sábado, 31 de janeiro de 2015

Um ensinamento novo


No evangelho deste domingo, Marcos (1,21-28) descreve a entrada de Jesus em uma sinagoga, em Cafarnaum, pondo-se a ensinar. Em sua narrativa, o evangelista descreve o conflito de Jesus com o rígido sistema religioso judaico e sua severa repreensão ao espírito impuro com o qual se defronta. Na conclusão, fica em destaque o ensinamento novo de Jesus, que vem subjugar os espíritos impuros.

Descoberta – A primeira parte do Evangelho escrito por Marcos tem como objetivo fundamental levar o leitor a descobrir Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso, os leitores são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar suas palavras e a aderir à sua proposta de salvação/libertação. Este percurso de descoberta do Messias termina em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro: “Tu és o Messias”.

Encontro libertador – O texto que nos é proposto neste final de semana aparece, exatamente, no princípio dessa caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Já rodeado pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-Se como o Messias-libertador, que está no meio dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.

Local – O Evangelho situa-nos em Cafarnaum (em hebraico Kfar Nahum, a “aldeia de Naum”), a cidade situada na costa noroeste do Lago Kineret (o Mar da Galileia). De acordo com os Evangelhos Sinópticos, é aí que Jesus se vai instalar durante o tempo do seu ministério na Galileia. Vários dos discípulos – Simão e seu irmão André, Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.

A cena – É um sábado. A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia do dia. Jesus, recém-chegado à cidade, entra na sinagoga – como qualquer bom judeu – para participar na liturgia sabática. A celebração comunitária começava, normalmente, com a “profissão de fé” (Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras: a primeira, escolhida da Torah (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento) e a segunda, de um dos livros dos Profetas; depois, vinha o comentário às Leituras e as bênçãos.

Comentarista – É provável que Jesus tivesse sido convidado, nesse dia, para comentar as leituras feitas. Fez as reflexões sobre o texto de uma forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir dos “escribas” (os estudiosos das Escrituras). As pessoas ficaram maravilhadas com as palavras de Jesus, “porque ensinava com autoridade e não como os escribas”. A referência à autoridade das palavras de Jesus pretende sugerir que Ele vem de Deus e traz uma proposta que tem a marca de Deus.

Autoridade – A “autoridade”, que se revela nas palavras de Jesus manifesta-se também, em ações. Na sequência das palavras ditas por Jesus e que transmitem aos ouvintes um sinal inegável da presença de Deus, aparece em cena “um homem com um espírito impuro”.

Impuros – Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram provocadas por “espíritos maus” que se apropriavam dos homens. As pessoas afetadas por esses males deixavam de cumprir a Lei e ficavam numa situação de “impureza” (afastadas de Deus). Acreditava-se que esses “espíritos maus” tinham um poder absoluto, que os homens não podiam derrotar; somente Deus, com o seu poder e autoridade absolutos, era capaz de vencer os “espíritos maus” e devolver a vida aos homens.

Libertação – Numa encenação com um singular poder evocador, Marcos põe o “espírito mau” que domina “um homem” presente na sinagoga, a interpelar violentamente Jesus. A ação da cura do homem “com um espírito impuro” constitui “a prova” de que Jesus traz uma proposta de libertação que vem de Deus; pela ação de Jesus, Deus vem ao encontro do homem para salvá-lo de tudo aquilo que o impede de ter vida em plenitude.


Ensinamento novo – É um ensinamento novo, que liberta e gera esperança e alegria entre todos. É a novidade do anúncio, com a proposta de conversão de vida, abandonando uma religião estéril para aderir a uma prática do amor transformante das relações humanas, no desapego, na fraternidade, na justiça e na paz. 

sábado, 24 de janeiro de 2015

A Profecia de Jonas


Na primeira leitura das missa deste domingo, é apresentada a Profecia de Jonas (Jn 3,1-5,10).

O texto - Jonas é enviado por Deus para ir a cidade de Nínive, capital da Assíria. A sua missão era pregar a mensagem de Javé. Durante a viagem acontece um violenta tempestade, que só acaba quando Jonas é lançado ao mar. Ele é engolido por um “grande peixe” (Jonas 1,17) permanecendo três dias e três noites no estômago do peixe. Sentindo como se estivesse sepultado e, nesta situação, arrependido, reconsidera a sua decisão. É vomitado pelo "grande peixe" numa praia e segue rumo para Nínive.

O Livro de Jonas – Este texto foi escrito na segunda metade do séc. V a.C. (talvez entre 440 e 410 a.C.). É uma história bonita e edificante, mas não é real. Trata-se de um texto que poderíamos classificar no gênero “ficção didática”. Dito de outra forma: o livro de Jonas não é uma coleção de oráculos proféticos proferidos por um homem chamado Jonas, nem sequer um relato de caráter histórico; mas é uma obra de ficção, escrita com a finalidade de ensinar e educar.

Povo de Deus – Estamos numa época em que a política de Esdras e Neemias favorecia o nacionalismo e o fechamento do Povo de Deus aos outros povos. Por um lado, sublinhava-se o fato de Judá ser o Povo Eleito de Deus, o povo preferido de Deus, um povo diferente de todos os outros; por outro, considerava-se que todos os outros povos eram inimigos de Deus, odiados por Deus, que deviam ser inapelavelmente condenados e destruídos por Deus.

Deus universal – Reagindo contra a ideologia dominante, o autor do “Livro de Jonas” apresenta Javé como um Deus universal, cuja bondade e misericórdia se estendem a todos os povos, sem exceção. A escolha de Nínive como a cidade destinatária da ação salvadora de Deus não é casual: Nínive, capital do império assírio, tinha ficado na consciência dos habitantes de Judá como símbolo do imperialismo e da mais cruel agressividade contra o Povo de Deus (Is 10,5-15; Sof 2,13-15).

Convite – É precisamente esta cidade que Javé quer salvar. Por isso, chama Jonas e convida-o a ir a Nínive pregar a conversão. No entanto, Jonas, como os outros seus contemporâneos, não está interessado em que Javé perdoe aos opressores do Povo de Deus e recusa-se a cumprir o mandato divino. Em lugar de se dirigir para Nínive, no Oriente, toma o barco para Társis, no Ocidente. Na sequência de uma tempestade, Jonas é atirado ao mar e engolido por um peixe. Mais tarde, o peixe vai depositá-lo em terra firme. Jonas é, de novo, chamado por Deus para a missão em Nínive.

O nosso texto – A primeira leitura deste domingo começa com Jonas recebendo o segundo mandato de Javé para ir a Nínive. Desta vez, Jonas aceita a missão, vai a Nínive e anuncia aos ninivitas a destruição da sua cidade. Contra todas as expectativas, os ninivitas escutam-no, fazem penitência e manifestam a sua vontade de conversão. Finalmente, Deus desiste do castigo.

1ª Lição – É a da universalidade do amor de Deus. Deus ama todos os homens, sem exceção, e sobre todos quer derramar a sua bondade e a sua misericórdia. Mais: Deus ama até mesmo os maus, os injustos e opressores e a eles oferece a possibilidade de salvação. Deus não ama o pecado, mas ama os pecadores. Ele não quer a morte do pecador, mas que este se converta e viva.

2ª Lição – É a resposta dada pelos ninivitas ao desafio de Deus. Ao descrever a forma imediata e radical como os ninivitas “acreditaram em Deus” e se converteram “do seu mau caminho”, o autor sugere que os pagãos são capazes de estar mais atentos aos desafios de Deus do que o próprio Povo eleito. Desta forma, o autor desta história denuncia uma certa visão nacionalista que estava em moda na sua época entre os seus contemporâneos. Desafia o seu Povo a aceitar que Javé seja um Deus misericordioso, que oferece o seu amor e a sua salvação a todos os homens, até aos maus. Desafia, ainda, os habitantes de Judá a assumirem a mesma lógica de Deus – lógica de bondade, de misericórdia, de perdão, de amor sem limites – e a não verem, nos outros homens, inimigos que merecem ser destruídos, mas irmãos que é preciso amar.


CURIOSIDADE: O texto da Profecia de Jonas diz que Jonas foi engolido por um grande peixe. A história que se tratava de uma baleia, apareceu no Evangelho de Mateus (Mt 12,40), escrito 500 anos depois.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Quem é Jesus?


No Evangelho das missas deste domingo (Jo 1,29-34) João Batista vê Jesus e proclama: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. E dá o testemunho: “Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e repousar sobre Ele. Ora eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus”.

Questão – O texto que nos é proposto integra a seção introdutória do Quarto Evangelho (Jo 1,19-3,36). Aí o autor, com consumada mestria, procura responder à questão: “quem é Jesus?”

Testemunho – João Baptista, o profeta/precursor do Messias, desempenha aqui um papel especial na apresentação de Jesus (o seu testemunho aparece no início e no fim da do texto – Jo 1,19-37; 3,22-36). Ele vai definir aquele que chega e apresentá-lo aos homens. Ao não assinalar-se o auditório, sugere-se que o testemunho de João é perene, dirigido aos homens de todos os tempos e com eco permanente na comunidade cristã.

Apresentador – João é o apresentador oficial de Jesus. A catequese sobre Jesus que aqui é feita se expressa através de duas afirmações com um profundo impacto teológico: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; e é o Filho de Deus que possui a plenitude do Espírito.

Cordeiro – A primeira afirmação (“o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”) evoca duas imagens tradicionais extremamente sugestivas. Por um lado, evoca a imagem do “servo sofredor”, o cordeiro levado para o matadouro, que assume os pecados do seu Povo e realiza a expiação (Is 52,13-53,12); por outro lado, evoca a imagem do cordeiro pascal, símbolo da ação libertadora de Deus em favor de Israel (Ex 12,1-28). Qualquer uma destas imagens sugere que a pessoa de Jesus está ligada à libertação dos homens.

Pecado – A ideia é explicitada pela definição da missão de Jesus: Ele veio para tirar (“eliminar”) “o pecado do mundo”. A palavra “pecado” aparece, aqui, no singular: não designa os “pecados” dos homens, mas um “pecado” único que oprime a humanidade inteira; esse “pecado” parece ter a ver, no contexto desta catequese, com a recusa da proposta de vida com que Deus, desde sempre, quis presentear a humanidade (é dessa recusa que resulta o pecado histórico, que oprime os homens). O “mundo” designa, neste contexto, a humanidade que resiste à salvação. Deus propôs-se tirar a humanidade da situação de escravidão em que se encontra; enviou ao mundo Jesus, com a missão de realizar um novo êxodo, que leve os homens da terra da escravidão para a terra da liberdade.

Filho de Deus – A segunda afirmação (o “Filho de Deus” que possui a plenitude do Espírito Santo e que batiza no Espírito – Jo 1,32-34) completa a anterior. Há aqui vários elementos bem sugestivos: o “cordeiro” é o Filho de Deus; Ele recebeu a plenitude do Espírito; e tem por missão batizar os homens no Espírito.

Fez-se carne – Dizer que Jesus é o Filho de Deus é dizer que Ele é o Deus que se faz pessoa, que vem ao encontro dos homens, que monta a sua tenda no meio dos homens, a fim de lhes oferecer a plenitude da vida divina. A sua missão consiste em eliminar “o pecado” que torna o homem escravo e que o impede de abrir o coração a Deus.

Messias – Dizer que o Espírito desce sobre Jesus e permanece sobre Ele sugere que Jesus possui definitivamente a plenitude da vida de Deus, toda a sua riqueza, todo o seu amor. Por outro lado, a descida do Espírito sobre Jesus é a sua investidura messiânica, a sua unção (“messias” = “ungido”).

Batismo – Jesus é, finalmente, aquele que batiza no Espírito Santo. O verbo “batizar” aqui utilizado tem, em grego, duas traduções: “submergir” e “embeber (como a chuva ensopa a terra)”; refere-se, em qualquer caso, a um contato total entre a água e o sujeito. “Batizar no Espírito” significa, portanto, um contacto total entre o Espírito e o homem, uma chuva de Espírito que cai sobre o homem e lhe ensopa o coração. A missão de Jesus consiste, portanto, em derramar o Espírito sobre o homem; e o homem que adere a Jesus, “embebido” do Espírito e transformado por essa fonte de vida que é o Espírito, abandona a experiência da escuridão (“o pecado”) e alcança o seu pleno desenvolvimento, a plenitude da vida.


Convite – A declaração de João convida os homens de todas as épocas a voltarem-se para Jesus e acolherem a proposta libertadora que, em nome de Deus, Ele faz: só a partir do encontro com Jesus será possível chegar à vida plena, à meta final do Homem Novo.

sábado, 10 de janeiro de 2015

O Batismo de Jesus


No primeiro domingo depois da Epifania, celebra-se tradicionalmente a Festa do Batismo do Senhor. Assim, o Evangelho (Mc 1,7-11) apresenta o encontro entre Jesus e João Batista, nas margens do rio Jordão.

Problema – O batismo de Jesus no Rio Jordão é tão importante teologicamente, que é tratado por cada um dos quatro evangelistas de maneira diferente, de acordo com a situação de suas comunidades e dos seus interesses teológicos. A narração do batizado de Jesus logo se tornou um problema para os primeiros cristãos, pois levantava a questão de como Jesus, sem pecado, podia ter sido batizado num ritual de purificação dos pecados.

O batismo nos evangelhos – Por isso, Mateus deixa de fora a referência que Marcos (1, 4) faz ao perdão dos pecados (“E foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados”) e adiciona os versículos 14 e 15 (“João procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim?’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘Por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou.”). Para o evangelista João, o batismo era tão difícil de ser harmonizado com a sua cristologia, que omite qualquer referência ao batismo e, no seu lugar, faz com que João Batista aponte Jesus como o "Cordeiro de Deus" (Jo 1, 29-34).

Situação política, social e religiosa da época – No primeiro século da era cristã, a religião judaica havia caído num profundo desinteresse, num profundo estado de abatimento moral e físico das pessoas. A situação política opressora, que reinava no país, com o domínio do Império Romano; a espera por um Salvador que não chegava nunca; a vida escandalosa da classe governante e a degradação dos sacerdotes do Templo (mais preocupados com seus próprios interesses) foi esfriando a devoção das pessoas e desanimando a prática religiosa.

O clamor do deserto – Frente a este panorama, surge João (filho único de Zacarias, sacerdote do Templo), um homem que buscou injetar novas forças ao judaísmo decadente. Com sua linguagem implacável e dureza insensível para um pregador, passou a convocar as pessoas para uma mudança de vida. Dizia que o juízo de Deus era iminente e que, em muito pouco tempo, Deus iria castigar com fogo todos os que não se arrependessem de seus pecados (Mt 3,7).

Deserto com água – As pessoas vinham de todas as regiões para escutar suas pregações e ficavam impressionadas. A todos que aceitavam seus ensinamentos e buscavam uma mudança de vida, João pedia como sinal de arrependimento um banho exterior: o batismo, que ele pessoalmente ministrava no rio Jordão.

No Jordão – Toda a pregação de João se desenvolvia junto ao rio Jordão, o que lhe permitia as cerimônias com água. Mas não tinha um lugar fixo. Às vezes se instalava num braço do rio, próximo ao vilarejo de Betânia, na província da Peréia (Jo 1,28). Outras vezes, mais ao norte, em Enon, próximo a Salim, na Samaria (Jo 3,22). O Evangelho de Lucas afirma que João pregava em toda região do rio Jordão (Lc 3,3), em busca de ouvintes para proclamar sua mensagem e batizar.

Discípulos – Aos poucos, foi se formando ao redor do Batista um pequeno grupo de discípulos que o acompanhava nas sessões batismais (Jo 1, 28.35-37), ajudava nas pregações (Jo 3,23), recebia os ensinamentos mais profundos (Jo 3,26-30), compartilhava sua espiritualidade asceta (Mc 2,18) e a oração (Lc 11.1).

Jesus – No início do ano 27 d.C., Jesus viajou da cidade de Nazaré (na Galiléia) até o vale do rio Jordão, para ver João. Ali, entre as áridas colinas e vales da Judéia, Jesus pôde escutar a mensagem escatológica de João, que podia ser resumida em três idéias: o fim do mundo está próximo; o povo de Israel perdeu seu rumo e pode ser extinto pelo juízo de Deus; é necessário mudar de vida, deixando-se batizar. Jesus aceitou a mensagem de João, como muitos outros judeus, deixando-se batizar (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22).

O novo Mestre – Os Evangelhos descrevem que alguns discípulos de João Batista (André e outro, que se deduz ser Felipe) reconheceram Jesus como Mestre e passaram a segui-Lo (Jo 1,35-37). Logo, esses dois discípulos convidaram outros dois (Pedro e Natanael) para que eles se juntassem ao novo mestre.  Assim, Jesus formou o seu grupo de discípulos, indo para a província da Judéia, onde também batizava (Jo 3,22).


Jesus e João – Os Evangelhos mostram que Jesus integrou o grupo de João Batista, convivendo algum tempo com ele (não se sabe quanto). Depois, como Mestre, passou a empreender seu próprio ministério, com uma metodologia própria, que diferenciava em três pontos de João Batista: não anunciava o castigo iminente de Deus, mas a Sua misericórdia e amor; não permanecia no deserto, mas percorria os povoados e aldeias de toda a Palestina; não jejuava nem fazia abstinência de bebidas, mas comia e bebia com os pecadores.

sábado, 3 de janeiro de 2015

O massacre em Belém


Uma das passagens mais terríveis do Novo Testamento é o relato no Evangelho de Mateus sobre a matança de meninos em Belém. Inúmeras pinturas e filmes têm mostrado as terríveis cenas de crianças sendo arrancadas dos braços de suas mães e mortos pelos soldados de Herodes.

Como aconteceu – O capítulo 2 de Mateus conta que, quando nasceu Jesus, os magos vieram do oriente para Jerusalém e perguntaram ao rei Herodes onde estava o rei dos judeus que acabara de nascer. Herodes, que se considerava o único rei dos judeus, se alarmou com a pergunta, pensando se tratar de alguém que viria tomar-lhe o cargo. Pediu para os magos que, após encontrarem a criança, lhe avisasse, pois também queria conhecê-la. Os magos voltaram por outro caminho.

Tirano – Herodes era obcecado pelo poder. Para mantê-lo, tornou-se um tirano e criminoso: mandou matar dois cunhados, 45 aristocratas, os dois filhos que teve com Mariana (depois de deixá-los presos por um ano), mandou afogar seu cunhado no rio Jordão, mandou matar a sogra, mandou queimar vivo dois sábios; cinco dias antes de morrer (aos 70 anos) mandou matar seu filho Antipater. Também é atribuído a Herodes a morte de sua mulher Mariana. Em 36 anos de reinado não se passou um só dia sem execução de inocentes. Enciumado com o nascimento de Jesus (Mt 2,1-12), mandou matar todos os meninos com menos de dois anos nascidos em Belém. Herodes morreu entre março ou abril do ano 4 a.C. (aproximadamente dois anos após o nascimento de Jesus).

Quantos morreram? – Existe uma grande polêmica sobre a quantidade de meninos que morreram em Belém. Alguns comentaristas da Igreja primitiva diziam que foram 3.000; a Igreja grega diz que foram 14.000; os cristãos sírios elevam este número para 64.000; alguns textos antigos citam 144.000, lembrando o livro do Apocalipse 14,1-5 que fala que “foram 144.000 os mortos que não se contaminaram com mulheres, porque são virgens”. Mas estes números são reais?

Número real – Na realidade, Belém era uma pequena aldeia na época de Jesus Cristo, e sua população não chegava a mil habitantes. Portanto os nascimentos não poderiam ser mais do que 30 crianças por ano. Como a mortalidade infantil era muito elevada nessa época, é provável que apenas a metade dos recém-nascidos chegassem a dois anos; o que faz o número de crianças nascidas por ano (que chegavam a dois anos) cair para 15. Destes, apenas a metade (meninos) foi perseguida por Herodes, o que faz o número cair para 7 meninos por ano. Como as crianças mortas teriam até dois anos (nascidos nos últimos dois anos) esse número chega a 14. Como o Evangelho de Mateus (Mt 2,16) fala em “Belém e seus arredores”, pode ser que esse número seja um pouco maior.

Só 14 – Talvez este pequeno número de mortos explique a não existência de qualquer documento histórico sobre a matança. Apenas Mateus contou essa história. Nem mesmo o grande historiador do primeiro século Flavio Josefo se referiu ao infanticídio. Esse historiador escreveu toda a história do povo judeu, dando ênfase ao governo de Herodes e suas atrocidades.

Mártires – Desde o início da Igreja, os cristãos celebram a memória dos meninos mortos em Belém, os primeiros mártires de Cristo. No século XVI, o Papa Pio V elevou à categoria de “festa litúrgica” comemorada no mês de dezembro (logo após o Natal) como a festa dos Santos Inocentes.