sábado, 29 de janeiro de 2022

“Ele não é o filho de José?”

 


Estamos na sequência do episódio que a liturgia de domingo passado nos apresentou. Jesus foi a Nazaré, entrou na sinagoga, foi convidado a ler um trecho dos Profetas e a fazer o respectivo comentário… Leu uma citação de Is 61,1-2 e “atualizou-o”, aplicando o que o profeta dizia, a Si próprio e à sua missão: “cumpriu-se hoje mesmo este trecho da Escritura que acabais de ouvir”. O Evangelho de hoje apresenta a reação dos habitantes de Nazaré à ação e às palavras de Jesus.

 Admiração e Fúria – Não é fácil entender o desfecho da visita de Jesus a Nazaré, logo após o seu batismo. É muito violenta a mudança de atitude dos nazarenos: eles vão da admiração à fúria. Talvez Lucas tenha unido dois acontecimentos numa só história, mas, seja como for, alguns pontos importantes saltam aos olhos.

 Aprovação – Em primeiro lugar "todos aprovavam Jesus, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca". Com certeza esta reação não foi causada pela oratória de Jesus, nem porque soubesse usar "artifícios para seduzir os ouvintes", como fazem tantos pregadores e políticos hoje. Não, foram palavras cheias de encanto porque brotaram da sua intimidade com o Pai, da sua espiritualidade profunda, da sua capacidade de compaixão, da coerência entre a sua fala e a sua vivência.

 Palavra – Aqui há um desafio para todos nós: deixar que sejamos tomados pela Palavra de Deus, de tal maneira que a nossa palavra não seja mais a nossa, mas a manifestação do Espírito que habita em nós. Só assim as nossas palestras e pregações surtirão efeito. Do contrário, por mais eloquente que possa ser a nossa fala, seremos "sinos ruidosos ou címbalos estridentes": poderemos até chamar a atenção, mas não deixaremos frutos!

 Comparando os textos – Este episódio é relatado nos três Evangelhos sinóticos, porém, Lucas muda a frase central de Jesus. Em Marcos Jesus diz que: "Um profeta só não é estimado em sua própria pátria, entre seus parentes e em sua família" (Mc 6,3). Mateus fala: "Um profeta só não é estimado em sua própria pátria e em sua família" (Mt 13,57). Lucas diz: "Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria" (Lc 4,24), sem qualquer referência a uma rejeição por parte da família ou dos parentes.

 Maria em Lucas – Sem dúvida, atrás desta mudança está a crescente veneração por Maria na comunidade de Lucas, bem como a lembrança da liderança dos parentes de Jesus, na Igreja primitiva. Segundo os estudiosos, a Igreja de Jerusalém foi dirigida por membros do clã de Jesus até 135 d.C.: Tiago, "o irmão do Senhor", era o chefe da Igreja-Mãe, considerado uma das "colunas da Igreja", junto com Pedro e João, como nos diz Paulo em Gálatas 2, 9.

 Rejeição – A reação dos vizinhos de Nazaré encontra eco, muitas vezes, nas comunidades de hoje. É o pobre que não acredita no pobre! Jesus é rejeitado por ser considerado o filho de José, um simples carpinteiro de Nazaré. Quantas vezes, hoje, acontece que, em lugar de incentivar as nossas lideranças das bases, os próprios companheiros de comunidade os rejeitam por não serem "doutores", por não saberem "falar bonito" como sabem muito bem os nossos exploradores!!

 Caminhada – Jesus nos dá o exemplo de como enfrentar esses problemas. Ele "continuou o seu caminho" (Lc 4,20) e nos ensinou que apesar das críticas, da não-aceitação, das gozações, o cristão tem que "continuar o seu caminho". Jesus sofreu com isso, mas não se abalou, pois, a sua convicção não se baseava na opinião, aprovação e aceitação dos outros, mas na oração, na interiorização da Palavra. Oxalá todos nós cresçamos neste sentido, seguindo o exemplo do Mestre!

sábado, 22 de janeiro de 2022

A vida oculta de Jesus

  


Os Evangelhos relatam os acontecimentos do nascimento de Jesus (ano 7 a.C.) e os 30 meses de sua pregação (entre os anos 27 de 30). Existe uma lacuna de mais de 30 anos sem qualquer informação. Um único fato é citado por Lucas, que descreve uma visita ao Templo, quando Jesus tinha 12 anos (Lc 2, 41s), e se perdeu em Jerusalém durante a festa da Páscoa, sendo encontrado por Maria e José sentado junto aos mestres do Templo. O que Jesus fez durante esses 30 anos? Por que os Evangelhos guardam silêncio sobre esta etapa de sua vida?

 Lendas – Este inigmático silêncio sobre a juventude de Jesus fez muitas pessoas inventarem histórias incríveis: alguns afirmam que esteve na Inglaterra acompanhado de seu tio-avô, José de Arimatéia, onde aprendeu a religião dos Celtas; outros sustentam que foi até a Índia, onde os grandes Budas lhe ensinaram a ler, curar enfermos e realizar exorcismos; outros afirmam que esteve no Egito, aprendendo os segredos dos Faraós, onde recebeu uma energia misteriosa das pirâmides; existem até os mais ingênuos que pensam que Jesus chegou até a América e conheceu a sabedoria oculta dos índios pele-vermelhas.

 Em Nazaré – Se nos concentrarmos nos Evangelhos, devemos concluir que Jesus não saiu de Nazaré durante todos estes anos. Viveu ali, em seu círculo familiar, amadurecendo, como faziam outros filhos de judeus de seu tempo. Isto é confirmado pelo Evangelho de Marcos, quando relata a primeira vez que Jesus foi à sinagoga, causando admiração entre os galileus: ”Não é ele o carpinteiro, filho de Maria?” A vida de Jesus deve ter se transcorrido de maneira tão normal, que no dia em que se apresentou em público com uma sabedoria fora do comum, as pessoas de Nazaré se surpreenderam. Para aquelas pessoas ele era “o carpinteiro”, “o filho de Maria”.

 O nome – Conforme a tradição judaica, no oitavo dia do nascimento (Gen 17,12), os pais devem indicar o nome do filho. José e Maria puseram o nome de Yehoshúa, que em hebraico é o mesmo que Josué, que significa Deus salva. Na Palestina, esse nome era pronunciado de forma abreviada como Yeshúa. Pelo sotaque da Galiléia, onde vivia a Sagrada Família, o nome era abreviado ainda mais para Yeshú. Por isso, os primeiros cristãos de origem grega traduziram mais tarde como Jesus. O nome Jesus era um dos mais comuns no primeiro século. Nos livros do escritor Flávio Josefo (primeiro século) existe mais de 20 pessoas com o nome “Jesus”. O nome de Jesus foi escolhido por indicação do anjo em Mt 1,21.

 Sabia ler e escrever? – Existem três episódios que mostram Jesus lendo ou escrevendo: na história da mulher adúltera, quando ele escreve na areia (Jo 8,6); quando ele se apresenta na sinagoga de Nazaré e lê um livro do profeta Isaías (Lc 4,17); o terceiro quando os judeus lhe dizem: “Como sabe a escritura sem ter estudado?” (Jo 7,15).

 Carpinteiro – Sabemos que todo pai de família judeu procurava dar a seu filho uma profissão. “O que não ensina um ofício a seu filho, lhe ensina a roubar” diziam os rabinos. Da mesma forma, os pais de Jesus lhe ensinaram a profissão de carpinteiro, transcrito de forma clara por Marcos (Mc 6,3): “Não é ele o carpinteiro?” Mesmo com esta indicação do evangelista, existem muitos estudiosos que têm dúvidas sobre a profissão de Jesus.

 Vida oculta – A vida oculta de Jesus não teve nada de extraordinário nem prodigioso como contam as lendas. Foi numa atmosfera simples e familiar, própria dos povoados da Galiléia, onde Jesus cresceu, amadureceu e descobriu a vida. Este foi o clima que Jesus respirou e assimilou durante 30 anos.

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sábado, 15 de janeiro de 2022

“O Primeiro Sinal”

 

Neste domingo, a liturgia nos apresenta o primeiro milagre de Jesus. João, que provavelmente era um dos convidados nas bodas de Caná, registrou o episódio em seu evangelho (2, 1-12), definindo-o como um “sinal” (2,11): “Jesus (...) manifestou a sua glória”.

 Caná da Galiléia – Caná é um vilarejo citado três vezes no Evangelho de João (2, 1; 4, 26; 21, 2), que distava 8 km de Nazaré. O evangelista faz referência ao fato de que ficava na Província da Galiléia para distingui-la de outra Caná, de Aser, que ficava mais ao norte, a 12 km do sul de Tiro.

 Convidados especiais – Acredita-se que Jesus, sua mãe e alguns discípulos tenham sido convidados por questões de parentesco ou de amizade. Natanael, um dos primeiros discípulos chamados por Jesus (Jo 1, 45-51) era originário de Caná (Jo 21, 2). Além disso, segundo uma tradição cristã do século XII, Sefforis, cidade vizinha de Caná, era o berço de Santa Ana, mãe de Maria Santíssima (Protoevangelho de Tiago).

 Banquete – Nas bodas, realizava-se sempre um banquete, em geral, servido na casa do noivo. Elas duravam, geralmente, uma semana – no caso de primeiras núpcias – mas podiam prolongar-se por duas semanas. Considerando-se o número de participantes, é fácil entender a importância de manter um bom sortimento de vinho nessas circunstâncias: a sua falta no meio da festa poderia provocar duras críticas contra os noivos. Jesus fora convidado e com ele foram seus apóstolos e quem sabe estes levaram outros parentes e amigos, como era costume então. Assim, o número de participantes deve ter ultrapassado em muito o cálculo feito pelos noivos.

 Não têm vinho – Era costume da época que as mulheres ajudassem a servir os convidados. Era, pois, natural, que Maria Santíssima, que se achava entre as mulheres, percebesse imediatamente a falta do vinho no meio da festa. Se esse fato se tornasse público, seria muito humilhante para os noivos. Cuidadosa e atenta, ao se dar conta da situação, Maria se aproxima de Jesus e o avisa sobre o fato desagradável. O contexto não permite concluir se Maria pede um prodígio, mas sem dúvida demonstra que suas palavras são inspiradas por um profundo senso de misericórdia, que parecem mostrar a esperança do milagre. Ela sabe que Jesus pode realizá-lo.

 Resposta enigmática – Jesus responde com uma indagação que aparentemente é uma recusa ao pedido. Fica evidente que ele e a mãe divergem em sua opinião: enquanto Maria preocupa-se com o vinho da festa, que faltou, Jesus pensa na hora culminante de sua missão. No diálogo de Caná, Jesus passa do plano da realidade material para o da realidade espiritual, das quais a primeira é símbolo: ele dará o vinho, sim, mas conferirá um significado profundo a esse dom.

 Entrega total – Mesmo que provavelmente não tenha compreendido exatamente as intenções do Filho, como acontecera no episódio com os doutores do templo, quando Jesus tinha 12 anos (Lc 2, 48-50), Maria transmite sua fé aberta ao incógnito, antes que aconteça a evidência do “sinal”: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5).

 As talhas – Os judeus tinham por costume lavar-se antes de certas cerimônias ou de festas. As grandes talhas eram uma espécie de reservatório, de onde tiravam a água em vasilhas menores para lavar as mãos, os braços ou a cabeça. No casamento de Caná havia seis dessas talhas, com uma capacidade estimada entre 60 e 90 litros cada uma. Além disso, João tem o cuidado de dizer que as talhas foram cheias até em cima, o que indica a quantidade abundante de vinho fornecida por Jesus, como todos os outros dons que concede (Jo 1,16; 4, 13-14; 10, 10).

 Poder manifestado – Com esse primeiro milagre, Jesus manifestou publicamente a sua divindade e depois disso, muitos outros milagres se realizariam com o objetivo de manifestar a sua glória e suscitar a fé Nele. Os milagres de Jesus são os gestos visíveis que nos remetem a uma realidade invisível, porque nos convidam a contemplar em profundidade o mistério do “homem que se chama Jesus” (Jo 9, 11) Tudo o que ocorre com Jesus revela a glória do Verbo que habitou entre nós.

sábado, 1 de janeiro de 2022

OS 7 ERROS DO PRESÉPIO

  

Certamente você já se divertiu com aquele jogo dos 7 erros, em que são apresentadas duas figuras e nós temos que achar as 7 diferenças. Pois bem, hoje nós vamos procurar as 7 diferenças (ou erros) existentes no Presépio, quando comparado com os textos evangélicos.

 MIDRAXE – Inicialmente devemos considerar que os textos evangélicos que narram a infância de Jesus (Mt 1-2 e Lc 1-2) não podem ser considerados relatos históricos, mas uma forma de redação que a tradição judaica a chama de midrachim (ou midraxe). Nela, há ênfase ao maravilhoso, com os personagens comunicando-se com o mundo celeste por meio dos anjos. “A história da infância de Jesus é uma história desta terra, mas o invisível nela se torna continuamente visível de maneira extraordinária; é uma história real, cujos atores, porém, são movidos pelo céu” (D. Estevão Bettencourt).

 PRESÉPIO – O presépio foi criado por São Francisco de Assis, na Itália, em 1223, em uma gruta na cidade de Greccio. São Francisco queria que as pessoas compreendessem melhor o nascimento de Jesus, com isso pediu para seu amigo Giovani preparar o local conforme ele tinha pedido. São Francisco celebrou o Natal do Senhor entre o boi e o jumento, para demonstrar a simplicidade do local que Jesus nasceu.

 1º ERRO – Os Magos não visitaram um recém-nascido – Quando os magos visitaram o Menino Jesus, já havia se passado quase dois anos. Isto é claro em Mt 2,7 (Herodes quis saber a data exata do nascimento de Jesus) e em Mt 2,16 (Herodes mandou matar todos recém-nascidos de Belém com até dois anos). Portanto, os magos não visitaram Jesus na manjedoura, mas uma criança próxima de completar dois anos.

 2º ERRO – Os magos não eram três – O Evangelho de Mateus não cita o número de magos que visitaram Jesus. O número de três deve ter sido adotado em razão dos presentes recebidos por Jesus: ouro incenso e mirra.

 3º ERRO – Os magos não eram reis – Mateus não chama os magos de reis. São chamados de reis, pela dedução de que apenas os reis presenteavam com ouro. O Evangelho também não cita os nomes dos magos: Baltazar (que significa ‘rei da luz’), Melchior (‘protetor de reis’) e Gaspar (‘vencedor de tudo’).

 4º ERRO – A estrela não estava no nascimento – Se a estrela de Belém guiou os magos (Mt 2,1) durante a visita (dois anos após o nascimento) ela não estava no céu na época do nascimento.

 5º ERRO – Jesus não nasceu num celeiro ou estábulo - Quase todos os presépios colocam o menino Jesus em um celeiro, cercado por animais. Isso acontece porque Lc 2,7 diz que “... e o deitou em uma manjedoura”. No entanto, uma manjedoura (calha de alimentação para animais) também podia ser usada em residências. Lucas (2,7) usa o termo grego “KATALUMATI” para o local onde Jesus nasceu. Se procurarmos outra ocasião em que no Evangelho de Lucas o mesmo termo é usado, vamos encontrar apenas mais uma citação: em Lc 22,11, ao descrever o local da Última Ceia. Isto significa que o evangelista usa o mesmo termo (KATALUMATI) para descrever o local onde Jesus nasceu e local da Última Ceia.

 6º ERRO - Maria entrou em Belém em um jumento – A figura de Maria grávida, montando um jumento, é definitivamente um mito comum que a maioria dos cristãos acredita estar na Bíblia. Seria praticamente impossível para uma mulher, nos últimos dias de uma gravidez fazer uma viagem de 180 quilômetros, de Nazaré a Belém, em um jumento.

 7º ERRO – Os animais ao redor de Jesus – Os evangelistas Mateus e Lucas não citam a presença dos diversos animais ao lado da manjedoura.

 

QUER SABER MAIS? – Se você gostou do assunto e quer mais informações, podemos lhe oferecer o texto “Os magos e Jesus” de autoria do teólogo Dom Estevão Bettencourt e o Novo Testamento em grego. Solicite por E-mail que lhe enviaremos os arquivos gratuitamente.