sábado, 26 de julho de 2014

PENSANDO NAS ELEIÇÕES ...


A primeira leitura das missas deste domingo (1Reis 3, 5.7-12) apresenta-nos o rei Salomão refletindo sobre o seu reinado. Ele é o protótipo do homem sábio, que consegue perceber e escolher o que é importante e que não se deixa seduzir e alienar por valores passageiros.

O texto – O Senhor apareceu em sonhos a Salomão e disse-lhe: “Pede o que quiseres”. Consciente da grandeza da sua tarefa e das suas próprias limitações, o jovem rei pede a Deus que lhe dê um coração “sábio” para governar com justiça. A prece do rei é atendida e Deus concede a Salomão uma “sabedoria” inigualável, acrescentado três dons: a riqueza, a glória e a longa vida (confira em 1Re 3,13-14).

Davi – O grande rei David morreu por volta de 972 a.C., após um reinado longo e fecundo, ocupado a expandir as fronteiras do reino, a consolidar a união entre as tribos do norte e do sul e a conquistar a paz e a tranquilidade para o Povo de Deus. Sucedeu-lhe no trono o filho, Salomão.

Filho de Davi – Salomão desenvolveu um trabalho meritório na estruturação do reino que o pai lhe legou. Organizou a divisão administrativa do território que herdou, dotou-o de grandes construções (das quais a mais emblemática é o Templo de Jerusalém), fortificou as cidades mais importantes, potenciou o intercâmbio cultural e comercial com os países da zona, incentivou e apoiou a cultura e as artes.

Estrutura administrativa – Preocupado com a constituição de uma classe política preparada para as tarefas da governação, Salomão recrutou “sábios” estrangeiros (sobretudo egípcios) para a sua corte e rodeou-se de homens que se distinguiam pelo seu “saber”, pela sua justiça e prudência. Esses “quadros”, além de aconselharem o rei, tinham também a tarefa de preparar os futuros “funcionários” para desempenharem funções no aparelho governativo montado por Salomão.

Sabedoria – A corte de Salomão tornou-se, assim, um “viveiro” de “sabedoria”. Os “sábios” de Salomão coligiram provérbios, redigiram “máximas” de carácter sapiencial, deram “instruções” (sobre as virtudes que deviam ser cultivadas para ter êxito e para ser feliz). Nesta fase, também redigiram-se crónicas sobre os reinados anteriores e publicaram-se textos sobre as tradições dos antepassados (surgem, nesta época, as primeiras tradições do Pentateuco). Não admira, portanto, que Salomão tenha ficado na memória histórica de Israel como o protótipo do rei sábio, “cuja sabedoria excedia a todos os orientais e egípcios” (1 Re 4,30).

Herança – Salomão é também, historicamente, o primeiro rei que “herda” o trono. Até agora, os seus predecessores não chegaram ao trono por herança, mas receberam-no das mãos de Deus (segundo a visão “religiosa” dos catequistas bíblicos). Os teólogos de Israel vão, pois, esforçar-se por sacralizar o poder de Salomão e demonstrar que, se Salomão chegou a governar o Povo de Deus, não foi apenas por um direito hereditário (sempre contestável), mas pela vontade de Deus.

O nosso texto – O texto que hoje nos é proposto supõe todo este enquadramento. O chamado “sonho de Gabaon” (1Re 3,5) é uma ficção literária montada pelos teólogos deuteronomistas (grupo com as ideias teológicas apresentadas no Livro do Deuteronômio) com uma dupla finalidade: apresentar Salomão como o escolhido de Javé e justificar a sua proverbial “sabedoria”.

Mensagem – Salomão não planejou o seu reinado como um privilégio pessoal que podia ser usado em benefício próprio, mas sim como um ministério que lhe foi confiado por Deus. Salomão tinha consciência de que a autoridade é um serviço que deve ser exercido com “sabedoria” e que o objetivo final desse serviço é a realização do bem comum.


Sabedoria – O aspecto mais importante do tema da liturgia deste domingo é a “qualidade” da resposta de Salomão: ele não pede riqueza nem glória, mas pede as aptidões necessárias e a capacidade para cumprir bem a missão que Deus lhe confiou. Salomão aparece aqui como o modelo do homem que sabe escolher as coisas importantes e que não se deixa distrair por valores passageiros. Dizer que a súplica de Salomão “agradou ao Senhor” (vers. 10) é propor aos israelitas que optem pelos valores eternos, duradouros e essenciais.

sábado, 19 de julho de 2014

Parábolas da esperança


O Evangelho das missas deste domingo (Mt 13,24-43) apresenta-nos mais um bloco de três imagens ou comparações (“parábolas”) que pretendem revelar aos discípulos e às multidões que rodeiam Jesus, a realidade do “Reino”. São as parábolas do grão de mostarda, do fermento e do joio e do trigo.

Porque parábolas – Já vimos, no domingo passado, porque é que Jesus pregava por “parábolas”: porque a linguagem parabólica é uma linguagem rica, expressiva, questionante; porque a “parábola” é uma excelente arma de controvérsia, muito útil em contextos polêmicos; porque a “parábola” faz as pessoas pensar e incita-as à procura da verdade. Por tudo isso, as “parábolas” são uma linguagem privilegiada para apresentar o Reino, para incitar as pessoas a descobrirem o Reino e para levá-las a aderir ao Reino.

Joio e trigo – A primeira parábola que nos é proposta é a parábola do trigo e do joio. Trata-se de um quadro da vida cotidiana: há um “senhor” que semeia boa semente no seu campo, um “inimigo” que semeia o joio (nome de uma erva gramínea que nasce entre o trigo e o danifica) e “servos” dedicados, preocupados com o futuro da colheita. Tudo parece normal; o anormal é a reação do “senhor” frente à “crise”: dá ordens para que deixem crescer trigo e joio lado a lado e que só na altura da ceifa seja feita a seleção do bom e do mal, do que é para queimar e do que é para guardar nos celeiros.

Paciência – O “senhor” da parábola é esse Deus paciente, que dá ao homem todas as oportunidades, que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva. Os “servos” com excesso de zelo são os crentes (que trabalham no campo do “senhor”) rígidos e intolerantes, incapazes de olhar o mundo e o coração dos homens com a bondade, a serenidade e a paciência de Deus. O “campo” é o mundo e a história, onde coexistem o trigo (os sinais de esperança, de vida, de amor que tornam este mundo mais belo e mais feliz) e o joio (os sinais de morte, responsáveis pelo sofrimento, pela opressão, pela escravidão). É também o coração de cada homem e de cada mulher, capaz de opções de vida e capazes de opções de morte.

Jesus garante: os métodos de Deus não passam pelo castigo imediato, pela intolerância face às opções dos homens, pela incompreensão dos erros dos seus filhos; os métodos de Deus passam por deixar os homens crescer em liberdade, integrando a comunidade dos filhos de Deus.

Mostarda e fermento – O Evangelho deste domingo propõe-nos ainda duas outras parábolas: a parábola do grão de mostarda e a parábola do fermento. São duas parábolas muito semelhantes, tanto no conteúdo como na forma.

Proporções – Nas duas, a mensagem é a mesma: sublinha-se a desproporção entre o início e o resultado final. O grão de mostarda é uma semente muito pequena, que pode dar origem a uma árvore de razoáveis dimensões; o fermento apresenta um aspecto perfeitamente insignificante, mas tem a capacidade de fermentar uma grande quantidade de massa. Estas duas comparações servem para apresentar o dinamismo do “Reino”.

Reino – O “Reino” anunciado por Jesus compara-se ao grão de mostarda e ao fermento: parece algo insignificante, que tem inícios muito modestos e humildes, mas contém potencialidades para encher o mundo, para transformá-lo e renovar. Trata-se de um dinamismo de vida nova, que começa como uma pequena semente lançada à terra numa província obscura e insignificante do império romano, mas que vai lançar as suas raízes, invadir história dos homens e potenciar o aparecimento de um mundo novo.


Esperança – Com estas parábolas, Jesus responde às objeções daqueles que não acreditavam que da mensagem de um carpinteiro de Nazaré pudesse surgir uma proposta de vida, capaz de fermentar o mundo e a história. Ele garante-nos que o “Reino” é uma realidade irreversível, que veio para ficar e para transformar o mundo. Escutar estas parábolas é receber uma injeção de ânimo e de esperança, capaz de levar a um compromisso mais sério e mais exigente com o “Reino”.

sábado, 12 de julho de 2014

Ágrafos


O que é – A palavra Ágrafos vem do grego (ágraphos) e significa “o que não está escrito”.  Em termos bíblicos, são chamadas de ágrafos as palavras ou frases proferidas por Jesus Cristo que não se encontram nos Evangelhos Canônicos, mas que foram conservadas em outros livros do Novo Testamento e sobretudo em outras fontes.

Atos dos Apóstolos – Em At 20,35 nós lemos: “ ... e Jesus disse: ‘Há mais felicidade em dar do que em receber’”.  Estas palavras de Jesus não se encontram nos evangelhos, pois foram conservadas pela tradição.

Tertuliano – Foi o primeiro escritor cristão importante a escrever em latim, vivendo entre 163 e 230 d.C..  Tertuliano citou a seguinte frase dita por Jesus: “Aquele que não for tentado não terá o Reino dos Céus.”  Não encontramos esta frase (ou algo parecido com ela) em nenhum livro do Novo Testamento.

Orígenes – Orígenes de Alexandria, viveu entre 185 e 254, foi o principal teólogo da Igreja Grega e criador da teologia sistemática.  Orígenes preservou o seguinte dito de Jesus: “Pedi as coisas maiores, que as menores vos serão dadas por acréscimo: e pedi as coisas do Céu, que as da Terra vos serão acrescentadas.” Também afirma que Jesus disse: “A sabedoria enviará seus filhos”.

Clemente – Uma carta atribuída a Clemente Romano (São Clemente I, o quarto papa da Igreja Católica, entre 88 e 97; não confundir com Clemente de Alexandria) diz que “quando o Senhor foi interrogado sobre quando viria o Seu Reino, respondeu: ‘Quando dois forem um, e a parte de fora a de dentro, e o macho com a fêmea não forem macho nem fêmea.’”

O Evangelho de Tomé – O evangelho apócrifo atribuído a Tomé contém uma coleção de 114 frases de Jesus, das quais 47 também aparecem no Evangelho de Marcos, 17 estão em Mateus, 4 em Lucas e 5 aparecem em no Evangelho de João.  65 frases do Evangelho de Tomé são inéditas (ágrafos).

Mais Tomé – Uma das frases atribuídas a Jesus, contida no Evangelho de Tomé é: “Todo aquele que estiver próximo a mim, está perto do fogo, e todo aquele que estiver afastado de mim, estará longe do Reino." (Ev. Tomé, 82).

Ainda Tomé – Outro exemplo tirado do Evangelho de Tomé, é uma seqüência da parábola do fermento (Mt 13,33 e Lc 13,20).  Jesus disse: "O Reino do Pai é como uma mulher que carrega um jarro cheio de trigo. Enquanto caminha por uma estrada distante, a asa do jarro se quebra. A farinha se espalha na estrada, às suas costas. Ela não se dá conta e não se apercebe do acidente. Depois de chegar à casa, coloca o jarro no chão e o encontra vazio.”  Em outras palavras, podemos perder o Reino dos Céus se formos negligentes.

Evangelho de Pedro – O Evangelho de Pedro é um texto apócrifo (não reconhecido pela Igreja), porém de grande importância na Igreja primitiva.  Descreve, em detalhes o julgamento, crucificação, morte e ressurreição de Jesus.  Neste evangelho, a frase de Jesus citada em Mc 15,34 e Mt 27,46 aparece de forma diferente: “E o Senhor gritou dizendo: ‘Meu poder, meu poder, tu me abandonaste.’”

Evangelho de Barnabé – É um texto bastante polêmico escrito nos primeiros séculos do cristianismo. É atribuído ao discípulo Barnabé. Este texto cita as seguinte palavras de Jesus: “Os que querem ver e experimentar o meu reino, precisam alcançar-me através de tribulações e sofrimentos.”


Quer ler mais – Se você se interessou pelos textos citados, podemos lhe enviar por E-mail: O Evangelho apócrifo de Tomé, o Evangelho apócrifo de Pedro, o Evangelho apócrifo de Barnabé, as cartas de Clemente Romano e Clemente de Alexandria. Solicite por E-mail.

sábado, 5 de julho de 2014

“Tu revelaste-as aos pequeninos”


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 11,25-30), Jesus pronuncia estas palavras: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”.

Contexto – Nos versículos anteriores ao texto que nos é proposto (confira Mt 11,20-24), Jesus havia dirigido uma veemente crítica aos habitantes de algumas cidades situadas à volta do lago de Tiberíades (Corozaim, Betsaida, Cafarnaum), porque foram testemunhas da sua proposta de salvação e mantiveram-se indiferentes. Estavam demasiado cheios de si próprios, instalados nas suas certezas, calcificados nos seus preconceitos e não aceitavam questionar-se, a fim de abrir o coração à novidade de Deus.

Crítica – O contexto de Mt 11, 25-30 é a crítica de Jesus a estas cidades vizinhas ao Mar da Galileia que, beneficiadas pelo ensinamento e pelos atos de poder de Jesus, não se converteram, não se abriram ao sopro de sua palavra nem aderiram à sua pessoa. O hino de louvor de Jesus dirigido ao Pai é uma clara oposição a essas cidades que não se converteram.

Agora – Jesus manifesta-Se convicto de que essa proposta rejeitada pelos habitantes das cidades do lago encontrará acolhimento entre os pobres e marginalizados, desiludidos com a religião “oficial” e que anseiam pela libertação que Deus tem para lhes oferecer.

Surpresa – Teria sido, em certo sentido, surpreendente para Jesus experimentar que aqueles que se diziam sábios, conhecedores e intérpretes da Palavra de Deus fossem os que lhe fizessem oposição, engajando-se em fazê-lo perecer.

Revelação – O que é escondido aos que se pretendem sábios e entendidos e o que é revelado aos “pobres de espírito”? O que está dito no versículo 27 (“Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”) pode ser compreendido nesses termos: é Jesus quem revela o Pai. Somente quem se abre para reconhecer e aceitar Jesus como enviado do Pai é que pode conhecer a relação filial que une profundamente Jesus e Deus (confira em Jo 14,10-11 e em Cl 1,15).

Sábio – Jesus é não somente o Sábio, mas a “Sabedoria de Deus”, que atrai todos a si e os instrui na Lei que o Senhor deu ao povo para preservar o dom da vida e da liberdade. O texto termina com um convite de Jesus àqueles que ainda estão fora do grupo dos seus discípulos: “Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve”.


Fardo – O “jugo” (ou fardo) era uma peça de madeira colocada sobre o pescoço do animal para equilibrar o peso que ele carregava. Na tradição bíblica, entre outros significados, ele se refere à Lei (Jr 2,20; 5,5). Jesus critica os escribas e fariseus por amarrarem pesados fardos sobre os ombros dos outros (Mt 23,4). Há um modo de interpretar a Lei e de pô-la em prática que tira a alegria e a vida, como se fosse um enorme peso a carregar. Ora, a Lei de Deus é para a vida e a liberdade, ela é um caminho para a vida e a felicidade (Dt 30,16). Jesus, manso e humilde, se oferece para aliviar tal peso. A lei do Senhor é a lei do amor (Jo 15,12). No amor não há temor nem amargura.