sábado, 26 de abril de 2008

O Espírito Santo

  

O Evangelho deste domingo nos apresenta a Última Ceia. Nessa noite de quinta-feira, 6 de abril do ano 30, na véspera da sua morte na cruz, Jesus reuniu-Se com os seus discípulos pela última vez.

 

Despedida – No decurso da “ceia”, Jesus despediu-Se dos discípulos e fez-lhes as últimas recomendações. As palavras de Jesus soam a “testamento final”: Ele sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos vão continuar no mundo. Jesus fala-lhes, então, do caminho que percorreu (e que ainda tem de percorrer, até a consumação da sua missão e até chegar ao Pai); e convida os discípulos a seguir o mesmo caminho de entrega a Deus e de amor radical aos irmãos. É seguindo esse “caminho” que eles se tornarão Homens Novos e que chegarão a ser “família de Deus”.

 

Insegurança – Os discípulos, no entanto, estão inquietos e desconcertados. Será possível percorrer esse “caminho” se Jesus não caminhar ao lado deles? Como é que eles manterão a comunhão com Jesus e como receberão d’Ele a força para doar, dia-a-dia, a própria vida? No entanto, Jesus garante aos discípulos que não os deixará sós no mundo. Ele vai para o Pai, mas, vai encontrar uma forma de continuar presente e de acompanhar, passo a passo, a caminhada dos seus discípulos.

 

Paráclito – Jesus fala no envio do “Paráclito”, que estará sempre com os discípulos. A palavra grega “paráklêtos”, utilizada por João, pertence ao vocabulário jurídico e designa, nesse contexto, aquele que ajuda ou defende o acusado. Pode, portanto, traduzir-se como “advogado”, “auxiliar”, “defensor”. A partir daqui, pode deduzir-se, também, o sentido de “consolador” ou “intercessor”. No Novo Testamento, a palavra só aparece em João, onde é usada para designar o Espírito (Jo 14,26; 15,26; 16,7) ou o próprio Jesus (que no céu, cumpre uma missão de intercessão - 1Jo 2,1).

 

Espírito Santo – O “Paráclito” que Jesus vai enviar é o Espírito Santo – apresentado aqui como o “Espírito da Verdade”. Enquanto esteve com os discípulos, Jesus ensinou-os, protegeu-os, defendeu-os; mas, a partir de agora, será o Espírito que ensinará e cuidará da comunidade de Jesus. O Espírito desempenhará, nesse contexto, um duplo papel: conservará a memória da pessoa e dos ensinamentos de Jesus, ajudando os discípulos a interpretarem esses ensinamentos à luz dos novos desafios, e dará segurança aos discípulos, guiando e defendendo-os quando tiverem de enfrentar a oposição e a hostilidade do mundo. Em qualquer dos casos, o Espírito conduzirá essa comunidade em marcha pela história, ao encontro da verdade, da liberdade plena, da vida definitiva.

 

Órfãos – Depois de garantir aos discípulos o envio do “Paráclito”, Jesus reafirma que não os deixará “órfãos” no mundo. A palavra utilizada (“órfãos”) é muito significativa: no Antigo Testamento, o “órfão” é o protótipo do desvalido, do desamparado, do que está totalmente à mercê dos poderosos e que é a vítima de todas as injustiças. Jesus é claro: os seus discípulos não vão ficar indefesos, pois Ele vai estar ao lado deles.

 

Comunhão – É verdade que Ele vai deixar o mundo, vai para o Pai. O “mundo” não mais O verá, pois Ele não estará fisicamente presente. No entanto, os discípulos poderão “vê-l’O”, “contemplá-l’O”: eles continuarão em comunhão de vida com Jesus e receberão o Espírito, que lhes transmitirá, dia-a-dia, a vida de Jesus ressuscitado.

 

Família – Nesse dia (o dia em que Jesus for para o Pai e os discípulos receberem o Espírito), a comunidade descobrirá – por ação do Espírito – que faz parte da família de Deus. Jesus identifica-Se com o Pai, por ter o mesmo Espírito; os discípulos identificam-se com Jesus, por ação do Espírito. A comunidade cristã está unida com o Pai, através de Jesus, numa experiência de unidade e de comunhão de vida entre Deus e o homem. Nesse dia, a comunidade será a presença de Deus no mundo: ela e cada membro dela convertem-se em morada de Deus; o espaço onde Deus vem ao encontro dos homens. Na comunidade dos discípulos e por meio dela, realiza-se a ação salvadora de Deus no mundo.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

O Caminho de Jesus

  

A liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre a Igreja: é a comunidade dos discípulos que seguem o “caminho” de Jesus – “caminho” de obediência ao Pai e de dom da vida aos irmãos.

 Despedida – O ambiente em que este trecho nos coloca é o de uma ceia de despedida. Nessa ceia (realizada na quinta-feira à noite, pouco tempo antes da prisão, na véspera da morte), estão Jesus e os discípulos. Durante a ceia, Jesus despede-Se dos discípulos e faz-lhes as suas últimas recomendações. As palavras de Jesus soam a “testamento” final: Ele sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos vão continuar no mundo.

 

Incertezas – Os discípulos, por sua vez, já perceberam que o ambiente é de despedida e que, daí a poucas horas, o Mestre vai ser tirado deles. Estão inquietos e preocupados. A aventura que eles começaram com Jesus, na Galiléia, terá chegado ao fim? Essa relação que eles construíram com o Mestre irá morrer? Os discípulos não sabem o que vai acontecer nem que caminho vão, a partir daí, percorrer. Sobretudo, não sabem como é que manterão, após a partida de Jesus, a sua relação com Ele e com o Pai.

 

Comunhão – A catequese desenvolvida pelo autor do Quarto Evangelho, neste diálogo de Jesus com os discípulos, é de uma impressionante densidade teológica. Vamos tentar esmiuçar o conteúdo e pôr em relevo os pontos fundamentais. O plano de salvação de Deus passa por estabelecer com os homens uma relação de comunhão, de familiaridade, de amor. Por isso Jesus veio ao mundo: para tornar os homens “filhos de Deus”.

 

Método – Como é que Jesus concretizou esse projeto? Ele “montou a sua tenda no meio dos homens” (Jo 1,14) e ofereceu aos homens um “caminho” de vida em plenitude: mostrou aos homens, na sua própria pessoa, como é que eles podem ser Homens Novos – isto é, homens que vivem na obediência total aos planos do Pai e no amor aos irmãos. Viver desse jeito é viver numa dinâmica divina, entrar na intimidade do Pai, tornar-se “filho de Deus”.

 

Homem Novo – Na ceia de despedida, Jesus sente que está começando o último ato da missão que o Pai lhe confiou (criar o Homem Novo). Falta oferecer aos discípulos a última lição – a lição do amor que se dá até à morte; falta também o dom do Espírito, que capacitará os homens para viverem como Jesus, na obediência a Deus e na entrega aos homens. Para que esse último ato se cumpra, Jesus tem que passar pela morte: tem que “ir para o Pai”. Ao dizer “vou preparar-vos um lugar”, Jesus sugere que tem que ir ao encontro do Pai, para que os homens possam fazer parte da família de Deus.

 

Família – Nessa família há lugar para todos os homens (“na casa de meu Pai há muitas moradas”): basta que sigam “o caminho” de Jesus” – isto é, que escutem as suas propostas e que aceitem viver como Homens Novos, no amor e no dom da vida. A “casa do Pai” é a comunidade dos seguidores de Jesus (a Igreja). Qual é o “caminho” para chegar a fazer parte dessa família de Deus?

 

Caminho – A resposta é simples… O “caminho” é Jesus: é a sua vida, os seus gestos de amor e de bondade, a sua morte (dom da vida por amor) que mostram aos homens o itinerário que eles devem percorrer. Ao aceitarem percorrer esse “caminho” de identificação com Jesus, os homens estão indo ao encontro da verdade e da vida em plenitude. Quem aceita percorrer esse “caminho” de amor, de entrega, de dom da vida, chega até ao Pai e torna-se – como Jesus – “filho de Deus”.

 

Pai e Jesus – Ao identificarem-se com Jesus, os discípulos estabelecem uma relação íntima e familiar com o Pai, porque o Pai e Jesus são um só. O Pai está presente em Jesus. Quem adere a Jesus e estabelece com Ele laços de amor, já faz parte da família do Pai, porque Jesus é Deus que veio ao encontro dos homens: as obras de Jesus são as obras do Pai; o seu amor é o amor do Pai; a vida que Ele oferece é a vida que o Pai dá aos homens.

 

Conclusão – Os discípulos de Jesus têm que percorrer um “caminho”, até chegarem a ser família de Deus. Esse “caminho” foi traçado por Jesus, na obediência a Deus e no amor aos homens. É no final desse “caminho” que os discípulos – tornados Homens Novos – encontrarão o Pai e serão integrados na família de Deus.

sábado, 5 de abril de 2008

AO PARTIR O PÃO, OS DISCÍPULOS O RECONHECERAM

  

O Evangelho deste domingo nos coloca para caminhar com dois discípulos de Jesus que, no domingo, vão de Jerusalém para Emaús.

 

Catequese – Trata-se de uma página de catequese escrita no final do primeiro século, na qual o autor não se preocupou com a descrição fiel de acontecimentos nem com as incongruências do texto. De acordo com o autor, os dois homens dirigiam-se para uma aldeia chamada Emaús, a 12 quilômetros de Jerusalém. Uma localidade com esse nome, a essa distância de Jerusalém é, no entanto, desconhecida. Estes discípulos partiram para a sua aldeia, na manhã de Páscoa, sem, no entanto, investigar os rumores de que o túmulo estava vazio e que Jesus tinha ressuscitado. Fica claro que o objetivo do autor é ensinar aos cristãos para quem escreve (na década de 80) como é que podem descobrir que Jesus está vivo e como podem fazer a experiência do encontro com Jesus ressuscitado.

 

Messias fracassado – A cena coloca-nos, em primeiro lugar, diante de dois discípulos que vão a caminho de Emaús. Um chama-se Cléofas; o outro não é identificado (podia ser ”qualquer um” dos crentes). Os dois estão, nitidamente, tristes e desanimados, pois os seus sonhos de triunfo e de glória ao lado de Jesus ruíram pela base, aos pés de uma cruz. Esse Messias poderoso, capaz de derrotar os opressores, de restaurar o reino grandioso de David revelou-se um grande fracasso. Em lugar de triunfar, morreu numa cruz; e a sua morte é um fato consumado pois ”é já o terceiro dia depois que isto aconteceu”. Abandonam a comunidade e regressam à sua aldeia, dispostos a esquecer o sonho.

 

Jesus – Na seqüência, o autor do relato introduz no quadro um novo personagem: Jesus. Ele faz-se companheiro de viagem desses discípulos em caminhada, interroga-os sobre ”o que se passou nestes dias” em Jerusalém, escuta as suas preocupações, torna-se o confidente das suas frustrações. Para responder às inquietações dos dois discípulos e para lhes demonstrar que o projeto de Deus não passava por quadros de triunfo humano, mas, pelo amor até às últimas conseqüências e pelo dom da vida, ”começando por Moisés e passando pelos profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que lhe dizia respeito”. É na escuta e na partilha da Palavra que o plano salvador de Deus ganha sentido: só através da Palavra de Deus – explicada, meditada e acolhida – o crente pode perceber que o amor até às últimas conseqüências e o dom da vida não são um fracasso, mas geram vida nova e definitiva.

 

Em Emaús – Os três (Jesus, Cléofas e o discípulo não identificado) chegam, finalmente, a Emaús. Os discípulos continuam a não reconhecer Jesus, mas convidam-n’O a ficar com eles. Ele aceita e sentam-se à mesa. Enquanto comiam, Jesus ”tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e lhes entregou”. As palavras usadas por Lucas para descrever os gestos de Jesus evocam a celebração eucarística da Igreja primitiva. Dessa forma, Lucas recorda aos membros da sua comunidade que é possível encontrar Jesus vivo e ressuscitado na celebração eucarística dominical: sempre que os irmãos se reúnem em nome de Jesus para ”partir o pão”, Jesus lá está, vivo e atuante, no meio deles. A última cena da nossa história põe os discípulos regressando a Jerusalém para anunciar aos irmãos que Jesus está, efetivamente, vivo.

 

Comunidade – Quando Lucas escreve o seu Evangelho (década de 80), a comunidade cristã defrontava-se com algumas dificuldades. Tinham decorrido cerca de cinqüenta anos depois da morte de Jesus, em Jerusalém. A catequese dizia que Ele estava vivo; mas, no dia-a-dia de uma vida monótona, cansativa e cheia de dificuldades, era difícil fazer essa experiência. As testemunhas oculares de Jesus tinham já desaparecido e os acontecimentos da paixão, morte e ressurreição pareciam demasiado distantes, ilógicos e irreais. ”Se Jesus ressuscitou e está vivo, como posso encontrá-l’O? Onde e como posso fazer uma verdadeira experiência de encontro real com esse Jesus que a morte não conseguiu vencer? Porque é que Ele não aparece de forma gloriosa e não instaura um reino de glória e de poder, que nos faça triunfar definitivamente sobre os nossos adversários?”.

 

Eucaristia – É a isso que o catequista Lucas vai procurar responder. A sua mensagem dirige-se a esses crentes que caminham desanimados pela vida. Nessa narração de Lucas, aparece a idéia de que é na celebração comunitária da Eucaristia que os crentes fazem a experiência do encontro com Jesus vivo e ressuscitado. A narração apresenta o esquema litúrgico da celebração eucarística: a liturgia da Palavra (a ”explicação das Escrituras” – que permite aos discípulos entenderem a lógica do plano de Deus em relação a Jesus) e o ”partir do pão” (que faz com que os discípulos entrem em comunhão com Jesus).