segunda-feira, 25 de junho de 2018

São João Batista e Herodes




Neste domingo, 24 de junho, comemoramos o nascimento de João Batista. Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia é o confronto entre João Batista (o precursor de Cristo) e Herodes Antipas, o filho de Herodes Magno (aquele que aparece no nascimento; recebe os magos e manda assassinar as crianças de Belém).  Vamos detalhar os fatos, usando os textos do Evangelho de Marcos (Mc 6, 17s) e as citações do historiador Flávio Josefo, no livro Antiguidades Judaicas (XVIII, 5, 2).

Herodes Antipas – Foi o filho caçula de Herodes (o Grande) e da samaritana Maltace, uma das dez esposas de seu pai; nasceu por volta do ano 20 a.C. Com a morte de seu pai (4 a.C.), tornou-se tetrarca da Galileia e Pereia (rei de uma das quatro partes do reino) (conforme Lc 3,1).  Frequentou as melhores escolas de seu tempo, alternando o estudo com os divertimentos e a ociosidade de Roma. Casou-se com a filha de Aretas IV, o rei do perigoso povo nabateu (da vizinha Arábia).  Tinha total confiança e simpatia do Imperador Tibério, a ponto de ser transformado em um espião, junto aos magistrados romanos no Oriente.

O escândalo – Por volta do ano 27 d.C., em uma de suas viagens a Roma, como informante do imperador, Herodes Antipas hospedou-se na casa de seu irmão por parte de pai, Herodes Filipe (veja Mc 6,17).  Este levava uma vida discreta em Roma e havia se casado com sua sobrinha, Herodíades.  A ocasião foi favorável tanto para a ambiciosa Herodíades (que não se conformava com aquela vida obscura), como para o leviano Antipas, que se apaixonou por ela.

A infidelidade – Os dois juraram-se fidelidade. O tetrarca abandonou sua esposa e Herodíades se separou do marido Felipe.  Herodíades viajou para a Galileia, levando a sua filha, a bela jovem Salomé, e passou a viver com Herodes Antipas.

A denúncia de João Batista – Todo o povo comentava o escândalo do tetrarca, que violara as leis nacionais e religiosas ao contrair aquelas segundas núpcias, que a Lei de Moisés condenava severamente (Lev 20,21).  Todos falavam, indignados, dessa união, mas secretamente, temiam represálias.  Só o profeta do deserto, respeitado pelo povo e por Antipas (Mc 6,20), João Batista, ousou afrontar o tetrarca, denunciando a união ilegítima com Herodíades (Mc 6,18).  Temendo uma revolta popular, Antipas mandou prender João Batista na solitária e majestosa fortaleza de Maqueronte. Herodíades queria silenciar para sempre, com a morte, o austero denunciante.

O Martírio – No dia do aniversário de Herodes, foi oferecido um banquete aos grandes da corte.  Salomé (filha de Herodíades) dançou e agradou a todos.  O rei, encantado, disse à moça: “Pede o que quiseres e eu te darei, ainda que seja a metade de meu reino”.  Em dúvida, a moça perguntou a sua mãe: “O que hei de pedir? ”. Ela respondeu: “A cabeça de João Batista”.  Salomé pediu ao rei: ”Quero que me dês num prato a cabeça de João Batista”.  Antipas, mesmo contrariado, mandou degolar João, no cárcere, e entregou a sua cabeça num prato para Salomé (veja Mc 6,21-28).

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Você sabe o que é “ERUB”?



Nos Evangelhos das missas dos dois últimos domingos, o tema principal foi a discussão entre Jesus e os judeus sobre o sábado judaico.

Trigo – No dia 3/6 Jesus estava passando pelas plantações de trigo e os discípulos começaram a abrir caminho, arrancando espigas. Os fariseus disseram então a Jesus: “Olha! Por que eles fazem no dia de sábado o que não é permitido?” (Mc 2, 23-28).

Expulsando demônios – No domingo passado (10/6), Jesus voltou para a casa de Pedro (num sábado) e os escribas, vindos de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Beelzebu e expulsava os demônios pelo poder do chefe dos demônios (Mc 3, 20-25).

Outros episódios – Na passagem em que Jesus foi jantar na casa de Simão (o leproso), em Betânia (num sábado), também vieram fariseus de Jerusalém acusá-lo de comer com pecadores (MT 26, 1-16). Ainda existe a passagem de Jesus na casa do publicano Mateus (apóstolo), em que é acusado de comer com pecadores (Mt 9, 9-17).

Uma questão – Essas passagens levam a uma dúvida: como os judeus conseguiam andar longas distâncias no sábado, se não era permitido? As rigorosas normas judaicas permitiam que se caminhasse apenas dois mil côvados (côvado = 52,5 cm), ou seja, pouco mais de um quilômetro. Como os judeus de Jerusalém conseguiram chegar à Betânia, no sábado, se a distância era de 15 estádios (quase 3 quilômetros)?

ERUB – Os judeus, para amenizar o rigor desta norma do sábado (caminhar até um quilômetro) inventaram o Erub (ou Eruv). Se uma pessoa, por exemplo, colocava na sexta-feira (vigília do sábado) alimentos para duas refeições dentro do limite de um quilômetro, o local dos alimentos era considerado como “residência temporária”, podendo então caminhar outro quilômetro em qualquer direção.

Viagem – Portanto, usando o subterfúgio do Erub para se deslocarem nos três quilômetros entre Jerusalém e Betânia, no sábado, os judeus poderiam ter colocado um ou dois ‘Erubs’ no caminho, andando em várias etapas de até um quilômetro.

Na Lei – É interessante notar que os críticos de Jesus, de burlar a lei sabática, utilizavam um recurso para caminhar até ele que, embora legal, burlava a própria lei, uma vez que a intenção de caminhar até o Mestre para criticá-lo estava longe de ser uma caminhada por estrita necessidade ou urgência pessoal, familiar ou comunitária.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

O pecado contra o Espírito Santo




No Evangelho das missas deste domingo (Mc 3, 20-35), Jesus está em sua casa com os discípulos e uma multidão que queria ouvir sua pregação. Então disse: “Tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e blasfêmias que tiverem proferido; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: será réu de pecado eterno”.

João Paulo II – Para refletir sobre este ensinamento, vamos transcrever o item 46 da Encíclica “Dominum et vivificantem”, escrita por João Paulo II.

Blasfêmia – Por que é que a “blasfêmia” contra o Espírito Santo é imperdoável? Em que sentido se deve entender esta “blasfêmia”? São Tomás de Aquino responde que se trata de um pecado “imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é concedida a remissão dos pecados”.

Vinda do Espírito – Segundo tal exegese, a “blasfêmia” não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa em aceitar a salvação que Deus oferece ao homem mediante o mesmo Espírito Santo, que age em virtude do sacrifício da Cruz. Se o homem rejeita o deixar-se “convencer quanto ao pecado”, que provém do Espírito Santo e tem carácter salvífico, ele rejeita contemporaneamente a “vinda” do Consolador: aquela “vinda” que se efetuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do Sangue de Cristo: o Sangue que “purifica a consciência das obras mortas”.

Recusa – Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem rejeita o Espírito e o Sangue permanece nas “obras mortas”, no pecado. E a “blasfêmia contra o Espírito Santo” consiste exatamente na recusa radical de aceitar esta remissão, de que Ele é o dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira, por Ele operada na consciência.

Recusa radical – Se Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, é porque esta “não-remissão” está ligada, como à sua causa, à “não-penitência”, isto é, à recusa radical a converter-se. Isto equivale a uma recusa radical de ir até às fontes da Redenção; estas, porém, permanecem “sempre” abertas na economia da salvação, na qual se realiza a missão do Espírito Santo. Este tem o poder infinito de haurir destas fontes: “receberá do que é meu”, disse Jesus. Deste modo, Ele completa nas almas humanas a obra da Redenção, operada por Cristo, distribuindo os seus frutos.

Recusa a redenção – Ora a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica o seu pretenso “direito” de perseverar no mal — em qualquer pecado — e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida. É uma situação de ruína espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou e abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências e da remissão dos pecados.

sábado, 2 de junho de 2018

Jesus e o Sábado



 O texto do Evangelho das missas deste domingo (Mc 2, 23-3,6) é composto por dois episódios que colocam Jesus em confronto com a instituição do sábado judaico: os discípulos colhendo espigas para comer e a cura de um homem com uma mão atrofiada.

Sábado – Os judeus cumpriam o que foi determinado no Livro do Êxodo: o Senhor pediu aos filhos de Israel que observassem o sábado. Disse-lhes: “Durante seis dias, farás o teu trabalho, mas o sétimo dia é um sábado, um dia de santo repouso para o Senhor teu Deus” (Ex 20,9). Ele advertiu-os: “descansarás tu, o teu servo, a tua serva, os teus bois e o teu jumento” (Ex 23,12). Desta forma, todas as atividades do sábado eram voltadas a Deus, não como uma prova, uma escolha entre a vida e a morte, entre
a justiça e o pecado, como os outros preceitos pelos quais o homem poderia viver ou morrer;  foi dado ao povo tendo em vista o repouso – não só dos homens, mas também dos animais

Culto judeu – Respeitando a ordem de Deus, o culto judeu acontecia todos os sábados, na sinagoga. Começava com o canto de um salmo, seguida da Profissão de Fé Judaica (Shema Israel = ouça Israel) e da prece das dezoito Bênçãos. Em seguida aconteciam duas leituras: a primeira, de um dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento e, uma segunda, de um dos livros dos Profetas. Em seguida, havia uma homilia sobre as leituras, a benção do presidente da assembléia e a benção sacerdotal (Nm 6,24-27). A primeira leitura era prescrita, a segunda à escolha do leitor. Qualquer judeu adulto podia tomar a palavra, mas as autoridades da sinagoga normalmente confiavam esta incumbência aos que eram considerados versados nas escrituras.

Aquele Culto – O Evangelho de Lucas (Lc 4, 14s) fala a respeito da participação de Jesus nesse culto semanal, fazendo a segunda leitura, escolhida do livro do profeta Isaías (61,1-2 e Is 58,6). Naquele sábado, Jesus faz, portanto, uma atualização da profecia de Isaías, apresentando-se como o profeta que Deus, afirmando: “Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”.

Domingo cristão – Para os judeus, o sábado era a celebração do dia da criação terminada, o sétimo e último dia; era a festa e o repouso do homem criado à imagem de Deus e constituído seu colaborador pelas suas obras. Era o coroamento dos dias úteis que se encerravam pelo repouso, pelo louvor, pela ação de graças. O domingo, para os cristãos, é a celebração da ressurreição de Cristo; um novo tempo inaugurado, a celebração da nova criação, a dos filhos e não mais dos servos. Por isso o domingo já não é o sétimo dia, o dia do repouso do trabalho deste mundo, mas o primeiro, o início de uma nova semana, o princípio da vida eterna, que é a dos filhos de Deus, dos que vivem a vida eterna n'Aquele que, ressuscitado dos mortos, vive doravante “para Deus” (Rm 6,10).  Na medida em que os fiéis participam deste mistério, têm já em si a vida, a vida eterna, a vida filial e bem-aventurada; mas esta vida está escondida com Cristo em Deus e espera a manifestação dos filhos de Deus.