sexta-feira, 26 de junho de 2015

Tu és Pedro ...


Neste domingo a Igreja celebra a festa dos dois grandes apóstolos, Pedro e Paulo.

O Evangelho – A passagem do Evangelho deste domingo é Mateus 16, 13-19, mas o relato original está no Evangelho de Marcos, cap. 8. A estrutura do texto de Mateus é diferente de Marcos, mas o relato tem a mesma finalidade, ou seja, clarificar quem é Jesus e o que significa ser discípulo dele.

Perguntas – A pedagogia do relato é interessante. Primeiro, Jesus faz uma pergunta bastante inocente: "quem dizem os homens que é o Filho do Homem?" Assim, as respostas são inúmeras, pois esta pergunta não compromete – é o famoso "diz que...". Mas a segunda pergunta é contundente: "E vocês, quem dizem que eu sou?" Agora não vem muita resposta, pois quem responde em próprio nome, e não dos outros, se compromete!

Pedro – Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: "Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo". Aparentemente, Pedro acertou. E, realmente, em Mateus, Jesus confirma a verdade do que proclamou! Afirmou que foi por uma revelação do Pai que Pedro fez a sua profissão de fé. Mas, para que entendamos bem o trecho, é necessário que continuemos a leitura pelo menos até versículo 25, pois o assunto é mais complicado do que pode parecer.

Messias – Após afirmar que Pedro tinha falado a verdade, Jesus logo explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo. Muito pelo contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, era ser preso, torturado e assassinado, era dar a vida em favor de muitos.

O Servo de Javé – Jesus confirmou que era o Messias, mas não o Messias que Pedro achava ou queria. Conforme as expectativas do povo, esperava-se um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir e levar os seus seguidores até a Cruz! Por isso Pedro replica com Jesus, pedindo que nada disso acontecesse. E como recompensa ganha uma das frases mais duras da Bíblia: "Afasta-se de mim, satanás, você é uma pedra de tropeço para mim, pois não pensa as coisas de Deus, mas dos homens!" (v.23).

Para seguir Jesus – Pedro, cuja proclamação de fé mereceu ser chamado a pedra fundamental da Igreja (v.18), é agora chamado de satanás e "pedra de tropeço" para Jesus! Pedro tinha os títulos certos, mas a prática errada! E assim Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor dele: "Se alguém quer me seguir, renuncie a se mesmo, tome a sua cruz, e siga-me" (v.24). Ter fé em Jesus não é em primeiro lugar um exercício intelectual ou teologia, mas, uma prática; o seguimento dele, na construção do seu projeto, até as últimas conseqüências.


Pedro e Paulo – Hoje, enquanto celebramos os nossos dois grandes missionários, a segunda pergunta de Jesus ressoa forte. Para nós, quem é Jesus? Não para o catecismo, não para o Papa ou o Bispo, mas para cada de nós pessoalmente? E no fundo, a resposta se dá, não com palavras, mas pela maneira como vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus - ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente! (Jo 10,10). Cuidemos para que não caiamos na tentação do equívoco de Pedro, a de termos a doutrina certa, mas a prática errada!

Quem é este homem?


No Evangelho deste domingo (Mc 4,35-41), Marcos conta que Jesus e os discípulos estavam numa barca no Mar da Galiléia, quando começou a soprar um vento muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca. Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: "Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?" Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: "Silêncio! Cala-te!" O vento cessou e houve uma grande calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: "Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: "Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?

Marcos – Voltando às celebrações dominicais do tempo comum, também retomamos a caminhada pelo evangelho de Marcos. O trecho deste final de semana está situado na primeira parte do seu evangelho e procura demonstrar que as autoridades religiosas da época, os próprios parentes de Jesus e os seus discípulos não o compreenderam, apesar de verem as suas obras e milagres (1,19-8,26). Toda esta primeira parte prepara para a pergunta fundamental do evangelho: "E vocês, quem dizem que eu sou?" Por isso, quando Jesus silencia a tempestade, leva os discípulos a se perguntarem: "Quem é este homem?".

Dúvidas – O evento no mar de Galiléia retrata, simbolicamente, a situação da comunidade de Marcos, pelo ano 70, quando o evangelho foi escrito. A comunidade vacilava na sua fé, assolada por dúvidas e perseguições. Diante do cansaço da caminhada, muitos se refugiaram na busca de uma religião de milagres, sem o esforço de seguir Jesus até a Cruz.

Milagres – Por isso Marcos insiste que os milagres não são suficientes para conhecer Jesus, pois as autoridades, as familiares e os discípulos os tinham e não chegaram a entender nem a pessoa nem a proposta de Jesus.

Comunidade – O barco no lago, assolado pelos ventos e ondas, representa a comunidade dos discípulos, prestes a afundar-se por causa das dificuldades da caminhada. Jesus dorme no barco e parece não se preocupar com o perigo. Assim, para a comunidade de Marcos, parecia que Jesus não estava ligado aos seus sofrimentos e, como consequência, vacilavam na sua fé.

Medo – Mas Jesus acalmou o mar e ainda questionou a pouca fé dos Doze: "por que vocês são tão medrosos? Vocês ainda não têm fé?" (v. 40). Assim Marcos quis mostrar aos leitores do seu tempo que Jesus estava com eles nas dificuldades e que a sua falta de fé estava causando grande parte das dificuldades que estavam enfrentando.

Igreja – Hoje, em muitos lugares, a Igreja se parece com a igreja de Marcos ou ainda com o barco no mar. Diante das desistências, da secularização, da diminuição da influência da Igreja, para muitos ela esta se afundando. Em lugar de assumir o doloroso seguimento de Cristo até a Cruz, muitos se refugiam numa religiosidade de milagres, fugindo da penosa tarefa de construir o Reino de Deus entre nós.

Fé – Marcos vem corrigir essa ideologia triunfalista e nos convida a aprofundar a nossa fé, a clarear – para nós mesmos e para o mundo – "quem é este homem"; e, a segui-Lo no dia a dia. Jesus não está alheio às nossas dificuldades! Pelo contrário, Ele está no meio de nós. Só que não nos livra da tarefa de nos engajarmos na luta pelo Reino, mesmo que as ondas e os ventos estejam contrários.


Ter fé Nele não é somente acreditar que Ele exista e seja Filho de Deus, mas tomar a nossa cruz e segui-Lo, na certeza que Ele não nos abandonará! Ressoa para nós hoje a pergunta de dois mil anos atrás: "Porque são tão medrosos? Ainda não têm fé?".

sábado, 13 de junho de 2015

Os valores do Reino de Deus


No Evangelho deste domingo (Mc 4, 26-34) Jesus apresenta duas parábolas, comparando o Reino de Deus com a semente que cresce por si só e com o pequeno grão de mostarda. Assim Jesus quer que a gente relembre que é importante começar com ações pequenas e singelas, pois, pela ação do Espírito Santo elas poderão dar frutos grandes. Com imagens tão simples e belas da natureza compreende-se que Deus comunica sua vida a todos, sem discriminações, não havendo ninguém que possa impedi-lo. Ainda mais, o que parece insignificante hoje, está a caminho de sua plena realização. O Reino de Deus é o banquete da celebração da vida plena para todos, e esta vida vai se manifestando até atingir sua plenitude.

Os primeiros cristãos – A leitura deste domingo é também um lembrete para que não caiamos na tentação de olhar as coisas com os olhos da sociedade dominante, que valoriza muito a prepotência, o poder, a aparência externa. O modelo cristão de sociedade está certamente na comunidade dos primeiros cristãos. Estes eram considerados diferentes, porque viviam em comunidade, desprezavam os bens e não tinham pátria.

Documento – Em uma carta datada do ano de 150 d.C. conhecida como “Epístola para Diognetus”, provavelmente escrita por Pantanaeus (mestre de Clemente de Alexandria), o autor faz uma impressionante descrição do estilo de vida dos cristãos.  O final da carta deve ter se perdido, pois a cópia que chegou até nossos dias termina abruptamente.  Note que o autor louva a beleza da vida cristã, inserida neste mundo e compartilhando o que a sociedade tem de honesto, não perdendo de vista os valores definitivos.  Será que os cristãos de hoje (após 1860 anos) continuamos a viver no mesmo estilo das primeiras comunidades cristãs?  Vejamos a carta:

“Meu caro Diognetus, desde que o conheço você se mostra ansioso para entender a religião dos cristãos. Eles confiam em Deus e o adoram, têm um desprezo pelos bens e menosprezam a morte, não acreditam nos deuses gregos nem na superstição dos judeus, e dão grande importância ao afeto entre eles.
Os cristãos não diferem dos demais homens pela terra, pela língua, ou pelos costumes. Não habitam cidades próprias, não se distinguem por idiomas estranhos, não levam vida extraordinária. Além disso, sua doutrina, não a encontraram em pensamento ou cogitação de homens desorientados. Também não patrocinam, como fazem alguns, dogmas humanos. Mas, habitando, conforme a sorte de cada um, cidades gregas e bárbaras, é acompanhando os usos locais em matéria de roupa, alimentação e costumes, que manifestam a admirável natureza de sua vida, a qual todos reputam extraordinária.
Habitam suas pátrias, mas como estrangeiros. Participam de tudo como cidadãos, mas tudo suportam como estrangeiros. Qualquer terra estranha é pátria para eles; qualquer pátria, terra estranha. Casam-se e procriam, mas nunca lançam fora o que geraram. Têm a mesa em comum, não o leito. Existindo na carne, não vivem segundo a carne. Na terra vivem, participando da cidadania do céu. Obedecem às leis, mas as ultrapassam em sua vida. Amam a todos, sendo por todos perseguidos. Desconhecidos, são assim mesmo condenados. Mas quando entregues à morte, são vivificados. Na pobreza, enriquecem a muitos; desprovidos de tudo, sobram-lhes os bens. São desprezados, mas no meio das desonras sentem-se glorificados. Difamados, mas justos; ultrajados, mas benditos. Injuriados, prestam honra. Fazendo o bem, são punidos como malfeitores; castigados, rejubilam-se como revivificados. Os judeus hostilizam-nos como alienígenas, os gregos os perseguem, mas nenhum de seus inimigos pode dizer a causa de seu ódio.
Para resumir numa palavra, o que é a alma no corpo, são os cristãos no mundo: como por todos os membros do corpo está difundida a alma, assim os cristãos por todas as cidades do universo. Habita a alma no corpo, mas não procede do corpo; assim os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível é enclausurada num corpo visível; os cristãos, conhecidos enquanto estão no mundo, têm uma religião que permanece invisível. A carne odeia a alma sem ter recebido injúria, mas apenas porque não a deixa gozar os prazeres; aos cristãos odeia o mundo sem ter sido injuriado por eles e só porque renunciam aos prazeres. A alma ama o corpo e os membros que a odeiam; também os cristãos amam os que os odeiam.
A alma está encerrada no corpo, mas é ela que o sustenta. Os cristãos, por sua vez, estão encerrados no mundo como num cárcere; mas são eles que o sustentam. A alma habita um tabernáculo mortal. Os cristãos peregrinam através de bens corruptíveis, na expectativa da celeste incorruptibilidade.
Maltratada quanto a alimentos e bebidas, a alma se aperfeiçoa; também os cristãos, afligidos por castigo, cada dia mais aumentam em número. Deus colocou-os num posto tal que não lhes é lícito desertar.
Não foi, como já disse, invenção terrestre o que se lhes transmitiu; nem julgam ter sob sua vigilante guarda uma concepção mortal. Não lhes foi confiada a dispensação de mistérios humanos.

Mas foi o próprio Deus invisível, verdadeiramente Senhor e Criador de tudo, que do alto dos céus colocou entre os homens a Verdade, o Logos santo e incompreensível, e o inseriu firmemente nos seus corações”.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O pecado contra o Espírito Santo


No Evangelho das missas deste domingo (Mc 3, 20-35), Jesus está em sua casa com os discípulos e uma multidão que queria ouvir sua pregação. Então disse: “Tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e blasfêmias que tiverem proferido; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: será réu de pecado eterno”.

João Paulo II – Para refletir sobre este ensinamento, vamos transcrever o item 46 da Encíclica “Dominum et vivificantem”, escrita por João Paulo II.

Blasfêmia – Por que é que a “blasfêmia” contra o Espírito Santo é imperdoável? Em que sentido se deve entender esta “blasfêmia”? São Tomás de Aquino responde que se trata de um pecado “imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é concedida a remissão dos pecados”.

Vinda do Espírito – Segundo tal exegese, a “blasfêmia” não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa em aceitar a salvação que Deus oferece ao homem mediante o mesmo Espírito Santo, que age em virtude do sacrifício da Cruz. Se o homem rejeita o deixar-se “convencer quanto ao pecado”, que provém do Espírito Santo e tem carácter salvífico, ele rejeita contemporaneamente a “vinda” do Consolador: aquela “vinda” que se efetuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do Sangue de Cristo: o Sangue que “purifica a consciência das obras mortas”.

Recusa – Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem rejeita o Espírito e o Sangue permanece nas “obras mortas”, no pecado. E a “blasfêmia contra o Espírito Santo” consiste exatamente na recusa radical de aceitar esta remissão, de que Ele é o dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira, por Ele operada na consciência.

Recusa radical – Se Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, é porque esta “não-remissão” está ligada, como à sua causa, à “não-penitência”, isto é, à recusa radical a converter-se. Isto equivale a uma recusa radical de ir até às fontes da Redenção; estas, porém, permanecem “sempre” abertas na economia da salvação, na qual se realiza a missão do Espírito Santo. Este tem o poder infinito de haurir destas fontes: “receberá do que é meu”, disse Jesus. Deste modo, Ele completa nas almas humanas a obra da Redenção, operada por Cristo, distribuindo os seus frutos.


Recusa a redenção – Ora a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica o seu pretenso “direito” de perseverar no mal — em qualquer pecado — e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida. É uma situação de ruína espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou e abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências e da remissão dos pecados.