sábado, 24 de fevereiro de 2001

A Formação dos Evangelhos: Parte 6 – O documento Q

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 24/02/2001

Os sinóticos – O leitor já deve ter percebido a grande semelhança que existe entre os três primeiros Evangelhos da Bíblia (Mateus, Marcos e Lucas). Existem partes em que eles são tão parecidos que podemos afirmar que um autor conhecia o texto do outro, ou então eles usaram as mesmas compilações como fonte de consulta. Seria impossível escrever textos tão parecidos se eles não tivessem usado os mesmos documentos para consulta.

Documento Q O Documento Q (também chamado de Evangelho Q) é um documento hipotético (aceito pela grande maioria dos estudiosos), composto apenas de frases de Cristo, necessário para a formação dos Evangelhos sinóticos (Marcos, Lucas e Mateus). Os estudiosos alemães que iniciaram as pesquisas o chamaram de "Documento quelle" (fonte), que foi abreviado para Q. Até hoje não se encontrou nenhuma prova da existência deste documento, mas seria impossível a redação dos Evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus sem a existência deste pré-texto.

O que é Q – O Documento Q poderia ser melhor considerado como um Evangelho pre-cristão, já que foi composto por volta dos anos 50 d.C., antes de qualquer livro do Novo Testamento. O texto Q é um ‘Evangelho das Declarações de Cristo’ escrito em grego por autores desconhecidos, tendo sido bastante usado pelos grupos que seguiram os ensinamentos de Jesus.

Qual o conteúdo de Q – Supõem-se que o texto do documento Q seja composto apenas de pronunciamentos de Jesus (ensinamentos, declarações, pensamentos, orações, etc). O texto Q pode ser avaliado como o conteúdo das declarações originais de Jesus, com pouca ou nenhuma distorção de suas palavras originais.

Estudando Q – Existem muitos biblistas que estudam o suposto documento Q. Existe até um grupo de estudo sobre o texto Q chamado "International Q Project", com inúmeros trabalhos sobre o assunto. Alguns estudiosos afirmam que o documento Q foi originalmente escrito por volta do ano 50 se constituindo portanto, no documento prioritário para o estudo de Jesus, pois contém os relatos mais íntimos de Jesus. Eles chamam este material de Q1. Este texto Q1 sofreu ampliações na década de 60, com declarações sobre o fim do mundo (chamada de parte Q2). Houve ainda uma terceira parte (Q3) com declarações que incutem paciência aos seguidores enquanto esperam pela vinda do Reino.

Pré-texto evangélico – Os 3 Evangelhos sinóticos usaram o documento Q como base para redação seus textos. Cabe lembrar que o Evangelho de Tomé (evangelho apócrifo, não reconhecido pela Igreja), descoberto em 1945, contém 114 frases de Jesus, é muito semelhante ao suposto texto de Q.

(na próxima semana falaremos sobre o Evangelho (apócrifo) de Tomé)

VOCÊ QUER LER O TEXTO Q ?

Se você ficou curioso sobre o suposto documento Q e gostaria de ler este suposto texto, solicite por E-mail ou por carta que lhe enviaremos os textos (já traduzidos para o português) criados por alguns estudiosos. Junto com os textos também lhe enviaremos explicações e comentários sobre o documento Q. Se você quer estudar mais profundamente o documento Q, solicite estudos do grupo ‘international Q Project’ que lhe enviaremos mais dados (neste caso, existe pouco material em português).

sábado, 17 de fevereiro de 2001

A Formação dos Evangelhos: Parte 5 – Os primeiros textos

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 17/02/2001


A catequese – Entre os anos 40 e 50 (lembrar que Jesus foi crucificado em abril do ano 30) os primeiros cristãos foram obrigados a mudar a forma de pregação da Boa Nova (o Evangelho de Cristo). Duas foram as razões desta mudança: a morte de alguns apóstolos (e testemunhas oculares) e a formação de comunidades fora de Jerusalém. As perseguições aos cristãos também contribuíram para esta mudança.

Perícopes – Por estas razões surgiu a preocupação de registrar por escrito a catequese primitiva. Entre os anos de 45 e 50 d.C., surgiram textos avulsos que relatavam partes da vida do mestre. Eram perícopes (pequenas histórias), escritas em folhas separadas, sem qualquer preocupação de formar um todo. Os relatos mais famosos deveriam ser a paixão e morte do Senhor, os milagres, os sermões, as parábolas, as discussões com os judeus, etc.

Corpus – Houve também a necessidade de gerar um texto completo (corpus), que condensasse um perfil mais amplo sobre a vida do Mestre. Assim, a partir dos anos 50 d.C. começaram a aparecer os relatos mais amplos sobre a vida pública de Cristo. Estes textos não são os Evangelhos que conhecemos hoje, mas foi o material que serviu de base para os evangelistas.

Lembrar Lc 1,1 – O início do Evangelho de Lucas comprova a existência destes relatos: "Muitos se propuseram escrever uma narração dos fatos que ocorreram entre nós como nô-los transmitiram os que deles foram testemunhas oculares desde o começo e, depois, se tornaram ministros da Palavra".

A Coleção "Q" – É unanimidade entre os estudiosos da Bíblia a existência de uma coleção de frases e sermões de Cristo, que serviu de base para os Evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus. Este suposto texto, chamado de "documento Q" (do alemão Quelle = fonte) era apenas uma série de discursos do Mestre, sem uma biografia ou histórias, mas apenas uma coleção de frases (detalharemos o documento Q na próxima semana).

Evangelho da Cruz – Uma das maiores dificuldades dos discípulos durante as pregações seria explicar as circunstâncias da morte de Jesus. Como havia sido preso? Como foi a condenação? Acusado de quê? Sofreu torturas? Porque foi crucificado? Se ele era um Deus, porque não se safou? Como um Deus poderia ter morrido? Se ele era o Messias, Filho de Deus, porque Deus não o salvou? Para dar subsídios à pregação dos apóstolos, supõem-se a existência de um texto que descrevia a prisão, julgamento, condenação, crucificação e ressurreição de Jesus, também composto nos anos 50 d.C. Alguns autores designam este texto de "Evangelho da Cruz", embora não se trate de um evangelho.

Outros textos – Ainda é provável que tenham surgido outros textos, como uma coletânea dos atos e milagres de Jesus, descrições sobre o nascimento, etc. Um texto bastante discutido é o chamado "Evangelho de Tomé", descoberto em 1945 nas grutas de Nag Hammadi, no Egito. Trata-se de uma coleção de 114 frases de Cristo, considerada como o principal documento fora dos 4 Evangelhos. Falaremos sobre o "Evangelho de Tomé" nas próximas colunas.

sábado, 10 de fevereiro de 2001

A Formação dos Evangelhos: Parte 4 – O Evangelho Oral

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 10/02/2001


Nada por escrito – A exemplo de Sócrates, Jesus não deixou nada escrito. Ele comunicou toda a sua doutrina de viva voz aos discípulos, que puseram-se a difundir o que haviam ouvido, sem se preocupar com a redação dos ensinamentos do Mestre. Tanto na Palestina como na Grécia, a escrita representava uma arte difícil e reservada a poucos. Assim, durante as aulas, os mestres apelavam para a memória de seus discípulos, transmitindo as idéias em sentenças rimadas, quase cantadas, fáceis de se guardar na memória.

Catequese – A este método de ensino os primeiros cristãos deram o nome de ‘catequese’, palavra grega que significa ‘ressonância’, pois realmente o ensinamento realmente consistia em ressoar, em longas repetições as palavras e sentenças. Uma vez concluída a formação, o discípulo era o ‘catequizado’ ou ‘aquele a quem haviam feito ressoar’ os termos da doutrina.

Tradição Oral – Inicialmente a catequese se concentrou em Jerusalém, na Judéia, e em toda a Galiléia. Tudo era feito oralmente, baseando-se na força discursiva de Pedro e nos testemunhos dos apóstolos. Era a chamada Tradição Oral que se estendeu por um período de, pelo menos, 15 anos, sustentada pela memória dos apóstolos e discípulos. Todo o trabalho dos cristãos dessa época (antes de 50 d.C.) se resumia em proclamar a mensagem da segunda vinda do Senhor e instalação do Reino de Deus. A certeza da volta gloriosa de Cristo tornava desnecessária qualquer preocupação em transcrever a mensagem de Jesus, pois eles estavam convencidos de sua presença física em breve.

O termo "Evangelho" – ‘Evangelho’ vem do grego eu-angélion, que significa "a feliz notícia" comunicada por um mensageiro. O termo ‘eu-angélion’ era usado na proclamações das vitórias em guerras, normalmente comunicadas ao povo com radiante alegria, com a cabeça coroada e agitando um ramo de palmeira na mão. Entre os pagãos, o ‘eu-angélion’ era associado à salvação, bem-estar e prosperidade. No império romano, eram chamados de ‘eu-angélia’ a proclamação do nascimento de um herdeiro para o trono, a sua maioridade e, principalmente, o anúncio de sua subida ao trono.

O ‘Eu-angélion’ do Reino de Deus – Os cristãos se utilizaram do significado do termo ‘evangelho’, e passaram a proclamar ao mundo a mensagem de Jesus como sendo o "Evangelho por excelência" ou o "Evangelho do Reino de Deus", Evangelho que os homens deviam receber com alegria e entusiasmo superior ao habitual, com ânimo renovado.

O Evangelho Oral – O termo ‘Evangelho’ ainda não significava o texto escrito, mas sim a pregação oral da Boa Notícia, a proclamação do reino messiânico. A denominação de ‘Evangelhos’ aos textos de Mateus, Marcos, Lucas e João (como se encontram hoje em nossas Bíblias) aparece pela primeira vez na obras de São Justino, escritas antes do ano 165.

sábado, 3 de fevereiro de 2001

A Formação dos Evangelhos: Parte 3 – O cristianismo se iniciava na estrada para Damasco

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 03/02/2001


Quem foi Paulo – Nos Atos dos Apóstolos o próprio Paulo se apresenta como judeu, nascido na cidade de Tarso, na Cilícia, circunciso desde o oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus. Criado em Jerusalém e educado pelo rabino Gamaliel (liberal ancião do sinédrio e o mais proeminente mestre de seu tempo), se identificava como fariseu. Herdava dos pais a cidadania romana, o que lhe conferia os direitos e proteção legais através de todo o Império Romano.

Duas culturas – Paulo provém de uma encruzilhada entre dois mundos: grego e judeu. O seu duplo nome o indica: Saulo (judeu) e Paulo (grego). Era de cultura grega, de Tarso, cidade universitária (na época com 300 mil habitantes) que rivalizava com Atenas e Alexandria. Por outro lado, por suas origens e por sua educação, era judeu, tendo recebido a rígida formação de Gamaliel. Alguns autores citam que Paulo era rabino.

Como era – Um antigo texto apócrifo (não reconhecido pela Igreja) descreve Paulo como um "homem de pequena estatura, careca, e de pernas arqueadas, em boa condição física, de sobrancelhas juntas e nariz um pouco encurvado (em forma de gancho), cheio de amabilidade, que umas vezes parecia um homem, outras um anjo".

Antes do ano 37 – Antes de ter a visão de Cristo, Paulo era um fariseu sincero, tranqüilo e devotado à Lei judaica. Por sua fé, colocava-se violentamente contra os seguidores de Cristo, aquela nova seita que surgia entre os judeus. Para Paulo, Jesus não podia ser o Messias, pois fora condenado pela Lei judaica. Via Estêvão e os helenistas opondo-se ao Templo como um questionamento dos fundamentos da fé judaica, centrada na prática da Lei e na vida cultural do Templo.

A visão – Quando se dirigia para a cidade de Damasco, com credenciais para procurar e prender seguidores de Jesus, aconteceu algo que virou do avesso os valores de Paulo. Ele próprio descreve a experiência de várias formas: como uma aparição de Jesus, ou como Deus se revelando a Seu Filho, ou como uma visão que teve do Senhor , ou ainda como sendo apanhado por Jesus. Paulo foi jogado ao chão e ficou cego por uma luz mais brilhante que o sol, enquanto uma voz chamava-o pelo nome hebraico: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" Ao perguntar de quem era a voz, recebeu a resposta: "Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo".

Em Damasco – Os companheiros de Paulo levaram-no até Damasco, onde permaneceu por três dias sem ver e incapaz de comer. Durante o jejum, teve visões de futuras missões para transmitir ao mundo o nome de Jesus, mas não se lançou de imediato em sua vocação.

Pregações – Nas suas viagens missionárias através do Mediterrâneo, Paulo percorreu mais de 15 mil quilômetros, sofrendo naufrágios, apedrejamentos, espancamentos, prisões, humilhações e os rigores das condições das viagens. Os Atos dos Apóstolos dividem suas viagens em três partes, mas existem pequenas jornadas entre estas viagens. Paulo e seus colaboradores fundaram Igrejas em mais de 20 cidades.

Cartas – Paulo enviou muitas cartas às comunidades que fundou. São consideradas canônicas 13 cartas de Paulo (compõem o Novo Testamento), embora apenas 7 tenham sido escritas por seu próprio punho; as outras 6 são compilações ou foram redigidas por discípulos de Paulo após a sua morte.

Morte – Quando chegou o seu martírio (ano 62), Paulo, mais que qualquer outro discípulo de Cristo, tinha ajudado a criar e cuidar de uma rede de comunidades cristãs que desabrocharia numa Igreja universal.