terça-feira, 26 de março de 2024

OS ÚLTIMOS DIAS DE VIDA DE JESUS


 

Apresentamos hoje, em preparação à semana que antecede a Páscoa, os acontecimentos que marcaram a última semana e a Paixão de Jesus.

 

Março do ano 30 – No final de março do ano 30, Jesus fez a sua última viagem para Jerusalém. Ele e seus discípulos viajaram da Galiléia, passando pela Peréia (além Jordão), evitando a região da Samaria. Durante essa viagem, curou dez leprosos (Lc 17,11), discutiu com os fariseus sobre o casamento (Mt 19,3) e ensinou os companheiros com as parábolas da viúva e do juiz, do fariseu e do publicano (Lc 18,9) e dos operários da vinha. Falou sobre o juízo final, recebeu as crianças e conversou com o jovem rico (Lc 18, 15-30).

 

Em Betânia – Jesus chegou a Betânia na sexta-feira (Jo 12,1), dia 31 de março do ano 30, e foi jantar na casa de seu amigo Lázaro (que havia revivido) e das irmãs Marta e Maria. Betânia era uma aldeia a Leste do monte das Oliveiras, a cerca de três quilômetros de Jerusalém. Nesta noite, Maria lavou os pés de Jesus com um perfume caro e os enxugou com os cabelos; foi repreendida por Judas Iscariotes. Nesta mesma noite, Jesus fez (pela terceira vez) a predição de sua Paixão, recebeu o pedido dos filhos de Zebedeu e contou a parábola das minas e dos talentos.

 

Sábado – 1º de abril – No sábado, Jesus e seus discípulos seguiram de Betânia para Jerusalém. Quando passavam por Betfagé, perto do Monte das Oliveiras, Jesus pediu que dois discípulos fossem ao povoado e trouxessem um jumentinho que estava amarrado. Montado no jumentinho, Jesus fez a entrada triunfal em Jerusalém, aclamado pelo povo, que o saudava com ramos. Neste mesmo sábado, Jesus visitou o Templo, expulsando os vendedores, derrubando as mesas e cadeiras dos cambistas. Voltou para Betânia, onde passou a noite (Mt, 21,17). No domingo (2 de abril), Jesus descansou. Em uma de suas caminhadas, encontrou uma figueira estéril e proclamou o ensinamento sobre a fé (Mt 21,18).

 

3 e 4 de abril – Na segunda e terça-feira, Jesus voltou a Jerusalém. No Templo, foi interrogado pelos fariseus sobre a sua missão, sobre a sua autoridade (Mt 21,23) e sobre o tributo a César (Mt 22,15). Conversando com os discípulos, Jesus contou as parábolas dos dois filhos (Mt 21,28) e dos vinhateiros (Mt 21,33) e apresentou a oferta da viúva pobre (Mc 12,41). Ao sair, mostrou a grandiosa obra do Templo, fazendo um discurso (conhecido como Apocalipse sinótico) sobre a sua destruição, a grande tribulação e a vigília (Mt 24). A quarta-feira (5 de abril) foi marcada pela traição de Judas (Mt 26,14; Lc 22,1).

 

Quinta-feira – O dia 6 de abril começou com a preparação para a Páscoa (Mt 26,17). Os discípulos foram até a cidade e prepararam a Páscoa na casa de um conhecido deles. Ao cair da tarde, Jesus se reuniu com os doze apóstolos e, enquanto comiam, anunciou que seria traído. Judas deixou o cenáculo (Mt 26,20). Em seguida, Jesus lavou os pés dos apóstolos (Jo 13,1), instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio (Mt 26,28), entregou o novo mandamento (Jo 13,33), predisse as negações de Pedro (Mt 26,31) e fez o sermão da despedida (Jo 14,16). Em seguida, Jesus e os apóstolos saíram do Cenáculo, deixando a cidade, em direção a Betânia, até um horto chamado Getsêmani. Ali Jesus agonizou, enquanto os apóstolos dormiam (Mt 26,36).

 

Sexta-feira, 7 de abril – De madrugada, no Getsêmani, Jesus foi preso e conduzido ao palácio de Caifás (Sumo Sacerdote). Em seguida, Jesus foi conduzido ao Sinédrio (tribunal religioso judaico, composto de 71 membros), onde os escribas e anciãos estavam reunidos. Pedro negou conhecer Jesus (Mt 26,47). Na manhã, como o Sinédrio não tinha o poder de condenar as pessoas, levaram Jesus para Pilatos (governador da Judéia, representante do Império Romano), pedindo a sua condenação à morte.

 

Indecisão – Pilatos interrogou Jesus e não encontrou nenhuma causa de condenação. Sabendo que Jesus era galileu, Pilatos encaminhou-o para Herodes Antipas, que se encontrava na cidade. Herodes também, não encontrou nenhuma causa para condenação de Jesus (Lc 23,6). Novamente foi levado para Pilatos que, lavou as mãos, condenando Jesus e soltando Barrabás. Jesus recebeu uma coroa de espinhos e foi condenado à crucificação, caminhando até um lugar chamado Gólgota.

 

Crucificação – Ao meio-dia do dia 7 de abril do ano 30, Jesus foi crucificado ao lado de dois ladrões: Dimas e Gestas (Lc 23,23). Em sua cruz foi escrita a causa da condenação (INRI): “Yehoshuah Nazoreus, Rex Youdeus” (Jesus Nazareno, rei dos Judeus). Jesus morreu às 3 horas da tarde (Mt 27,45) e, antes do pôr do sol, foi sepultado por José de Arimatéia (Mt 27,57). No sábado (8 de abril) nada acontece, pois era o dia de Páscoa dos Judeus.

 

Domingo – No domingo, 9 de abril do ano 30, Maria Madalena (e outras pessoas) foram ao túmulo de Jesus e encontraram a pedra rolada. Voltaram e contaram para os apóstolos. Pedro e João foram ao túmulo e encontraram apenas faixas e panos (Jo 20). No mesmo dia Jesus apareceu para os apóstolos (sem Tomé) e para os discípulos de Emaús (Lc 24,13).

segunda-feira, 18 de março de 2024

São Longuinho: o soldado que perfurou Jesus com a lança

  


Estamos na Quaresma e daqui a duas semanas faremos a leitura da Paixão de Cristo. Todos os cristãos devem se lembrar que, ao retirar o corpo de Jesus da cruz, um soldado perfurou Jesus com uma lança e sangue e água verteram do seu lado (Jo 19, 34). Vamos detalhar o que aconteceu.

 Via Crucis – Após a condenação de Jesus à morte, por crucificação (na Fortaleza Antônia), foi designado um soldado (centurião), chamado Longinus, para comandar a caminhada dos três condenados até o local da crucificação (monte Gólgota ou Calvário).

 Após a morte – Como era uma tarde de sexta-feira, véspera da Páscoa, os judeus pediram a Pilatos para que mandasse quebrar as pernas dos crucificados. Desta forma, a morte seria mais rápida e eles poderiam ser tirados da cruz antes do sábado. Os soldados quebraram as pernas dos dois ladrões, mas, chegando a Jesus, viram que estava morto. Por isso, não lhe quebraram as pernas; entretanto, para comprovar o óbito, um soldado golpeou-o o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água (Jo 19,31-34). Este soldado é identificado com Longinus.

 Cura – A Tradição diz que essa água que saiu do lado de Cristo, respingou em Longinus e ele ficou curado de um problema que tinha nos olhos. Longinus também é identificado como o soldado que reconheceu Jesus como "Verdadeiramente este homem era Filho de Deus", logo após a morte do Mestre. Ele é citado pelos evangelistas São Mateus 27,54, São Lucas 23,47 e São Marcos 15,39.

 Conversão – Tocado pela graça de Deus, ele se converteu, passou a acreditar em Jesus, e abandonou o exército romano. São Longuinho é uma prova do poder do amor e da misericórdia de Deus. Jesus mudou a vida de um soldado que o matava.

 Perseguido – Após abandonar o exército romano por causa de sua conversão, Longinus fugiu para Cesárea e Capadócia (hoje Turquia). Mas foi descoberto pelo Governador da Capadócia e denunciado a Pôncio Pilatos. No processo, foi acusado de desertor e condenado a pena de morte. Se ele renunciasse à sua fé em Jesus Cristo seria perdoado. Mas ele se manteve firme e não renegou Jesus Cristo. Por isso, foi torturado, teve seus dentes arrancados e sua língua cortada. Depois, foi decapitado. O soldado que ajudara a crucificação e morte de Jesus, tempos depois dava sua vida por causa do mesmo Senhor.

 Lendas – Conta-se que Longinus era um soldado de baixa estatura que servia na alta corte de Roma antes de ser destacado para servir na Palestina. Servindo na corte de Roma, ele vivia nas festas dos romanos. Por causa de sua baixa estatura, ele conseguia ver tudo o que se passava por baixo das mesas. Com isso ele achava vários pertences das pessoas e sempre devolvia os achados para seus donos. Daí surgiu sua fama de bom soldado e de sempre encontrar coisas perdidas.

 Canonização – Longinus foi canonizado pelo Papa Silvestre II, quase mil anos depois, no ano de 999. O processo de canonização já tinha caminhado bastante conforme os trâmites exigidos pela Igreja. Porém, vários documentos que faziam parte do processo, ficaram perdidos ao longo de anos. Então, o Papa pediu a intercessão do próprio Longinus para que o ajudasse a encontrar os documentos perdidos. E aconteceu que, pouco tempo depois, os documentos foram encontrados e a canonização aconteceu conforme a lei da Igreja manda que seja.

 De Longinus para São Longuinho – Por causa da fama do soldado Longinus, espalhou-se a devoção de se rezar para São Longuinho pedindo para ele ajudar a encontrar objetos perdidos. No Brasil há uma crença popular de que São Longuinho auxilia a encontrar objetos perdidos. É só repetir: “São Longuinho, São Longuinho, se eu achar (nome do objeto perdido) dou três pulinhos. Quando a pessoa encontra o objeto precisa cumprir a promessa em devoção ao santo. O importante é a fé e o belíssimo testemunho de vida de São Longuinho. Sua festa é comemorada no dia 15 de março.

 Quer saber mais? – O Evangelho apócrifo de Nicodemus apresenta vários detalhes sobre a crucificação. Se você se interessa pelo assunto, solicite pelo E-mail.

domingo, 10 de março de 2024

Qual a distância que Jesus carregou a cruz?

 


Na leitura da Paixão de Cristo, todos os cristãos ficam impressionados com o sofrimento de Jesus ao carregar a cruz. Vamos detalhar o que aconteceu.

 Condenação – Jesus foi condenado à morte por crucificação pelo Tribunal Romano, na Fortaleza Antônia, próxima ao Templo. Para iniciar a caminhada até o monte Gólgota (ou monte Calvário), a chamada “Via Crucis”, os três condenados (Jesus e os dois ladrões) foram preparados para carregar as cruzes.

 A cruz – A Cruz é um antigo instrumento bárbaro de suplício, usado por vários povos para executar os condenados a morte. Era constituída de duas partes: uma haste vertical de aproximadamente 3,5 metros de comprimento, denominada “estipe”, que era cravada a um metro de profundidade no local da crucificação. A parte horizontal da cruz, uma haste chamada “patíbulo”, tinha cerca de 2,20 metros de comprimento e pesava aproximadamente 35 quilos. Os condenados transportavam somente o patíbulo nas costas, o que causava graves ferimentos na nuca, e os estipes ficavam fixadas no monte Calvário, aguardando a chegada dos condenados. Portanto, não são reais as representações artísticas de Jesus carregando as duas partes da cruz (estipe e patíbulo).

 Crucificação – Chegando no monte Calvário, colocavam o "patíbulo" no chão e deitavam o réu sobre ele, fixando os seus pulsos. A seguir, com forquilhas de madeira, levantavam o patíbulo (com o crucificado), fixando-o no estipe. Cabe lembrar que nenhum dos quatro Evangelhos menciona que Jesus tenha sido fixado na cruz com pregos (ou cravos). O mais comum no Império Romano era amarrar os pés e as mãos do crucificado com cordas. A indicação de que Jesus teria sido pregado na cruz vem da descrição da aparição de Jesus aos apóstolos (Jo 20,25), quando se fala em sinais deixados pelos pregos.

 Tipos de cruzes – Havia vários tipos de cruzes para a crucificação. A mais usada era a “cruz comissa” (crux commissa), em que o patíbulo era colocado sobre o estipe, formando um “T”. Na crucificação de Jesus foi usada a cruz imissa (crux immissa), em que uma parte do estipe fica acima do patíbulo, onde havia espaço para uma inscrição (Mt 27.37).

 Via crucis A cidade de Jerusalém foi destruída durante a Guerra Judaica (66 a 73 d.C.). Na atualidade, é muito difícil estabelecer um trajeto preciso, por onde Jesus passou com a cruz, até o monte Calvário. O traçado das ruas é bastante diferente da época da ocupação Romana de Jerusalém. Se considerarmos que Jesus saiu da Fortaleza Antônia, passou pelo portão de Damasco para chegar ao Calvário, hoje, a distância seria de 595 metros. Alguns autores fixam esta distância, no tempo de Jesus, entre 500 e 600 metros.

 Não é bem assim – Mas Jesus não carregou a cruz em todo o percurso. De acordo com os Evangelhos Sinóticos, Simão de Cirene foi obrigado pelos soldados romanos a carregar a cruz de Jesus Cristo até o Gólgota (Mt 27, 32; Mc 15, 22; Lc 23, 26). O Evangelho de João nega o episódio, dando ênfase à ideia de que Jesus teria carregado a cruz sozinho até o monte. De acordo com os evangelistas Marcos e Lucas, Simão era oriundo de Cirene, cidade do Norte de África (atual Líbia), distante 1.200 km de Jerusalém. Simão era pai de Alexandre e Rufo (Marcos 15, 21), sendo representado como um negro ao ser identificado com o Simão de At 13,1. Rufo teria seguido os apóstolos, sendo citado por Paulo em Rom 16,13. Alexandre teria repudiado a pregação do Evangelho (1Tim 1,19-20; 2Tim 4,14).

 Quantos metros? – Como não sabemos em que ponto do trajeto houve o encontro com Simão, vamos supor que Jesus carregou a cruz até o portão de Damasco. Neste local, onde havia uma maior concentração de pessoas, Jesus caiu pela segunda vez, fazendo parar o cortejo. Neste ponto, os soldados convocaram a ajuda de Simão (Cirineu). Com esta suposição, Jesus teria carregado a cruz entre 400 e 450 metros, deixando o restante do percurso até o Calvário (150 a 200 metros) para Simão.

 QUER SABER MAIS – Se você gostou do assunto e quer saber mais, podemos lhe oferecer mapas da cidade de Jerusalém no tempo de Jesus, com os possíveis trajetos da “Via Crucis”. Solicite por E-mail.

Dez ou doze Mandamentos?

 


Na missa deste domingo será lido o livro do Êxodo que apresenta os Dez Mandamentos. Vamos ver como surgiram:

 Não foi bem assim – A Bíblia narra que Moisés recebeu os Dez Mandamentos no Monte Sinai e depois os entregou ao povo numa solene cerimônia. Mas, se os analisamos cuidadosamente, vemos que, na realidade, eles parecem não corresponder à época de Moisés, época de peregrinação pelo deserto e de vida nômade.

 Fora de época – Que sentido tem, por exemplo, proibir de desejar a “casa” do próximo, quando eles, como peregrinos, ainda não habitavam em casas, mas sim em tendas? Somente na Terra Prometida é que edificaram casas. O mandamento de não levantar falso testemunho supõe que já existissem tribunais, juízes e processos legais, coisa impossível durante a travessia do deserto. E quando se ordena descansar no sábado, se declara: “não trabalharás nem tu, nem teu escravo, nem tua escrava”; mas, como poderiam ter escravos, se todos eles eram escravos recém-saídos do Egito?

 Posterior – Isso fez os biblistas pensarem que os dez mandamentos pertenceriam mais apropriadamente a uma época posterior à de Moisés, quando o povo já estava instalado em Canaã, organizado com normas morais e jurídicas adequadas a uma época mais moderna. Foi provavelmente elaborada na época dos juízes, cerca de 1100 a.C., cento e cinquenta anos depois da morte de Moisés. Com o tempo, essa lista assumiu tanta importância entre os hebreus que começaram a atribuí-la a Moisés.

 Dez ou doze? – A Bíblia ensina claramente que os mandamentos são dez (Dt 4,13; 10,4), mas quando os contamos, aparecem doze: 1. Não terás outros deuses além de mim (Êx 20,3); 2. Não farás para ti ídolos, nem figura alguma (v. 4); 3. Não te prostrarás diante deles, nem lhes prestarás culto (v. 5); 4. Não pronunciarás o nome de Deus em vão (v. 7); 5. Lembra-te de santificar o dia do sábado (v. 8); 6. Honra teu pai e tua mãe (v. 12); 7. Não matarás (v. 13); 8. Não cometerás adultério (v. 14); 9. Não furtarás (v. 15); 10. Não levantarás falso testemunho contra o próximo (v. 16); 11. Não cobiçarás a casa de teu próximo (v. 17a); 12. Não cobiçarás a mulher de teu próximo (v.17b).

 Catecismo – A partir do século XVI, quando começaram a ser divulgados os catecismos populares, viu-se a necessidade de fazer as pessoas memorizarem os dez mandamentos como exame de consciência para a confissão e como incentivo para a vida espiritual. A Igreja, pois, resolveu elaborar um novo Decálogo para o catecismo, melhorando-o com aquilo que Cristo tinha superado do Antigo Testamento, da mesma forma que tinham sido supressos da vida cristã os sacrifícios de animais do Antigo

 Nova lista – Na nova lista suprimiu-se do primeiro mandamento o “não terás outros deuses...” e foi formulado de modo mais positivo e mais perfeito: “Amar a Deus sobre todas as coisas”. O segundo, o das imagens, foi eliminado, pois seu significado era o mesmo que o do anterior: não cair no culto de coisas que substituem a Deus. Seu lugar foi ocupado pelo mandamento que seguia, o de não tomar o nome de Deus em vão. Do terceiro, santificar um dia da semana em memória do Senhor, só foi modificado o dia. Em vez do sábado impôs-se o domingo, por causa da ressurreição de Cristo. O sexto proibia o adultério, ou seja, tomar uma mulher casada. Mas não estava proibido unir-se a qualquer mulher solteira. A Igreja o converteu em proibição mais profunda e exigente de “não fornicar”, ou seja, proibiu a relação com qualquer mulher que não fosse sua própria esposa. O sétimo, “não roubarás”, que na linguagem bíblica referia-se ao seqüestro de uma pessoa, converteu-se no mais genérico de “não furtar”, que incluía todo tipo de propriedade. O oitavo aludia exclusivamente a não levantar falso testemunho nos julgamentos. Por isso se lhe acrescentou “nem mentir”, para adaptá-lo a qualquer outra circunstância da vida. Finalmente, o décimo, que ordenava não desejar a mulher nem aos demais pertences do próximo, foi desdobrado em dois: o nono, referido em primeiro lugar e somente à mulher e o décimo sobre os demais bens do homem.

 QUER SABER MAIS? – Se você gostou do assunto e quer saber mais, podemos lhe oferecer um texto “Os doze Mandamentos” (10 páginas) escrito pelo teólogo “Ariel Álvarez Valdés”. Solicite pelo E-mail.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Deus pode pedir um crime como culto?

 


 A primeira leitura das missas deste domingo apresenta uma das histórias mais corajosas da Bíblia: aquela em que Deus pede a Abraão que mate seu filho Isaac e ofereça-o a ele como um sacrifício.

 O texto – De acordo com Gênesis (22,1-19), uma noite Deus apareceu a Abraão e, para testá-lo, ele disse: “Toma teu filho único, Isaac, a quem tanto amas, dirige-te à terra de Moriá e oferece-o ali em holocausto”. (Holocausto: sacrificá-lo cortando-o e queimando-o totalmente).

 

Obediente – Sem dizer uma palavra, Abraão levantou-se no início da manhã e foi para a região que Deus indicou. Ao chegar no lugar, Abraão construiu um altar, amarrou e colocou no altar seu filho Isaac. Mas quando ele levantou a mão com a faca para sacrificá-lo, um anjo do céu gritou: "Abraão, Abraão, não machuca o filho. Agora eu sei que você é respeitoso com Deus e que não me negou seu único filho ". Olhando para cima, Abraão viu um carneiro enrolado por chifres em um mato. Ele tomou e sacrificou em vez de seu filho, e ambos voltaram para casa.

 

Escândalo – Muitos cristãos, ao ler este capítulo da Bíblia, não podem deixar de se sentir escandalizados. Alguns até se rebelam contra Deus. Como ele poderia pedir a Abraão, um pobre velho com uma esposa estéril, para matar o único filho? Apenas para provar sua fidelidade? Um crime pode ser um dever sagrado para Deus?

 

A Exegese – Esta primeira leitura faz parte de um bloco de textos a que se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (Gn 12-36). Esses capítulos tomam mitos, lendas, e antigas histórias sobre os clãs nômades que circularam pela palestina e apresentam aos israelitas como modelo de vida e fé.

 

Origem – O relato do sacrifício de Isaac (Gn 22) é uma “lenda cultual” (culto a um deus). Nasceu, provavelmente, num santuário do sul do país, muito antes de os patriarcas bíblicos se terem instalado na região. A lenda primitiva contava como num lugar sagrado, o deus aí adorado tinha salvo uma criança destinada a ser oferecida em sacrifício (no mundo dos cananeus, os sacrifícios humanos eram relativamente frequentes). A partir daí, nesse lugar, os sacrifícios de crianças tinham sido substituídos por sacrifícios de animais. Foi essa a primeira etapa da tradição que nos é hoje proposta.

 

Abraão – Numa segunda fase, esta história primitiva foi aplicada à figura de Abraão, quando o clã de Abraão se instalou na região. O pai cananeu da primitiva história, que levava o filho para ser oferecido em sacrifício, foi identificado com o patriarca Abraão. A tradição acabou por englobar um clã ligado ao de Abraão, o clã de Isaac. Isaac tornou-se, assim, o filho destinado ao sacrifício de que falava a velha lenda pré-israelita.

 

Lenda virou Catequese – Numa terceira fase, os teólogos elohistas (séc. VIII a.C.) pegaram a antiga lenda cultual e puseram-na ao serviço da sua catequese. Na reflexão dos catequistas de Israel, a antiga lenda tornou-se uma catequese sobre uma “prova” em que o justo Abraão manifestou a sua obediência radical e a sua confiança em Elohim.

 

Elohistas e Yahistas – A tradição elohista é uma das fontes de redação do livro do Gênesis. É denominada elohista porque denomina o seu Deus de Elohim. A outra fonte é a yahvista, que denomina o Deus de Yahvé. Por esta razão que aparecem duas descrições de criação do mundo no livro do Gênesis: a primeira (Yahista), Deus cria o mundo em sete dias, começando pela luz e terminando pelo homem; na segunda (Elohista) Deus cria o homem do barro e lhe dá a vida com um sopro.

 

No Gênesis – Por fim, um redator pós-elohista acrescentou ao texto outros elementos de caráter teológico. Foi, certamente, ele que ligou a lenda do sacrifício de Isaac com o monte santo dos sacrifícios do Templo de Jerusalém; foi ele, também, que acrescentou à história a ideia de que o comportamento de Abraão para com Deus mereceu uma recompensa e que essa recompensa iria, no futuro, derramar-se sobre todos os descendentes de Abraão.

 

QUER SABER MAIS? – Se você gostou do texto e que saber mais podemos lhe oferecer dois textos escritos por um teólogo católico: “Por que Deus ordenou que Abraão matar seu filho?” (5 páginas) e “O mundo foi criado duas vezes?” (5 páginas). Solicite por E-mail.

 

domingo, 18 de fevereiro de 2024

casa de Jesus

 


Na última semana, descrevemos a cidade onde Jesus morou, durante a sua pregação. Por ter morado na cidade de Cafarnaum, entre o final do ano 27 e abril do ano 30 d.C., esta cidade ficou conhecida como “A cidade de Jesus”. Lembramos que Jesus nasceu na cidade de Belém, na Judéia (no ano 7 a.C.), foi criado em Nazaré (por isso foi chamado de Jesus de Nazaré ou Nazareno e, no ano 27 d.C., com 33 anos de idade, foi morar em Cafarnaum, que se tornou a sede de sua pregação. Jesus morreu crucificado na sexta-feira, 7 de abril do ano 30 (com 36 anos), e ressuscitou no domingo, 9 de abril.

 Pesquisas – Na década de 1970, foram feitas escavações nas ruínas da cidade de Cafarnaum. A primeira constatação foi que a cidade era muito pobre, as paredes das casas eram construídas com grossas pedras de basalto negro, sem polir, postas umas sobre as outras, sem argamassa. Os pisos das casas eram de terra ou estavam cobertos com pequenas pedras lisas. Entre todos aqueles ambientes escavados, apareceu uma estranha habitação. As paredes tinham revestimento interno de argamassa e os pedaços de reboco, que estavam caídos no piso, tinham desenhos geométricos e pinturas florais. O que mais chamou a atenção foram 175 fragmentos das paredes com inscrições (em grego, sírio e aramaico) com as palavras “Senhor”, “Cristo”, “Deus”, “Amém” e “Pedro”.

 Pergunta – O que havia de particular naquela casa de Cafarnaum? Era a única com piso pavimentado e paredes decoradas. Os arqueólogos concluíram que se tratava da casa humilde de um pescador (Pedro), que a havia emprestado para Jesus viver, enquanto se encontrava na cidade. As inscrições nas paredes eram de visitantes cristãos que visitaram Cafarnaum nos primeiros séculos do cristianismo, fazendo da casa local de veneração.

 Pedro – A casa de Simão Pedro estava situada em um dos quarteirões, nas imediações do lago. Em Cafarnaum não existiam casas individuais, mas habitações de famílias ou coletivas: as habitações, construídas em pedra, agrupavam-se ao redor de um único pátio, para várias famílias. As diversas habitações não tinham porta, permanecendo sempre abertas para o pátio. Uma única porta comunicava a rua ao pátio. Ali se amassava e assava o pão, em fornos coletivos; as mulheres moíam o trigo e os artesãos faziam seus trabalhos manuais.

 A casa – O pátio da casa de Pedro tinha aproximadamente 84 m2, totalizando sete habitações. Conforme Marcos (1, 29), na casa moravam Simão (Pedro) e seu irmão André. Devemos considerar que todos tinham mulheres e filhos, além da sogra de Pedro, que podia ter marido e outros membros da família. A primeira vez que Jesus entrou na casa foi para curar a sogra de Pedro, que estava enferma, e os apóstolos “falaram-lhe a respeito dela”. Isso mostra que Jesus não teve a possibilidade de vê-la, pois se encontrava em outra habitação.

 Impostos – Nesta casa, aconteceu o episódio contado em Mateus 17, 24-27: os cobradores de impostos, ao verem Pedro entrar com Jesus na casa, chamaram o apóstolo, dizendo: “O seu Mestre não paga os impostos ao Templo”. Pedro contestou: “Claro que sim”. E entrou silencioso na casa para buscar o dinheiro. Jesus adiantou-se dizendo: “Simão, vai até o lago, lança o anzol e abre a boca do primeiro peixe que pescares. Ali encontrarás uma moeda valendo duas vezes o imposto; pega-a e entrega a eles por mim e por ti”. Por que os cobradores se dirigiram a Pedro para cobrar o imposto? Certamente porque Jesus, como hóspede permanente de Pedro, já era considerado membro da família.

 Teto – Nas casas da cidade não havia cobertura, como nas casas atuais. Devido à raridade de chuvas na região da Galileia, os telhados das casas consistiam em travessões de madeira com um entrelaçado de ramos com folhas e se colocava em cima uma massa de terra e palha. Este sistema de telhado durava um ano e deveria ser reparado antes da estação das chuvas. Para esta manutenção, existia na parte externa da casa uma escada fixa de pedra, que dava acesso ao telhado. Esta descrição permite entender melhor o relato da cura do paralítico, em Mc 2,1-22: os quatro amigos que carregavam o paralítico, ante a impossibilidade de passar pela porta da casa, subiram pela escada externa, removeram a massa de terra e os ramos e abaixaram a maca com o paralítico até Jesus, que estava dentro da casa.

 Recompensa – No final da pregação de Jesus, Pedro pôde ouvir a sua recompensa: “... por ter deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim, dentro de pouco tempo receberás cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras”. E concluiu: “E, no futuro, a vida eterna” (Mc 10, 28-31).

 Quer ler mais? – Se você gostou do assunto e quer receber o texto completo com fotografias e figuras, solicite pelo E-mail abaixo (texto de 21 páginas em espanhol).

sábado, 27 de janeiro de 2024

Um ensinamento novo

 

No evangelho deste domingo, Marcos (1,21-28) descreve a entrada de Jesus em uma sinagoga, em Cafarnaum, pondo-se a ensinar. Em sua narrativa, o evangelista descreve o conflito de Jesus com o rígido sistema religioso judaico e sua severa repreensão ao espírito impuro com o qual se defronta. Na conclusão, fica em destaque o ensinamento novo de Jesus, que vem subjugar os espíritos impuros.

 Descoberta – A primeira parte do Evangelho escrito por Marcos tem como objetivo fundamental levar o leitor a descobrir Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso, os leitores são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar suas palavras e a aderir à sua proposta de salvação/libertação. Este percurso de descoberta do Messias termina em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro: “Tu és o Messias”.

 Encontro libertador – O texto que nos é proposto neste final de semana aparece, exatamente, no princípio dessa caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Já rodeado pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-Se como o Messias-libertador, que está no meio dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.

 Local – O Evangelho situa-nos em Cafarnaum (em hebraico Kfar Nahum, a “aldeia de Naum”), a cidade situada na costa noroeste do Lago Kineret (o Mar da Galileia). De acordo com os Evangelhos Sinópticos, é aí que Jesus se vai instalar durante o tempo do seu ministério na Galileia. Vários dos discípulos – Simão e seu irmão André, Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.

 A cena – É um sábado. A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia do dia. Jesus, recém-chegado à cidade, entra na sinagoga – como qualquer bom judeu – para participar na liturgia sabática. A celebração comunitária começava, normalmente, com a “profissão de fé” (Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras: a primeira, escolhida da Torah (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento) e a segunda, de um dos livros dos Profetas; depois, vinha o comentário às Leituras e as bênçãos.

 Comentarista – É provável que Jesus tivesse sido convidado, nesse dia, para comentar as leituras feitas. Fez as reflexões sobre o texto de uma forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir dos “escribas” (os estudiosos das Escrituras). As pessoas ficaram maravilhadas com as palavras de Jesus, “porque ensinava com autoridade e não como os escribas”. A referência à autoridade das palavras de Jesus pretende sugerir que Ele vem de Deus e traz uma proposta que tem a marca de Deus.

 Libertação – Numa encenação com um singular poder evocador, Marcos põe o “espírito mau” que domina “um homem” presente na sinagoga, a interpelar violentamente Jesus. A ação da cura do homem “com um espírito impuro” constitui “a prova” de que Jesus traz uma proposta de libertação que vem de Deus; pela ação de Jesus, Deus vem ao encontro do homem para salvá-lo de tudo aquilo que o impede de ter vida em plenitude.

 Ensinamento novo – É um ensinamento novo, que liberta e gera esperança e alegria entre todos. É a novidade do anúncio, com a proposta de conversão de vida, abandonando uma religião estéril para aderir a uma prática do amor transformante das relações humanas, no desapego, na fraternidade, na justiça e na paz.

sábado, 6 de janeiro de 2024

Magos: verdades e lendas

 

 

Evangelho – O Evangelho de Mateus (Mt 1,1) cita que Jesus foi visitado por “alguns magos”.  Descreve que eles foram guiados por uma estrela e que entregaram três presentes para o menino Jesus: ouro, incenso e mirra.  Estas são as únicas informações que temos sobre os magos; tudo o que aparece, além disso, são histórias, tradições, lendas, fábulas.  Vamos ver algumas:

 Os três reis magos – No segundo século da era cristã, as comunidades cristãs já diziam que os magos eram reis e eram em número de três. Isto em razão dos presentes recebidos por Jesus: apenas os reis presenteavam com ouro e os três presentes davam a entender que eram três pessoas.  Apareceram também os nomes dos magos: Baltazar (que significa ‘rei da luz’), Melchior (‘protetor de reis’) e Gaspar (‘vencedor de tudo’).  A única evidência histórica que existe nestes nomes é que, na Pérsia (lugar onde havia muitos magos), entre os anos 19 e 65 da era cristã, viveu um príncipe de nome Gundofarr (que apresenta alguma semelhança a Gaspar).

Mais lendas – Passaram-se mais alguns séculos e criaram a descrição física dos magos. Melquior era velho, ponderado, prudente, sisudo, de barba e cabelos longos e grisalhos; Gaspar era jovem, sem barba e louro; Baltazar era negro e totalmente barbado. A ideia da procedência persa dos magos influenciou até as roupas com que aparecem representados: chapéu redondo na cabeça, camisa curta presa por um cinturão, calças estreitas e uma capa por cima. Exatamente como os reis persas se vestiam.

Restos mortais – De acordo com uma tradição medieval, os magos teriam se reencontrado quase 50 anos depois do primeiro Natal, em Sewa, uma cidade da Turquia, aonde viriam a falecer. No ano de 474, os restos mortais dos três magos foram sepultados em Constantinopla e depois transferidos para Milão, na Itália. Em 1164 foram transferidos para a cidade de Colônia, na Alemanha, onde foi erguida a belíssima Catedral dos Reis Magos, que os guarda até hoje.

 A Lenda do Quarto Rei Mago – Uma antiga história conta que existia um quarto rei mago, que se chamava Artabam. Os quatro venderam tudo o que tinham e compraram os presentes. Artabam escolheu, como presentes, pedras preciosas: um rubi, uma esmeralda e diamantes. Quando estava a caminho de Belém, escutou gemidos de um homem – assaltado e largado à beira do caminho. Comovido, colocou-o no seu camelo, o levou a uma pousada próxima, cuidando dele até que se recuperasse. Como pagamento entregou o rubi ao dono da pousada.

 Sozinho – Procurou a trilha dos outros reis magos, mas a estrela já tinha desaparecido do céu. Continuou sozinho seu caminho, pois no fundo do coração, sabia que algum dia iria encontrar seu Rei. A certa altura da caminhada, avistou uma caravana vindo em sua direção e viu que se tratava de um comboio de escravos, que eram levados para a morte. Sentindo compaixão e amor, pegou a esmeralda e os diamantes e comprou os escravos, libertando-os em seguida.  Quando todos já haviam partido, Artabam ficou sozinho.

 Encontro – O Sol se pôs e a escuridão tomou conta do deserto. Não tinha mais presentes para oferecer, não havia mais a estrela-guia, tinha perdido o contato com seus três amigos. Nunca desistiu de encontrar o seu Rei.  Um dia, passando próximo à Jerusalém, encontrou três homens crucificados.  Um deles lhe perguntou o que procurava.  Artabam respondeu que há mais de 30 anos buscava o Rei dos Judeus.  O homem lhe disse: “Pois acaba de encontrar!”.