quero”. No entanto, acabou por reconsiderar e por ir trabalhar na vinha. O segundo filho, diante do mesmo convite, respondeu: “vou, sim, senhor”. No entanto, acabou por não ir trabalhar na vinha. Jesus coloca, em seguida uma questão: “qual dos dois fez a vontade do pai?” 

Situação – O texto proposto situa-nos em Jerusalém, na segunda ou terça-feira da semana da Paixão. No sábado anterior (1º de abril do ano 30), Jesus entrou solenemente em Jerusalém (Mt 21,1-11); na segunda-feira, os judeus se reuniram para condenar Jesus (Lc 19,47s) e, na próxima sexta-feira (7 de abril), Jesus será preso, condenado e morto. 

O texto – A parábola, exclusiva de Mateus, é dirigida aos chefes religiosos de Jerusalém, membros do Sinédrio, por ocasião da chegada de Jesus e seus discípulos, a esta cidade. O Sinédrio de Jerusalém, que funcionava como Suprema Corte do judaísmo, sob a presidência do Sumo Sacerdote, era formado pelos sacerdotes, escribas e anciãos, sendo estes, principalmente, latifundiários de prestígio. 

O primeiro filho – O primeiro filho foi convidado pelo pai a trabalhar “na vinha”. A sua primeira resposta foi negativa: “não quero”. No contexto familiar da Palestina do tempo de Jesus, trata-se de uma resposta totalmente reprovável, particularmente porque uma atitude deste tipo ia contra todas as convenções sociais… Enchia um pai de vergonha e punha em causa a sua autoridade diante dos familiares, dos amigos, dos vizinhos. No entanto, este primeiro filho acabou por reconsiderar e por ir trabalhar na vinha. 

O segundo filho – Diante do mesmo convite, o outro filho respondeu: “vou, sim, senhor”. Deu ao pai uma resposta satisfatória, que não punha em causa a sua autoridade e a sua “honra”. Ficou bem visto diante de todos e todos o consideraram um filho exemplar. No entanto, acabou por não ir trabalhar na vinha. 

Questão – Em seguida, Jesus propõe a seguinte questão aos ouvintes: “qual dos dois fez a vontade do pai?” A resposta é tão óbvia que os próprios interlocutores de Jesus não têm qualquer dificuldade para responder: “o primeiro”. 

Lógica de Deus – A parábola ensina que, na perspectiva de Deus, o importante não é quem se comportou bem e não escandalizou os outros; mas, de acordo com a lógica de Deus, o importante é cumprir, realmente, a vontade do pai. Na perspectiva de Deus, não bastam palavras bonitas ou declarações de boas intenções; mas é preciso uma resposta adequada e coerente aos desafios e às propostas do Pai (Deus). 

Judeus – É certo que os fariseus, os sacerdotes, os anciãos do Povo disseram “sim” a Deus ao aceitar a Lei de Moisés… A sua atitude – como a do filho que disse “sim” e depois não foi trabalhar para a vinha – foi irrepreensível do ponto de vista das convenções sociais; mas, do ponto de vista do cumprimento da vontade de Deus, a sua atitude foi uma mentira, pois se recusaram a acolher o convite de João à conversão. Em contrapartida, aqueles que – do ponto de vista “politicamente correto” – disseram “não” (por exemplo, os cobradores de impostos e as prostitutas), cumpriram a vontade do Pai: acolheram o convite de João à conversão e acolheram a proposta do Reino que Jesus veio apresentar. 

Resposta – Lida no contexto do ministério de Jesus, esta parábola dava uma resposta àqueles que O acusavam de acolher os pecadores e os marginais – isto é, aqueles que, de acordo com as “convenções”, disseram não a Deus. Jesus deixa claro que, na perspectiva de Deus, não interessam as convenções externas, mas a atitude interior. O que honra a Deus não é o que cumpre ritos externos e que dá “boa impressão” às massas, mas é o que cumpre a vontade de Deus.

sábado, 17 de setembro de 2011

Gratuidade e Justiça

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 10,1-16), o evangelista Mateus apresenta um texto de difícil interpretação, conhecida como a parábola dos operários da vinha. 

Chamado – A parábola refere-se a um dono de uma vinha que, ao raiar da manhã, se dirigiu à praça e chamou “clientes” para trabalhar na sua vinha, ajustando com eles o preço habitual: um denário. O volume de tarefas a realizar na vinha fez com que este patrão voltasse a sair no meio da manhã, ao meio-dia, às três da tarde e ao cair da tarde e que trouxesse, de cada vez, novas levas de trabalhadores. O trabalho decorreu sem incidentes, até ao final do dia. 

Pagamento – Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho. Todos – tanto os que só tinham trabalhado uma hora, como os que tinham trabalhado todo o dia – receberam a mesma paga: um denário. Contudo, os trabalhadores da primeira hora (os “clientes” habituais do dono da vinha) ficaram indignados por não terem recebido um tratamento “de favor”. 

A resposta final – O dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem exceção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam ao fim? Isso em nada deveria afetar os outros… 

Naquele tempo... – Esta parábola nasce na realidade agrícola do povo da Galileia. Era uma região rica, de terra boa, mas com o seu povo empobrecido, pois as terras estavam nas mãos de poucos e a maioria trabalhava como arrendatário ou como "boia-fria", como diríamos hoje. Para sobreviver, esses camponeses sem terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e esperavam que os grandes donos de terra os contratassem para trabalhar nos seus campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada “patrão” tinha os seus “clientes”, isto é, homens que ele contratava regularmente e recebiam um tratamento de favor (eram sempre os primeiros a ser contratados), a fim de que pudessem ganhar uma “jornada” completa (um “denário”, que era o pagamento diário de um trabalhador). 

Mensagem – A parábola é dirigida às comunidades de judeus que aderiram ao cristianismo. Os judeus das sinagogas os rejeitavam e ameaçavam expulsá-los de seu convívio. Eles não admitiam que, no cristianismo, os pagãos se considerassem eleitos de Deus, assim como eles próprios se consideravam, conforme sua tradição do Primeiro Testamento. Mateus quer instruir estas comunidades de judeu-cristãos para que compreendam que, pela revelação de Jesus, Deus não se limita ao exclusivismo pretendido pelo judaísmo. 

Parábola – Assim, na parábola os trabalhadores de última hora (os gentios), ao receberem seu pagamento, são tratados em pé de igualdade com os primeiros que vieram trabalhar na vinha (o povo de Israel). As parábolas partem de imagens extraídas da vida real. Analisando as imagens utilizadas, vemos que no cenário aparecem o dono da vinha, imagem característica na tradição de Israel, e os trabalhadores desocupados na praça, cena característica de uma cidade grega. 

Sustento da vida – O texto nos ensina que a lógica do Reino não é a lógica da sociedade vigente. Na nossa sociedade, uma pessoa vale pelo que produz – logo, quem não produz não tem valor. Assim, se faz pouco caso do idoso, aposentado, doente, portador de deficiência... Na parábola, o patrão (símbolo do Pai) usa como critério de pagamento, não a produção, mas o sustento da vida – também o trabalhador da última hora precisa sustentar a família e por isso recebe o valor suficiente, um denário. 

Trabalho – Pode-se analisar nestas imagens o significado do trabalho. O trabalho não é mercadoria que se vende, avaliado pela quantidade da produção que dele resultou. O trabalho é o meio de subsistência das pessoas e da família, bem como é serviço à comunidade, pela partilha de seus frutos. Todos têm direito ao essencial para a sua sobrevivência. Na parábola, a todos foi dado o necessário para a sobrevivência de um dia, independentemente da quantidade de sua produção. A venda do fruto do trabalho por um salário é uma alienação da dignidade do trabalhador. É vender uma parte do seu ser, de seu próprio corpo, do fruto de seu trabalho, para a acumulação de riqueza e prazer do patrão. 

Valores – O Reino de Deus tem valores diferentes da sociedade neoliberal do nosso tempo - a vida é o critério, não a produção. Por isso, quem procura vivenciar os valores do Reino estará na contramão da sociedade dominante. O texto nos convida a imitar o Pai do Céu, lutando por novas relações na sociedade e no trabalho, baseadas no valor da vida, não na produção e consumo. O critério é a gratuidade de Deus Pai, pois tudo o que temos recebemos Dele e, sendo todos seus filhos amados, a comunidade cristã não pode discriminar pessoas, por qualquer motivo que seja.

sábado, 10 de setembro de 2011

“O perdão também cansa de perdoar”

A famosa frase do título pertence à música “Regra três”, composta por Toquinho e Vinicius de Morais em 1973. O Evangelho das missas deste domingo (Mt 18,21-35) também nos fala do perdão. Ao contrário da letra da música, fala-nos de um Deus cheio de bondade e de misericórdia que derrama sobre os seus filhos – de forma total, ilimitada e absoluta – o seu perdão.  

“Onde menos vale mais” – Os cristãos são convidados a descobrir a lógica de Deus e a deixarem que a mesma lógica de perdão e de misericórdia sem limites e sem medida marque a sua relação com os irmãos. Apresenta-nos um Deus que ama sem cálculos, sem limites e sem medida; e convida-nos a assumir uma atitude semelhante para com os irmãos que, dia a dia, caminham ao nosso lado. 

Texto – Mais uma vez é Pedro que articula em palavras o desafio cristão, "quantas vezes devo perdoar o meu irmão?" e responde ele mesmo, sugerindo "sete vezes", com certeza achando que agir assim seria um exagero. Mas para Jesus, não basta o discípulo agir segundo os critérios desse mundo. Por isso exige "não somente sete vezes, mas setenta vezes sete", ou seja, para quem realmente quer se modelar em Deus, o perdão tem que ser sem limites. 

Vingança – A ideia básica inverte a posição sangrenta e vingativa de Lamec em Gn, 4,24, "Se a vingança de Caim valia por sete, a de Lamec valerá por setenta e sete!" O cristão tem que deixar definitivamente por trás todo sentimento de vingança e assumir os novos valores do Reino de Deus, entre os quais tem lugar de destaque, o perdão. 

Parábola – Para explicar o perdão sem limites, o evangelista complementa com a parábola dos devedores. Esta parábola ilustra um dos pedidos do Pai Nosso, "perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores". Fazendo esse pedido, estamos querendo o perdão de Deus para que, experimentando-o, consigamos perdoar os nossos devedores. 

Pai Nosso – O texto original do Pai Nosso se referia realmente a dívidas financeiras, mas hoje, o texto foi modificado, substituindo-se as “dívidas” por “ofensas”, com uma aplicação mais geral. 

O Perdão de Deus depende do nosso? – Não é que o perdão de Deus dependa do nosso - é sempre Deus que toma o iniciativa e nós que respondemos. Mas somos capazes de render nulo o efeito do perdão do Pai, se nós nem queremos perdoar os outros. Assim, o Pai continua querendo nos perdoar, mas nós cortamos o efeito dessa gratuidade divina.  

Querer perdoar – Obviamente, o perdão envolve um processo todo, que abrange a parte espiritual, mas também psicológica, da pessoa. Não se consegue eliminar os efeitos das ofensas de uma vez. Mas o importante é o "querer" perdoar. O próprio desejo já é o perdão, pois é somente com a graça divina que nós conseguiremos perdoar mesmo. Mas quando esse desejo é ausente, nem o perdão do Pai penetra a barreira que nós erguemos e o seu perdão fica sem frutos. 

Sinais do Reino – A proposta do texto de hoje é além das nossas forças humanas, mas não além da possibilidade da graça divina. Por isso, temos que sempre pedir o dom do perdão, conforme nos ensina a Oração do Senhor, para que as nossas comunidades sejam verdadeiramente sinais do Reino e não meramente aglomerações de pessoas que partilham as mesmas teorias teológicas, mas sem que essas influenciem na sua vivência, na sua prática. Da nossa parte exige-se esforço, e Deus dará a força, para que vivamos conforme o desafio do Sermão da Montanha "sejam perfeitos, como o Pai do Céu de vocês é perfeito".

sábado, 3 de setembro de 2011

A Correção Fraterna

O Evangelho das missas deste domingo (Mt 18,15-20) sugere-nos uma reflexão sobre a nossa responsabilidade face aos irmãos que nos rodeiam. Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia do Vaticano, sobre os versículos 15 a 18. 

Texto – “Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: ‘Se o seu irmão pecar, vá e mostre o erro dele, mas em particular, só entre vocês dois. Se ele der ouvidos, você terá ganho o seu irmão. Se ele não lhe der ouvidos, tome com você mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão seja decidida sob a palavra de duas ou três testemunhas. Caso ele não dê ouvidos, comunique à Igreja. Se nem mesmo à Igreja ele der ouvidos, seja tratado como se fosse um pagão ou um cobrador de impostos. Eu lhes garanto: tudo o que vocês ligarem na terra, será ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra, será desligado no céu’. 

Irmão – A convivência humana está permeada de contrastes, conflitos, pelo fato de que somos diferentes por temperamento, pontos de vista, gostos. O Evangelho tem algo a nos dizer também neste aspecto tão comum e cotidiano da vida. Jesus apresenta o caso de alguém que cometeu algo que é realmente equivocado em si mesmo: ‘Se o seu irmão pecar...’. Não se refere só a uma culpa cometida contra nós. Neste último caso é quase impossível distinguir se o que nos move é o zelo pela verdade ou mais o amor próprio ferido. Em todo caso, seria mais uma autodefesa que uma correção fraterna. 

Dignidade – Por que diz Jesus: ‘mostre o erro dele, mas em particular’? Antes de tudo, por respeito ao bom nome do irmão, de sua dignidade. Diz: ‘entre vocês dois’, para dar a possibilidade à pessoa de poder se defender e explicar suas ações em plena liberdade. Muitas vezes, aquilo que, a um observador externo, parece uma culpa, nas intenções de quem fez a ação, não é. Uma franca explicação dissipa muitos mal-entendidos. 

Correção – Mas isso não é possível quando o problema se leva ao conhecimento de todos. Qual é, segundo o Evangelho, o verdadeiro motivo pelo qual é necessário praticar a correção fraterna? Não é, certamente, o orgulho de mostrar aos outros os erros que cometeram, para ressaltar nossa superioridade. Nem para desencargo de consciência, para poder dizer: ‘Eu te disse. Eu te adverti! Pior para você, se não me levou a sério’. 

Fraterna – Não, o objetivo é ganhar o irmão; é o genuíno bem do outro, para que possa melhorar e não se encontrar com desagradáveis consequências. Se for uma culpa moral, [a correção é] para que não comprometa seu caminho espiritual e sua salvação eterna. Nem sempre depende de nós o bom resultado da correção (apesar das melhores disposições, o outro pode não aceitá-la, fazer-se mais rígido); pelo contrário, depende sempre e exclusivamente de nós o bom resultado... na hora de receber uma correção. 

Dever – Não existe somente a correção ativa, mas também a passiva; não existe só o dever de corrigir, mas também o dever de deixar-se corrigir. E aqui é onde se vê, se somos suficientemente maduros para corrigir os demais. Quem quer corrigir alguém tem de estar disposto a ser corrigido. Quando se vê que uma pessoa recebe uma observação e se ouve que responde com simplicidade – ‘Você tem razão, obrigado por ter me dito!’ –, você está diante uma pessoa de valor. 

Cisco – O ensinamento de Cristo sobre a correção fraterna deverá ser lido sempre junto ao que Ele diz em outra ocasião: ‘Por que você fica olhando o cisco no olho do seu irmão, e não presta atenção na trave que há no seu próprio olho? Como é que você pode dizer ao seu irmão: ‘Irmão, deixe-me tirar o cisco do seu olho’, quando você não vê a trave no seu próprio olho?’ (Lucas 6, 41-42). 

Amor – Em alguns casos não é fácil compreender se é melhor corrigir ou deixar passar, falar ou calar. Por este motivo, é importante ter em conta a regra de ouro, válida para todos os casos, que o apóstolo Paulo oferece na segunda leitura (Romanos 13, 8.10) deste domingo: ‘Não fiquem devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo... O amor não pratica o mal contra o próximo...’.  É necessário assegurar-se, antes de tudo, de que no coração se dê a disposição de acolhida à pessoa. Depois, tudo o que se decida, seja corrigir ou calar, estará bem, pois o amor ‘não faz mal a ninguém’.