sábado, 29 de junho de 2013

“Quo vadis, Domine?”


Neste final de semana, a Liturgia celebra a Festa de São Pedro e São Paulo e o Evangelho de domingo apresenta um diálogo entre Pedro e Jesus, quando este entrega as “chaves do céu” àquele que se tornaria o primeiro papa. Embora não apareçam no texto sagrado, as palavras latinas do título acima (Quo vadis, Domine?) têm uma relação direta com o martírio de São Pedro, certamente uma das mais emocionantes histórias do cristianismo. 

Atos de Pedro – Toda a história é narrada no livro “Atos de Pedro”, um dos mais antigos livros apócrifos do Novo Testamento. Conhecido por sua descrição de uma competição de milagres entre São Pedro e Simão Mago, também é o primeiro registro da tradição, de que São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo. O texto foi escrito originalmente em grego, durante o século II d.C., provavelmente na Ásia Menor. 

O texto – De acordo com os “Atos de Pedro”, no ano de 64 d.C., o imperador Nero começou um perseguição contra os cristãos. Temendo que São Pedro caísse nas garras do imperador, os primeiros cristãos o aconselhavam a sair de Roma para se proteger. Pedro ficou indeciso: ficar e correr o risco de desaparecer junto com a Igreja nascente ou fugir para a Galileia ou Tiberíades e proclamar, bem longe de Roma, as verdades de Cristo?  

Fugir de Roma – Pedro optou por sair de Roma. Nas primeiras horas da madrugada, disfarçados e envoltos pelas sombras, Pedro e Nazário, servo fiel, tomaram o rumo da Via Appia (principal estrada de acesso a Roma), em direção perdida. E andaram a passo rápido, ainda que o bastão do velho apóstolo tendesse a escorregar sobre as pedras polidas e entrelaçadas da via, assustando-se por qualquer ruído, temerosos ainda mais do silêncio opressivo. 

Visão – Pela manhã, ao cruzar a Porta Latina da cidade, Pedro enxergou uma luz muito forte, vindo em sua direção. Quando a luz se aproximou, ele reconheceu Jesus Cristo, carregando uma cruz. Diante de Cristo, Pedro deixa cair o bastão, se ajoelha, levanta os braços e diz: “Quo vadis, Domini?” (Aonde vais, Senhor?). E Cristo lhe responde: ”Romam vado iterum crucifigi” (Vou a Roma para ser crucificado novamente).  

Volta a Roma – Pedro compreendeu, então, que seu lugar era em Roma, entre seus cristãos perseguidos, a exemplo de Cristo, o Bom Pastor, que dera a vida pelas ovelhas de seu rebanho. Envergonhado de sua atitude, Pedro voltou para Roma, para continuar o seu ministério e, como descreve os “Atos de Pedro”, acabou sendo preso e crucificado pelo imperador Nero, porém, de cabeça para baixo, em sinal de humildade. 

Quo Vadis – No mundo atual, num ambiente de competição, incerteza e inovação contínua, a expressão “Quo Vadis” ganhou o sentido de “Para onde ir”. Também acabou se tornando o título do famoso romance do polonês Henryk Sienkiewicz (1896), que deu origem ao belíssimo filme “Quo vadis”, seguido de outros dois filmes homônimos. 

Bento XVI – Recentemente, na renúncia do Papa Bento XVI, a expressão “Quo Vadis” foi relembrada, por causa da semelhança dos fatos ocorridos com Pedro e o Papa. Alguns textos na imprensa imaginavam a cena de Bento XVI, deixando Roma rumo a Castel Gandolfo, avistando Jesus e, desta vez, o Mestre perguntando: “Quo vadis, domine?”. À indagação, o papa emérito responderia: “Deixo o ofício que o Senhor me confiou, para o bem da Igreja”. Na verdade, essa resposta, em oração, foi realmente dada ao divino fundador da Igreja Católica. 

Túmulo de Pedro – As comemorações de São Pedro, no dia 29 de junho, devem-se não à data de sua morte, mas a descobertas relativamente recentes. A partir da década de 1950, foram feitas escavações na Basílica de São Pedro, realizadas por uma equipe chefiada pela arqueóloga italiana Margherita Guarducci. Ali foi encontrado o túmulo de Pedro e as pesquisa concluíram que a data real do martírio seria 13 de outubro de 64 d.C. A data de 29 de junho, marca o dia do translado dos restos mortais de Pedro para o túmulo. 

Fico Curioso? – Se você gostou do assunto e quer ler mais, podemos lhe oferecer: o texto apócrifo “Atos de Pedro”, o resumo do livro “Quo Vadis” de autoria de Henryk Sienkiewicz e o texto “A lenda sobre São Pedro não se aplica ao caso do papa Bento XVI” de autoria de Edson Luiz Sampel.

sábado, 22 de junho de 2013

Quem sou eu para vós?


O Evangelho das missas deste domingo acontece na fase final da etapa da Galiléia, em julho do ano 29 (lembrar que Jesus foi crucificado no dia 7 de abril do ano 30). Jesus orava sozinho, quando perguntou aos discípulos: “Quem dizem as multidões que Eu sou?” Eles responderam: “Uns, João Batista; outros, que és Elias; e outros, que és um dos antigos profetas que ressuscitou”. Disse-lhes Jesus: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” Pedro tomou a palavra e respondeu: “És o Messias de Deus”. 

Testemunhas – Jesus passou algum tempo apresentando o seu programa e levando a Boa Nova aos pobres, aos marginalizados, aos oprimidos (Lc 4,16-21). À volta d’Ele, formou-se um grupo de “testemunhas”, que apreciaram a sua atuação e que se juntaram a esse sonho de criar um mundo novo, de justiça, de liberdade e de paz para todos. Agora, antes de começar a etapa decisiva da sua caminhada nesta terra (o “caminho” para Jerusalém, onde Jesus vai concretizar a sua entrega de amor), os discípulos são convidados a tirar as suas conclusões sobre o que viram, ouviram e testemunharam. Quem é este Jesus, que se prepara para cumprir a etapa final de uma vida de entrega, de dom, de amor partilhado? E os discípulos estarão dispostos a seguir esse mesmo caminho de doação e de entrega da vida ao “Reino”? 

Oração – A cena de hoje começa com a indicação da oração de Jesus. É um dado típico de Lucas que põe sempre Jesus rezando antes de um momento fundamental. A oração é o lugar do reencontro de Jesus com o Pai. Depois de rezar, Jesus tem sempre uma mensagem importante – uma mensagem que vem do Pai – para comunicar aos discípulos. A questão importante que, nesse episódio, Jesus quer comunicar, tem a ver com a questão: “quem é Jesus?” 

Messias – A época de Jesus foi uma época de crise profunda para o Povo de Deus; foi, portanto, uma época em que o sofrimento gerou uma enorme expectativa messiânica. Asfixiado pela dor que a opressão trazia, o Povo de Deus sonhava com a chegada desse libertador anunciado pelos profetas. Esperavam um grande chefe militar que, com a força das armas, iria restaurar o império de David e obrigar os romanos opressores a respeitar aquela nação. Na época apareceram várias figuras que se assumiram como “enviados de Deus”, criaram à sua volta um clima de ebulição, arrastaram atrás de si grupos de discípulos exaltados e acabaram, invariavelmente, chacinados pelas tropas romanas. Jesus é também um destes demagogos, em quem o Povo vê cristalizada a sua ânsia de libertação? 

Messias? – Aparentemente, Jesus não é considerado pelas multidões “o messias”: preferencialmente, o Povo identifica-o com Elias, o profeta que as lendas judaicas consideravam estar junto de Deus e que voltaria a anunciar o grande momento da libertação do Povo de Deus. Talvez a postura de Jesus e a sua mensagem não correspondessem àquilo que se esperava de um rei forte e vencedor. 

Discípulos – Os discípulos (companheiros de “caminho” de Jesus) deviam ter uma perspectiva mais elaborada e amadurecida. De fato, é isso que acontece; por isso, Pedro não tem dúvidas em afirmar: “Tu és o messias de Deus”. Pedro representa aqui a comunidade dos discípulos – essa comunidade que acompanhou Jesus, testemunhou os seus gestos e descobriu a sua ligação com Deus. Dizer que Jesus é o “messias” significa reconhecê-lo como o “enviado” de Deus que havia de traduzir em realidade essas esperanças de libertação que enchiam o coração de todos. 

Libertador – Jesus não discorda da afirmação de Pedro. Ele sabe, no entanto, que os discípulos sonhavam com um “messias” político, poderoso e vitorioso e apressa-se a desfazer possíveis equívocos e a esclarecer as coisas: Ele é o enviado de Deus para libertar os homens; no entanto, não vai realizar essa libertação pelo poder das armas, mas pelo amor e pelo dom da vida. No seu horizonte próximo não está um trono, mas a cruz: é aí, na entrega da vida por amor, que Ele realizará as antigas promessas de salvação feitas por Deus ao seu Povo.

sábado, 15 de junho de 2013

Por que se afirma que Maria Madalena era prostituta?


O Evangelho deste domingo apresenta o encontro de Jesus com a mulher pecadora que, arrependida de suas faltas, procura o perdão banhando os pés de Jesus com perfume e enxugando-os com os próprios cabelos. Durante dois mil anos, os cristãos associaram a imagem dessa mulher, considerada prostituta, com a de Maria Madalena. Por que isso se deu? 

Prostituta? – A ideia que temos de Maria Madalena é de uma mulher charmosa, de longos cabelos, atormentada por seus pecados e que de algum modo representa a imagem penitencial da Igreja. Nos quadros e obras de arte, ela sempre aparece com roupas provocantes, um manto vermelho, cabelos soltos, ajoelhada junto à cruz ou atirada devotamente aos pés de Jesus. Porém, quando vamos procurar no Novo Testamento a existência da pecadora Madalena, nada encontramos. Não encontramos nem um episódio que descreva a imagem da prostituta que conhecemos. De onde teria surgido essa história? 

Madalena – A primeira vez que Maria Madalena aparece é na metade do Evangelho de Lucas. Jesus viajava com seus doze apóstolos e algumas mulheres, que haviam sido curadas de “maus espíritos”; entre elas estava Maria Madalena (Lc 8, 2-3). Maria era o nome mais comum no tempo de Jesus, por isso, quando se nomeava alguma Maria, juntava-se alguma designação: “Maria, esposa de”, ou “Maria, mãe de”, ou “Maria, irmã de”. Neste caso, se diz “Madalena” porque ela havia nascido num povoado chamado “Magdala”, ou seja, Madalena não era um nome, mas um apelido referente ao seu lugar de origem. 

No Evangelho – A segunda vez em que Madalena aparece é no momento da crucificação de Jesus; ela está presente com as “outras” Marias e Salomé. A terceira vez que aparece nos Evangelhos é na retirada de Jesus da cruz, junto com José de Arimateia. A quarta vez é na madrugada do domingo de Páscoa, quando foi visitar o túmulo de Jesus. Maria Madalena é mencionada uma quinta vez, quando, ao sair do sepulcro, tem um fascinante encontro com Cristo ressuscitado.   

Razões – Que razões teriam levado à identificação de Madalena como prostituta? A primeira explicação está no final do capítulo 7 do Evangelho de Lucas, lido neste final de semana. Jesus foi comer na casa de um fariseu chamado Simão. Quando estava na mesa, apareceu uma mulher pecadora, que lavou os pés dele com lágrimas e os enxugou com os próprios cabelos. O dono da casa reconheceu a mulher como prostituta e assustou-se ao ver que Jesus se deixou ser tocado por ela. Na sequência do texto, inicia-se o capítulo 8 de Lucas, que menciona o nome de Madalena (Lc 8,1-3) Os cristãos relacionaram os textos, ligando a imagem da prostituta à de Madalena. 

Outro engano – No Evangelho de Marcos é apresentada a história de que Jesus, na cidade de Betânia, encontrou-se com uma mulher que derramou um frasco de perfume em sua cabeça. Esta mulher, por fazer algo semelhante à pecadora (de Lucas) foi também identificada como Maria Madalena. Assim, as três mulheres (Maria Madalena que seguia Jesus, a pecadora anônima e a mulher de Betânia) passaram a ser uma só pessoa, identificada como Maria Madalena.  

Mais enganos – No Evangelho de João, capítulo 4, Jesus se encontra (junto ao poço de Jacó) com uma promíscua samaritana, que já havia se relacionado com seis maridos. Embora o Evangelho não apresente qualquer identificação desta samaritana, ela também foi nomeada como Maria Madalena. O maior de todos os enganos relaciona-se ao capítulo 8 do Evangelho de João: a mulher surpreendida em adultério, prestes a ser apedrejada pelos judeus, também foi identificada como Maria Madalena. 

A Igreja – Muitos Papas e Santos da Igreja se opuseram a este erro histórico dentro da Igreja, entre eles, Santo Agostinho (século IV) e Santo Ambrósio (século IV). Mas o Papa Gregório Magno, numa célebre homilia pronunciada em 14 de setembro do ano 591, afirmou: “Pensamos que aquela a quem Lucas denomina pecadora e que João chama de Maria, designa essa Maria de quem foram expulsos sete demônios”. Assim, a partir do século VII a Igreja passou a sustentar, unanimemente, que as três mulheres eram uma só. 

Estudos atuais – Atualmente, num estudo mais detalhado, os exegetas, têm repudiado essa identificação, sustentando que são três pessoas distintas: a primeira (Lc 8,1-3) é Maria Madalena, que não tinha uma vida pecadora, mas “os sete demônios” (que se referem a alguma enfermidade); a pecadora pública (Lc 7, 36-50) é uma segunda mulher, que lava os pés de Jesus com lágrimas e enxuga com os cabelos, na tentativa de buscar perdão dos pecados; e a terceira mulher (distinta das duas primeiras) derrama perfume na cabeça de Jesus (Mc 14, 3-9).

sábado, 8 de junho de 2013

COMPAIXÃO


O Evangelho das missas deste domingo (Lc 7,11-17) apresenta a ressurreição do filho de uma viúva. No relato, o evangelista Lucas inspira-se no episódio do filho de uma viúva, em Sarepta (primeira leitura, 1Rs 17,8-24). 

Viagem – Jesus vai para Naim, pequeno vilarejo entre Cafarnaum e a Samaria. É acompanhado de seus discípulos e grande multidão. Às portas da cidade, Jesus e seus discípulos se encontram com outro grupo: “... levavam um morto para enterrar, um filho único, cuja mãe era viúva. Uma grande multidão da cidade a acompanhava”. O paralelo é evidente: os dois grupos caminham em direções opostas; o primeiro segue um homem poderoso em gestos e palavras, o segundo grupo, um morto. 

Compaixão – Até este ponto a descrição da cena e dos personagens é puramente objetiva. De repente somos surpreendidos por uma focalização interna, a menção da compaixão de Jesus: “Ao vê-la, o Senhor encheu-se de compaixão por ela e disse: ‘Não chores!’”. A iniciativa de Jesus é provocada pela sua compaixão. A palavra de Jesus permite entrar no coração das pessoas. É por Jesus que somos informados do sofrimento da mulher: “Não chores”, e da idade do morto: um “jovem”. Não é da morte que Jesus tem compaixão, nem do morto, mas da pessoa que sofre. A ênfase de todo o episódio é posto em Jesus, sobre sua compaixão e sua palavra poderosa. 

Consolação – Nesta passagem não é a morte nem o morto que importam, nem mesmo o retorno à vida, mas que uma mãe já viúva tenha perdido o seu filho único. O retorno à vida não é o objetivo da iniciativa de Jesus, mas a consolação da mãe que chora. A ação de Jesus termina com uma observação: “E Jesus o entregou à sua mãe”. O texto apresenta uma transformação que se dá não somente pelo retorno de um jovem à vida, mas das duas multidões que, primeiramente separadas, são reunidas, num segundo momento, no louvor a Deus. A passagem de Jesus por Naim possibilita um duplo reconhecimento, a saber: da identidade de Jesus (Profeta) e da visita salvífica de Deus. 

João Batista – O milagre relatado neste texto, assim como o dos versículos anteriores, responde à pergunta de João de Baptista a Jesus: “és Tu que hás de vir ou devemos esperar outro?” Jesus oferece a salvação (Lc 7,1-10) e mostra o verdadeiro triunfo da vida (Lc 7,11-17). O mais importante não é o relato em si, mas o sentido que nos transmite. 

Reino – Antes de mais, temos aqui uma revelação de Deus. Diante da atitude de piedade e compaixão de Jesus, neste milagre de ressurreição vemos a exclamação do povo: “Deus visitou o seu povo”. Jesus é “um grande profeta”, não apenas porque transmite a Palavra de Deus e anuncia o reino com palavras, mas, sobretudo porque veio realizar o reino pela ressurreição, oferecendo a sua vida. 

Sinal – Percebemos ainda todo o carácter de sinal, presente no milagre. A ressurreição do filho da viúva testemunha Jesus-que-há-de-vir, cuja vida triunfa plenamente sobre a morte. Significa que, para nós, hoje como então, Deus Se encontra onde há o sentido da piedade, do amor vivificante. Significa ainda que, seguindo Jesus, só podemos também suscitar vida, ter piedade dos que sofrem, oferecer a nossa ajuda, ter uma atitude de oblação. 

Escolha – Das duas, uma: ou fazemos da nossa vida um cortejo de morte, dos sem esperança, que acompanham o cadáver, em atitude de choro, de luto, de desespero; ou fazemos do nosso peregrinar um caminho de esperança, de ressurreição, de transformação do choro e da morte em sentido de vida. Podemos escolher, é certo. Mas se somos seguidores de Cristo e nos deixamos visitar por este grande profeta, não temos alternativa!