sábado, 29 de julho de 2023

O tesouro escondido nas Escrituras

 

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 13,44-52), terminamos a leitura do capítulo treze de Mateus, com as últimas três parábolas do Reino – o tesouro escondido, a pérola preciosa e a rede lançada ao mar. Os evangelistas usam as parábolas de Jesus, que circulavam como tradição das comunidades primitivas, adaptando-as e acrescentando explicações, para o entendimento de suas comunidades.

 Três Parábolas – As duas primeiras parábolas, a do tesouro encontrado no campo e a da perola de grande valor, revelam a supremacia absoluta do Reino dos Céus em relação a qualquer riqueza terrena. A descoberta do imenso valor do Reino, revelado por Jesus, gera tal alegria que a pessoa abre mão de tudo para aderir e participar deste Reino. A terceira parábola tem certa semelhança com a parábola do joio e do trigo. Contudo, o seu núcleo é o julgamento escatológico, no fim dos tempos, com a separação entre os maus e os justos.

 Tesouro – O contexto histórico, do tesouro achado, é do Oriente Médio Antigo – palco de tantas invasões e guerras. Era prática comum enterrar os valores diante da ameaça de uma invasão ou guerra. Contudo, muitas vezes, o dono morria na violência e o tesouro ficava escondido por muito tempo, até ser achado por acaso. Usando este exemplo, Jesus ensina algo sobre o Reino e sobre a atitude do discípulo diante dele. O Reino de Deus é um valor tão incalculável, que uma pessoa sensata dá tudo para possui-lo.

 Alegria – É importante notar: o texto enfatiza que, "cheio de alegria", ele vende todos os seus bens para poder possuir o valor maior, que é o Reino. A vivência dos valores do Reino, do seguimento de Jesus, deve ser uma alegria e não um peso. Sem dúvida é exigente, pois meias-medidas não servem (ele vende tudo o que tem), mas o resultado é uma alegria enorme. Não a alegria falsa, mas uma alegria que brota da profundeza do nosso ser, pois descobrimos a única coisa que não passa e que dá sentido a toda a nossa vida – o Reino de Deus.

 Justiça de Deus – Mais uma vez, como na parábola do campo de trigo e joio, a última parábola ensina que o Reino, que subsiste na Igreja, congrega santos e pecadores (os bons e maus peixes). A separação final deve ser deixada para a justiça de Deus, enquanto, na vivência diária, devemos mostrar paciência e tolerância, mas sem indiferença ou comodismo.

 O último versículo – "Assim, pois, todo o mestre da Lei que se torna discípulo do Reino dos Céus é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas". Este versículo talvez indique que o autor do Evangelho de Mateus era um escriba ou doutor da Lei, convertido ao discipulado de Jesus. Ele está bem enraizado nas "coisas antigas" – ou seja, no Antigo Testamento, mas está aberto às coisas novas, ou seja, a nova interpretação da Lei, que Jesus trouxe. Assim, nos ensina algo valioso para o mundo de hoje, tão inconstante e sem raízes de um lado e com a tentação de fechamento no fundamentalismo e intolerância, do outro. Nem tudo que é antigo é ultrapassado e nem tudo que é novidade é bom. Igualmente, nem tudo que é antigo tem que ser preservado e nem toda a novidade deve ser rejeitada. É importante ter critérios, para que não percamos os valores, nem da sabedoria antiga, nem da busca de atualização para os dias de hoje.

Por que Jesus ensinava por parábolas?


Nos três domingos de julho os Evangelhos das missas apresentam-nos as sete “Parábolas do Reino”, contidas no capítulo 13 do Evangelho de Mateus.

Sete parábolas – Dessas parábolas, três procedem da tradição sinótica (o semeador, o grão de mostarda, o fermento), ou seja, também estão nos Evangelhos de Marcos e Lucas; as outras quatro (o trigo e o joio, o tesouro escondido, a pérola preciosa, a rede) não se encontram nem em Marcos, nem em Lucas. Provavelmente, são originárias da antiga fonte dos “ditos” de Jesus (conhecido como “Evangelho Q”), que Mateus usou abundantemente na composição do seu Evangelho.

Interpretação – A preocupação do evangelista Mateus é sempre a vida da sua comunidade. Nestas sete parábolas e na interpretação que as acompanha, percebe-se a preocupação de um pastor que procura exortar, animar, ensinar e fortalecer a fé desses crentes a quem o Evangelho se destina.

Nas missas – No domingo passado vimos a parábola do “semeador e da semente” (Mt 13,1-23); neste domingo se apresentam as parábolas “do joio e do trigo, grão de mostarda e do fermento” (Mt 13, 24-43) e no próximo domingo leremos as parábolas do tesouro, da pérola e da rede com peixes (Mt 13, 44-52).

O porquê das parábolas – Os próprios discípulos perguntaram a Jesus: “Por que lhes falas em parábolas?”. Porque a linguagem parabólica é uma linguagem rica, expressiva, questionante; porque a “parábola” é uma excelente arma de controvérsia, muito útil em contextos polêmicos; porque a “parábola” faz as pessoas pensar e incita-as à procura da verdade. Por tudo isto, as “parábolas” são uma linguagem privilegiada para apresentar o Reino, para incitar as pessoas a descobrir o Reino e para as levar a aderir ao Reino.

O que é? – A “parábola” é uma imagem ou comparação, através da qual se ilustra uma determinada mensagem ou ensinamento. A linguagem parabólica não foi inventada por Jesus. É uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio Oriente: o estilo oriental gosta mais de falar e de instruir através de imagens, de comparações e de alegorias, do que através dos discursos lógicos, frios e racionais, típicos da civilização ocidental.

Vantagens – A linguagem parabólica tem várias vantagens em relação a um discurso mais lógico e impositivo. Em primeiro lugar, porque a imagem ou comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito mais rica em força de comunicação e em poder de evocação, do que a simples exposição teórica: é mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, mexe mais com os ouvintes.

Mais vantagens – Em segundo lugar, porque é uma excelente arma de controvérsia: a linguagem figurada permite levar o interlocutor a admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. Em terceiro lugar, porque é um verdadeiro método pedagógico, que ensina as pessoas a refletir, a medir os prós e os contras, a encontrar soluções para os dilemas que a vida põe: espicaça a curiosidade, incita à busca, convida a descobrir a verdade.

sábado, 15 de julho de 2023

Jesus e as parábolas

  

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 13,1-23), Jesus conta a parábola do semeador: quando semeava, algumas sementes caíram no caminho (foram comidas pelas aves), outras caíram nas pedras (se queimaram), outras entre os espinhos (foram sufocadas) e outras caíram em terra boa (e deram fruto). O que Jesus quer dizer com esta história?

 Liturgia – Neste e nos próximos dois domingos, os Evangelhos das missas serão sobre as parábolas de Jesus (capítulo 13 de Mateus). Mateus apresenta-nos sete parábolas, através das quais, Jesus revela aos discípulos a realidade do “Reino”: são as “parábolas do Reino”. Dessas, três estão também nos Evangelhos de Lucas e Marcos (sinóticos: o semeador, o grão de mostarda, o fermento); as outras quatro (o trigo e o joio, o tesouro escondido, a pérola preciosa, a rede) são exclusivas de Mateus.

 O que é uma parábola? – A “parábola” é uma imagem ou comparação, por meio da qual se ilustra uma determinada mensagem ou ensinamento. O exegeta C.H. Dodd deu a seguinte definição: "Uma metáfora tirada da vida diária ou da natureza, que chama a atenção do ouvinte pelas suas imagens vivas ou estranhas, e que deixa-o com dúvida suficiente sobre o seu sentido exato, para que seja estimulado a refletir por si mesmo."

 Linguagem – Falar em parábolas não foi invenção de Jesus. É uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio Oriente: o homem oriental gosta mais de falar e de ensinar através de imagens, de comparações e de alegorias, do que através dos discursos lógicos, frios e racionais, típicos da civilização ocidental.

 Vantagens – Falar em parábolas tem várias vantagens em relação a um discurso mais lógico. Em primeiro lugar, porque a comparação da linguagem parabólica é muito mais rica em comunicação do que a exposição teórica: é mais profunda, mais carregada de sentido e, por isso, mexe mais com os ouvintes. Em segundo lugar, porque é uma excelente arma de controvérsia: a linguagem figurada permite levar o ouvinte a admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. Em terceiro lugar, porque é um verdadeiro método pedagógico, que ensina a refletir, a medir os prós e os contras, a encontrar soluções para os dilemas que a vida põe: estimula a curiosidade, incita à busca, convida a descobrir a verdade.

 Esta parábola – A parábola deste Evangelho usa imagens conhecidas da Palestina rural: a semeadura. Para entender as comparações, é bom lembrar que, na Palestina Antiga, jogava-se a semente antes de arar a terra. Por isso, alguma semente caía no caminho; outra parte seria logo queimada pelo sol terrível do país; outra parte comida pelas aves, outra parte perdida, porque a terra era rala e cheia de ervas daninhas. Mas uma parte iria cair em terra fértil que dava frutos, conforme a sua possibilidade.

 Imagens – Podemos supor que o semeador era Deus, Jesus, ou um emissário deles; a semente seria a Palavra de Deus e os tipos diferentes de solo, as respostas diferentes dos ouvintes. Alguns deixam o fascínio do mal, nas suas diversas formas, roubar a semente; outros acolhem a Palavra, mas de uma maneira superficial e não demora muito para que se torne infrutífera nas suas vidas. Outros aceitam a revelação divina, mas a colocam em segundo plano, enquanto correm atrás das riquezas de um mundo consumista, relegando, assim, Deus e o seu projeto. Estes fazem com que a religião se torne algo de fachada, que em nada ajuda o Reino a crescer.

 Esperança – A finalidade da história é dar esperança. Embora haja muitos fracassos, em última instância o trabalho do semeador dá certo: sempre há pessoas que recebem com entusiasmo a Palavra e suas vidas, baseadas na fé viva, dão muitos frutos. Não é necessário que todos deem frutos iguais, mas que todos deem conforme as suas possibilidades (cem, sessenta e trinta por um).

 Refletir – No final, a parábola faz o ouvinte refletir sobre si mesmo. Transpondo-a para os dias atuais, cabe-nos perguntar: Depois de dois mil anos de semeadura cristã (e quinhentos anos das Igrejas no Brasil), será que o solo (nós cristãos) está dando os frutos de uma sociedade justa? Que tipo de solo estamos sendo? O semeador é Deus, a semente é boa; mas que tipo de solo sou eu, somos nós? "Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça!"

sábado, 1 de julho de 2023

A disputa entre São Pedro e São Paulo

 

Após a Paixão e morte de Cristo (abril do ano 30), os apóstolos passaram a pregar o Evangelho em toda a Palestina e Império Romano. O principal missionário nesta pregação foi Paulo, que embora não fosse apóstolo, empreendeu várias viagens missionárias, divulgando o cristianismo. Todo esse trabalho de formação das primeiras comunidades cristãs está descrito no livro “Atos dos Apóstolos”.

 

Dois grupos – Durante a evangelização, Paulo se deparava com dois grupos muito distintos: os pagãos (pessoas ligadas à tradição greco-romana) e os judeus (chamados de judaizantes, cristãos de origem judaica, que conservavam as práticas tradicionais do judaísmo). Na cidade de Antioquia, os dois grupos não se entenderam, criando o primeiro conflito para a Igreja primitiva.

 

O conflito – Os cristãos provenientes do judaísmo continuavam praticando a circuncisão e observando as prescrições da Lei (Torah, formada pelos cinco primeiros livros do Antigo Testamento – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), enquanto a pregação de Paulo não obrigava os pagãos convertidos a esses costumes judaicos. Na comunidade cristã da Antioquia, alguns fariseus convertidos ao cristianismo começaram a ensinar que, também os pagãos, para se salvarem, deveriam primeiro ser “judaizados” (circuncidados) e depois cristianizados.

 

Questões – O problema era claro: os costumes judaicos pertencem à essência da mensagem cristã? Deve-se impor, aos crentes de origem pagã, a prática da Lei de Moisés? A salvação vem através da circuncisão e da observância da Torah judaica ou única e exclusivamente por Cristo? Jesus Cristo é o único Senhor e Salvador ou seria preciso outras coisas além d’Ele para chegar a Deus e para receber d’Ele a graça da salvação?

 

A solução – A comunidade cristã de Antioquia, onde a questão se impunha com mais vigor, não tinha certeza sobre qual caminho seguir. Paulo e Barnabé pregavam que Cristo basta, mas os cristãos de origem judaica, que ainda conservavam as práticas tradicionais do judaísmo, defendiam que os ritos prescritos pela “Torah” também eram necessários para a salvação. Decidiu-se, então, enviar uma delegação a Jerusalém, para consultar os Apóstolos e os anciãos sobre a questão.

 

Concílio – No ano 49 realiza-se, então, o Concílio de Jerusalém (1º Concílio da Igreja), para discutir os rumos da evangelização. Participaram deste Concílio Paulo, Barnabé, Tito, Tiago, Simão Pedro, os apóstolos e presbíteros. De um lado Paulo defendia a evangelização dos não-judeus sem a “judaização” e de outro Pedro defendia a preservação de tradições judaicas. 

 

Conclusão – No final do Concílio, Pedro reconhece a igualdade fundamental de todos (judeus e pagãos) diante da proposta de salvação e que a Lei (Torah) era um jugo que não deveria ser imposto aos pagãos, uma vez que é “pela graça do Senhor Jesus” que se chega à salvação (At 15,7-12).

 

Universal – A Boa Nova de Jesus é, portanto, uma proposta que é dirigida a todos os homens, de todas as raças e nações; não se trata de uma proposta fechada, exclusivista, destinada a um grupo de eleitos, mas de uma proposta universal, que se destina a todos os homens, sem exceção. O que é decisivo não é ter nascido neste ou naquele ambiente, mas é a capacidade de se deixar desafiar pela proposta de Jesus, de acolhê-la com simplicidade, alegria e entusiasmo.