sábado, 30 de setembro de 2023

Compromisso com Deus

  


No Evangelho das missas deste domingo (Mateus 21,28-32), Jesus conta a parábola do homem que tinha dois filhos e pediu para que eles trabalhassem em sua vinha. O primeiro disse “não quero”, mas depois foi; o segundo disse “eu irei”, mas não foi. Qual dos dois realizou a vontade do pai?

 Local – O texto situa-nos em Jerusalém, na etapa final da caminhada terrena de Jesus. Estamos na segunda ou terça-feira da semana da Paixão. Jesus será crucificado na próxima sexta-feira. No sábado anterior, Jesus entrara em Jerusalém e fora recebido em triunfo pela multidão (Mt 21,1-11); no entanto, os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo fazem oposição a Jesus, não reconhecendo-o como o Messias. Há uma tensão no ar, que anuncia a proximidade da paixão e da morte de Jesus.

 Judeus – No quadro que antecede o episódio, os líderes judeus encontraram-se com Jesus no Templo, perguntando-Lhe com que autoridade Ele agia (Mt 21,23-27). Como resposta, Jesus convida-os a se pronunciarem sobre a origem do batismo de João. Os líderes judaicos não quiseram responder: se dissessem que João Baptista não vinha de Deus, tinham medo da reação da multidão (que considerava João um profeta); se admitissem que o batismo de João vinha de Deus, temiam que Jesus lhes perguntasse porque não o aceitaram… Diante do silêncio, Jesus apresenta três parábolas. O nosso texto é a primeira dessas três parábolas.

 Mensagem – A parábola dos dois filhos ilustra duas atitudes diversas diante dos desafios e das propostas de Deus. O primeiro filho foi convidado pelo pai a trabalhar “na vinha”. A sua primeira resposta foi negativa: “não quero”. No contexto familiar da Palestina do tempo de Jesus, trata-se de uma resposta totalmente reprovável; uma atitude deste tipo ia contra todas as convenções sociais, enchia um pai de vergonha e punha em dúvida a sua autoridade diante dos familiares, dos amigos, dos vizinhos. No entanto, este primeiro filho acabou por reconsiderar e por ir trabalhar na vinha.

 Segundo – O segundo filho, diante do mesmo convite, respondeu: “vou, sim, senhor”. Deu ao pai uma resposta satisfatória, que não punha em xeque a sua autoridade e a sua “honra”. Ficou bem visto diante de todos e todos o consideraram um filho exemplar. No entanto, acabou por não ir trabalhar na vinha. A questão posta por Jesus, é: “qual dos dois fez a vontade do pai?” A resposta é tão óbvia que os próprios interlocutores de Jesus não têm qualquer timidez em dizer: “o primeiro”.

 Vontade do Pai – A parábola ensina que, na perspectiva de Deus, o importante não é quem se comportou bem e não escandalizou os outros e sim cumprir, realmente, a vontade do Pai. Na lógica de Deus, não bastam palavras bonitas ou declarações de boas intenções: é preciso uma resposta adequada e coerente aos Seus desafios e às Suas propostas.

 Proposta do Reino – É certo que os fariseus, os sacerdotes, os anciãos do Povo, disseram “sim” a Deus ao aceitar a Lei de Moisés… A sua atitude – assim como a do filho que disse “sim” e depois não foi trabalhar para a vinha – foi irrepreensível do ponto de vista das convenções sociais; mas, do ponto de vista do cumprimento da vontade de Deus, a sua atitude foi uma mentira, pois recusaram-se a acolher o convite de João à conversão. Em contrapartida, aqueles que responderam “política e religiosamente incorreto”, dizendo “não”, cumpriram a vontade do Pai: acolheram o convite de João à conversão e acolheram a proposta do Reino que Jesus veio apresentar (por exemplo, os cobradores de impostos e as prostitutas).

 Judeus e pagãos – Mais tarde, a comunidade de Mateus leu a mesma parábola numa perspectiva um pouco diversa. Ela serviu para iluminar a recusa em aceitar o Evangelho por parte dos judeus e o seu acolhimento por parte dos pagãos. Israel seria esse “filho” que aceitou trabalhar na vinha, mas, na realidade, não cumpriu a vontade do Pai; os pagãos seriam esse “filho” que, aparentemente, esteve sempre à margem dos projetos do Pai, mas aceitou o Evangelho de Jesus e aderiu ao Reino.

sábado, 23 de setembro de 2023

GRATUIDADE E JUSTIÇA

  


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 10,1-16), o evangelista Mateus apresenta um texto de difícil interpretação, conhecida como a parábola dos operários da vinha.

 Chamado – Naquela época as pessoas que queriam trabalhar se reuniam por volta das seis da manhã nas praças das cidades a espera de alguma oferta de trabalho para o dia. O proprietário da vinha ofereceu um denário romano como pagamento aos trabalhadores. Essa moeda era usada como pagamento da diária de um trabalhador comum. Ao longo do dia, esse proprietário recrutou outros trabalhadores para sua vinha (às 09:00, 12:00, 15:00 e 17:00 horas). Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho, e todos (até os que trabalhado apenas uma hora) receberam o mesmo valor: um denário. Isto gerou indignação nos trabalhadores da primeira hora.

 A resposta final – O dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem exceção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam ao fim? Isso em nada deveria afetar os outros…

 Mensagem – A parábola é dirigida às comunidades de judeus que aderiram ao cristianismo e que não admitiam que, no cristianismo, os pagãos se considerassem eleitos de Deus (assim como eles próprios se consideravam) conforme sua tradição do Primeiro Testamento. Assim, na parábola os trabalhadores de última hora (os gentios), ao receberem seu pagamento, são tratados em pé de igualdade com os primeiros que vieram trabalhar na vinha (o povo de Israel).

 Sustento da vida – O texto nos ensina que a lógica do Reino não é a lógica da sociedade vigente. Na nossa sociedade, uma pessoa vale pelo que produz – logo, quem não produz não tem valor. Assim, se faz pouco caso do idoso, aposentado, doente, portador de deficiência... Na parábola, o patrão (símbolo do Pai) usa como critério de pagamento, não a produção, mas o sustento da vida – também o trabalhador da última hora precisa sustentar a família e por isso recebe o valor suficiente, um denário.

 Trabalho – Pode-se analisar nestas imagens o significado do trabalho. O trabalho não é mercadoria que se vende, avaliado pela quantidade da produção que dele resultou. O trabalho é o meio de subsistência das pessoas e da família, bem como é serviço à comunidade, pela partilha de seus frutos. Todos têm direito ao essencial para a sua sobrevivência. Na parábola, a todos foi dado o necessário para a sobrevivência de um dia, independentemente da quantidade de sua produção. A venda do fruto do trabalho por um salário é uma alienação da dignidade do trabalhador. É vender uma parte do seu ser, de seu próprio corpo, do fruto de seu trabalho, para a acumulação de riqueza e prazer do patrão.

 Valores – O Reino de Deus tem valores diferentes da sociedade neoliberal do nosso tempo - a vida é o critério, não a produção. Por isso, quem procura vivenciar os valores do Reino estará na contramão da sociedade dominante. O texto nos convida a imitar o Pai do Céu, lutando por novas relações na sociedade e no trabalho, baseadas no valor da vida, não na produção e consumo. O critério é a gratuidade de Deus Pai, pois tudo o que temos recebemos  Dele e, sendo todos seus filhos amados, a comunidade cristã não pode discriminar pessoas, por qualquer motivo que seja.

sábado, 9 de setembro de 2023

Você conhece a “Epístola de Paulo aos Laodicenses”?

  


Se você conhece um pouco a Bíblia, deve ter estranhado o título acima, pois deve se lembrar que o Apóstolo Paulo escreveu 13 cartas (ou Epístolas): aos Romanos, 1ª e 2ª aos Coríntios, aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, 1ª e 2ª aos Tessalonicenses, 1ª e 2ª a Timóteo, a Filemon e a Tito. Mas, de uma Carta aos Laodicenses (cristãos da cidade de Laodicéia) você nunca dever ter ouvido falar...

 Explicando... – No final de sua missão, Paulo permaneceu na cidade de Éfeso (Ásia Menor) por três anos (At 20, 31). Nesta ocasião, enviou o discípulo Epafras às cidades de Colossas, Laodicéia e Hierápolis (estas cidades distam menos de 20 km entre si) para estabelecer comunidades cristãs. Paulo, entretanto, nunca visitou essas cidades (Col 2,1).

 Evidência – Entre os anos de 55 e 57, quando estava preso, Paulo enviou uma carta aos cristãos de Colossos (Carta aos Colossences, conhecida de todos nós, pois faz parte de nossas Bíblias), na qual faz referência a uma epístola enviada aos cristãos de Laodicéia: “Saúdem os irmãos de Laodicéia, como também Ninfas e a Igreja que se reúne na casa dele. Depois de vocês lerem esta carta, façam que seja lida também na Igreja de Laodicéia. E vocês, leiam a de Laodicéia”. (Col 4,15-16).

 Laodicéia – A Cidade de Laodicéia era localizada na província romana da Frígia, no oeste da Ásia Menor, Laodicéia foi fundada por Antíoco II (261-246 a.C.), que lhe deu este nome em honra de sua mulher, Laodice. Cidade famosa na época de Cristo, por produzir lã e roupas, também era conhecida em todo o mundo oriental por produzir o “pó frígio” – um pó medicinal utilizado para os males dos olhos. Tornou-se tão rica que, quando foi destruída em 60 d.C. por um tremor de terra, os seus cidadãos recusaram a ajuda de Roma e a reconstruíram com os seus próprios recursos. Isso deu fama aos seus cidadãos de soberbos e orgulhosos.

 Apocalipse – A cidade é citada no Livro do Apocalipse (Ap 3,14-22), com repreensões à sua riqueza e ao orgulho de seus cidadãos, que acabaram se afastando dos ensinamentos recebidos e passaram a ser considerados apóstatas. “Você diz: ‘Sou rico! E agora que sou rico, não preciso de mais nada'. Pois então escute: Você é infeliz, miserável, pobre, cego e nu. E nem sabe disso. Quer um conselho? Quer mesmo ficar rico? Então compre o meu ouro, ouro puro, derretido no fogo. Quer se vestir bem? Compre minhas roupas brancas, para cobrir a vergonha da sua nudez. Está querendo enxergar? Pois eu tenho o colírio para seus olhos. Quanto a mim, repreendo e educo todos aqueles que amo. Portanto, seja fervoroso e mude de vida!” (Ap 3, 17-19).

 Hipóteses – O conteúdo da Carta de Paulo aos laodicenses, entretanto, perdeu-se. Na investigação do texto de Paulo aos colossenses, é possível levantar algumas suposições do que poderia ter acontecido à carta endereçada aos laodicenses.

 Carta Circular – A primeira hipótese é que Paulo tenha escrito uma “carta circular”, ou seja, uma carta sem destinatário, enviada às Igrejas da região da cidade de Éfeso. Mais tarde, esta carta circular se transformou na “Epístola aos Efésios”, com a inserção das palavras “em Éfeso” no primeiro versículo do texto (Ef 1,1). As cópias mais antigas da “Carta aos Efésios” (Códices Sinaítico e Vaticano) não têm as palavras “em Éfeso”.

 Troca do nome aos destinatários – Outra suposição é que a carta original havia sido endereçada aos laodicenses, mas, por causa do seu afastamento da Igreja (Ap 3,14-22), os copistas omitiram o nome de Laodicéia e colocaram os efésios como receptores da carta.

 Texto com 20 versículos – No século III, apareceu nas comunidades cristãs um texto intitulado “Epístola de Paulo aos Laodicenses” que, por quase mil anos, gozou de grande estima por parte dos cristãos. O texto não consta de nossas Bíblias e compõe-se apenas um capítulo com 20 versículos. A Carta aparece em documentos da Igreja como a Vulgata Latina (São Jerônimo), no Cânon de Muratori (ano 170), de Fulda (ano 546) e nos Códices Sinaítico e Vaticano.

 QUER SABER MAIS? – Se você se interessou pela “Carta de São Paulo aos Laodicenses” e quer ler o texto, solicite por E-mail que lhe enviaremos o texto completo com comentários.

domingo, 3 de setembro de 2023

Renuncie a si mesmo

 


O Evangelho das missas deste domingo (Mt 16,21-27) vem na sequência daquele que lemos e refletimos no domingo passado. Nele, lá no Norte da Galileia, perto das nascentes do rio Jordão, em Cesareia de Filipe, Jesus fez uma pergunta bastante inocente: "quem dizem os homens que eu sou?” Aparecem inúmeras respostas, pois esta pergunta não compromete ninguém. Mas a segunda pergunta traz a “facada”: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Agora não aparecem muitas respostas, pois quem responde em nome pessoal e não o dos outros, se compromete! Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: “tu és o Messias”. Pedro acertou, e Jesus confirma a verdade do que proclamou! Afirmou que foi através de uma revelação do Pai que Pedro fez a sua profissão de fé. Mas, a continuação do diálogo é mais complicado do que possa parecer.

 Continuando – No trecho deste domingo, as multidões ficaram para trás e Jesus conversa com o grupo de discípulos. Eles acreditam que Jesus é o “Messias, Filho de Deus” e querem partilhar o seu destino de glória e de triunfo. Jesus vai, no entanto, explicar-lhes que o seu messianismo não passa por triunfos e êxitos humanos, mas pela cruz; e vai avisá-los de que viver como discípulo é seguir esse caminho da entrega e do dom da vida.

 Messias – Pois Jesus logo explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo. Muito pelo contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, era ser preso, torturado e assassinado, era dar a vida em favor de muitos. Usando o título messiânico “Filho de Deus” – que vem de Daniel 7,13 – Jesus confirmou que era o Messias, mas não o Messias que Pedro quis. Este, conforme as expectativas do povo do seu tempo, quis um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir – e levar os seus seguidores – até a Cruz!

 Pedro – Por isso Pedro contesta Jesus, pedindo que nada disso acontecesse. E como recompensa ganha uma das frases mais duras da Bíblia: “Afasta-se de mim, satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens.” (v.33). Pedro, cuja proclamação de fé parecia ser tão acertada, é agora chamado de Satanás – o Tentador por excelência! Pedro tinha os títulos certos, mas a prática errada!

 Cruz – E assim, Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor dele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a se mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (v.34). Ter fé em Jesus não é em primeiro lugar um exercício intelectual ou teológico, mas uma prática: o seguimento dele na construção do seu projeto, até as últimas consequências.

 Teoria e prática – Hoje, dois mil anos mais tarde, a segunda pergunta de Jesus ressoa forte. Para nós, quem é Jesus? Não para o catecismo, não para o Papa ou o Bispo, mas para cada de nós pessoalmente? No fundo, a resposta se dá não com palavras, mas pela maneira com que vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus - Ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente! (Jo,10,10). Cuidemos para não cair na tentação do equívoco de Pedro: a de termos a doutrina e a teoria certas, mas a prática errada!