sábado, 24 de novembro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Final – Os livros apócrifos

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 24/11/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Estudamos que a Igreja confirmou em muitos Concílios o cânon completo da Bíblia, enquanto que os protestantes optaram pelo cânon restrito (65 ou 66 livros). A padronização dos textos foi realizada por São Jerônimo sendo chamada de Vulgata Latina. Vimos também que os livros não incluídos no cânon são chamados de ‘apócrifos’, que significa ‘não lido em público’ ou ‘para leitura particular’. Hoje, para encerrar esta série de artigos sobre o cânon bíblico, faremos pequenas descrições sobre os principais apócrifos.

O Evangelho de Tomé – Encontrado em 1945 é o mais famoso livro apócrifo. Contém apenas uma lista de 114 frases atribuídas a Jesus. Não apresenta qualquer informação sobre a vida de Jesus como milagres, ensinamentos, etc., nem descreve o nascimento, viagens, Última Ceia, crucificação e morte de Cristo. Alguns estudiosos indicam o Evangelho de Tomé como anterior aos Evangelhos canônicos, ou seja, o consideram como um pré-evangelho. Das 114 frases atribuídas a Jesus, inúmeras são passagens contidas nos evangelhos canônicos: 47 frases do "Evangelho de Tomé" têm paralelo no Evangelho de Marcos, 17 aparecem em Mateus, 4 em Lucas e 5 em João. 65 frases de Jesus são inéditas.

O Evangelho de Pedro – Descoberto em 1886, no Egito, descreve em detalhes a paixão, condenação, crucificação, enterro e ressurreição de Jesus, acrescentando muitos fatos não narrados nos evangelhos canônicos. Descreve a recusa de Herodes e dos outros judeus a lavar as mãos no julgamento de Cristo; detalha o local do sepultamento de Jesus, num sepulcro no jardim de José de Arimatéia; as últimas palavras de Cristo, citadas nos evangelhos canônicos ("Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes"), são substituídas por "Força minha, força minha, tu me abandonaste".

Proto-Evangelho de Tiago – Fala do nascimento de Maria, de pais estéreis – Ana e Joaquim - de sua educação no Templo até a puberdade, da escolha de José (já velho, viúvo e com seis filhos) para seu esposo, como concebeu virgem e se conservou virgem após o parto. Narra detalhes do nascimento de Jesus (inclusive com uma parteira), descreve a estrela e os magos (citando os seus nomes).

Evangelho Pseudo-Tomé – É um relato da vida de Jesus dos cinco aos doze anos, época em que os Evangelhos canônicos são omissos. Conta inúmeros milagres operados pelo menino Jesus, numa narrativa intimista, afetuosa e simples. Narra também várias conversas de Maria com o menino e a preocupação de José com a educação de Jesus.

Evangelho de Nicodemus – Narra em detalhes os últimos momentos de Jesus: o julgamento, a discussão diante de Pilatos, a crucificação, os ladrões (com seus nomes), o resgate do corpo, o enterro, a ressurreição e a repercussão da morte de Jesus junto ao governo Romano.

sábado, 17 de novembro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 8 – Os textos não incluídos no cânon

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 17/11/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Estudamos que a Igreja confirmou em muitos Concílios o cânon completo da Bíblia, enquanto que os protestantes optaram pelo cânon restrito (65 ou 66 livros). A padronização dos textos foi realizada por São Jerônimo sendo chamada de Vulgata Latina.

O Cânon – Como já estudamos, o catálogo dos textos considerados canônicos se formou espontaneamente nas comunidades cristãs, com os livros lidos em público nas reuniões dominicais. A Igreja oficializou os livros que deveriam formar a Bíblia, tomando por base os textos aceitos pela maioria das comunidades.

Os não incluídos – Os livros não aceitos como canônicos foram chamados de "apócrifos", que significa ‘não lido em público’ ou ‘escondidos’ ou ‘para leitura particular’. No início, os Concílios da Igreja proibiram a leitura destes livros em reuniões das comunidades, o que fez com que eles fossem tomados como falsos ou hereges. Atualmente, é bastante reconhecido o valor histórico destes textos, com suas informações sendo usadas até na liturgia da Igreja.

Dados importantes – Muitos fatos narrados nos apócrifos são usados atualmente pela Igreja: os nomes dos pais de Maria (Joaquim e Ana), gerando as celebrações de Santa Ana e São Joaquim, a apresentação de Maria no templo, a natividade de Maria, o nome de São Dimas (bom ladrão) e Gestas (mau ladrão), o presépio (gruta, jumento e boi), o canto de Verônica, os nomes dos magos, detalhes sobre o noivado de José e Maria, detalhes da infância de Jesus, etc.

Muitos textos – São conhecidos perto de 30 livros apócrifos do Antigo Testamento e mais de 90 do Novo Testamento. Além destes, nas Grutas de Qumran foram descobertos 63 fragmentos de textos escritos no primeiro século. Nos apócrifos podemos encontrar 9 Apocalipses, 14 Atos de Apóstolos, 10 Epístolas (Cartas), 21 Evangelhos, além de inúmeros ensinamentos, descrições, ágrafos, etc.

Apócrifos do A.T. – Dentre os apócrifos da Antigo Testamento, os mais conhecidos são os dois livros do profeta Enoque (citados na Carta de Judas Jd 1,14), o 3º e 4º livros dos Macabeus e o livro de Adão e Eva. Talvez o texto mais interessante seja o "Salmo 151" (como sabemos, na Bíblia existem apenas 150 salmos). O salmo numerado como 151 foi encontrado em vários fragmentos de papiro datados do século II a.C.

Apócrifos do N.T. – No Novo Testamento a quantidade de textos é enorme. Os mais conhecidos são: o Evangelho de Pedro, o Evangelho de Tomé, o Proto-Evangelho de Tiago, o Evangelho de Bartolomeu, o Evangelho de Nicodemos, o Apocalipse de Pedro, o Atos de João, a Epístola de Barnabé, a Didaqué, o Pastor de Hermas, etc.

quinta-feira, 15 de novembro de 2001

Carta do rei Abgaro a Jesus

 

Carta do rei de Edessa pedindo a Jesus a cura de sua lepra e Resposta de Jesus ao rei de Edessa prometendo o envio de um discípulo para curá-lo (séc. IV dC)

 

Abgaro Ukkama V foi rei da cidade de Edessa (Síria) entre 4 aC e 7 dC, quando foi destronado por seu irmão Mahanu IV. Diz a lenda, que, por volta do ano 32 dC, sofrendo de terrível lepra, Abgaro teria escrito uma carta a Jesus pedindo para que Ele fosse até Edessa para curá-lo. Segundo alguns relatos, Jesus mandaria, mais tarde, o apóstolo Tadeu para efetivar a cura do rei.

O texto, entretando, foi composto por volta do ano IV dC e logo traduzido para outros idiomas: siríaco, grego, armênio, copta, latim, árabe e eslavo.

 

Abgaro Ukkama a Jesus, o Bom Médico que apareceu na terra de Jerusalem, saudações:

Escutei falar de Ti e de Tuas curas: que Tu não fazes uso de remédios nem raízes; que, por Tua palavra, abriste os olhos de um cego, fizeste o aleijado andar, limpaste o leproso, fizeste o surdo ouvir; que por Tua palavra tu também expulsaste espíritos daqueles que eram atormentados por demônios imundos; que, outra vez, Tu ressussitaste o morto trazendo-o para a vida.

E, conhecendo as maravilhas que Tu fazes, concluí que das duas uma: ou Tu desceste do céu, ou mais: Tu és o Filho de Deus e por isso fizeste todas essas coisas. Por esse motivo escrevo para Ti, e rezo para que venhas até mim, que Te adoro, e cure toda a doença que carrego, de acordo com a fé que tenho em Ti.

Também soube que os judeus murmuram contra Ti e Te perseguem; que buscam crucificar-Te e destruir-Te. Eu não possuo mais que uma pequena cidade, mas é bela e grande o suficiente para que nós dois vivamos em paz.

 

RESPOSTA DE JESUS AO REI ABGARO


 

Segundo a lenda, a carta escrita por Abgaro teria sido levada a Jesus por seu emissário, Hannan. Os relatos discordam se a resposta de Jesus teria sido passada verbalmente a Hannan ou se Ele próprio teria escrito.

Seja como for, a carta resposta pertence à mesma época da redação da Carta de Abgaro, isto é, séc. IV dC. Tal como esta, a pretensa resposta de Jesus foi fartamente difundida, chegando a ser usada como escapulário por "cristãos" supersticiosos.

 

Feliz és tu que acreditaste em Mim não tendo Me visto, porque está escrito sobre Mim que 'aqueles que me verão não acreditarão em Mim, e aqueles que não me verão acreditarão em Mim'. Quanto ao que escreveste, que eu deveria ir até ti, devo cumprir todas as coisas para as quais fui enviado aqui; quando eu ascender outra vez para o Meu Pai que me enviou, e quando eu tiver ido ter com Ele, Eu te enviarei um dos meus discípulos, que curará todos os teus sofrimentos, e eu te darei saúde outra vez, e converterei todos os que estão contigo para a vida eterna. E tua cidade será abençoada para sempre, e os teus inimigos nunca a dominarão.

sábado, 10 de novembro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 7 – A Vulgata Latina

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 10/11/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Estudamos que a Igreja confirmou em muitos Concílios o cânon completo da Bíblia, enquanto que os protestantes optaram pelo cânon restrito (65 ou 66 livros).

Concílio de Hipona – A 8 de outubro de 393 o plenário do Concílio de Hipona definiu, pela primeira vez, o cânon bíblico como ele é hoje professado pela Igreja Católica. Este cânon foi confirmado pelo Concílio de Florença (1438 a 1445) e pelo Concílio de Trento (1546).

Cópias de cópias de cópias de ... – Com a fixação do cânon oficial da Igreja um problema aconteceu: a grande quantidade de cópias realizadas nos documentos ocasionou uma infinidade de pequenos erros de transcrição. Como já estudamos, as cópias eram realizadas (pelos escribas) nas comunidades e enviadas a outros grupos cristãos. Os originais dos Evangelhos como as primeiras cópias dos manuscritos da época de perseguição dos cristãos haviam se perdido. As sucessivas cópias faziam com que os erros fossem se acumulando, distorcendo o texto.

Mais cópias de cópias de ... – Atualmente, existem 2.300 cópias dos Evangelhos em grego, dos quais apenas 40 foram copiadas antes do século IX e após o século IV. Somente para o Novo Testamento (que contém 150.000 palavras) existem cerca de 200.000 variações causadas pelas sucessivas cópias, que alteram o texto desde pequenas omissões de artigos até a inclusão (ou corte) de capítulos inteiros de livros.

A Vulgata – No ano de 384, o Papa Dâmaso, reconhecendo a diversidade dos textos oficiais da Igreja, confiou a São Jerônimo (secretário do Papa) a uniformização dos livros e a tradução para o latim. O objetivo era buscar as cópias mais antigas, comparar as diferenças, e chegar a um texto mais próximo do original para todos os livros da Bíblia (Novo e Antigo Testamentos). Este texto se chamou Vulgata (popular) Latina (escrita em latim).

São Jerônimo – Um dos grandes doutores da Igreja, nasceu em Estridon, na Dalmácia no ano 347 e faleceu em 419 ou 420. É considerado o maior tradutor da Igreja, principalmente pelo total domínio das línguas bíblicas (hebraico, aramaico, grego). Trabalhou durante 21 anos na pesquisa e tradução dos livros da Bíblia, tendo escrito também 63 volumes de comentários (em latim) sobre os textos bíblicos e mais de cem homilias.

Vulgata Latina – Com o fim do trabalho de S. Jerônimo em 404, o texto da Vulgata Latina foi proclamado como o texto oficial da Bíblia da Igreja. Todos os Concílios que confirmaram o cânon da Igreja, também confirmaram o texto em latim como a Bíblia oficial. Foi o primeiro livro impresso por Gutenberg.

Texto Oficial da Igreja – A Vulgata Latina foi o texto oficial da Igreja entre os anos de 1546 (Concílio de Trento) e 1590. Entre 1590 e 1592 o texto oficial foi a Vulgata Sixtina, promulgada pelo Para Sixtus V (idêntica a Vulgata Latina, com a adição de uma bula que excomungava que a alterasse). Entre 1592 e 1979 o texto oficial foi a Vulgata Clementina, que introduziu 4.900 correções na Vulgata Sixtina. A partir 1979 (até hoje) o texto oficial da Igreja Católica é a Neo-vulgata. Todas as leituras realizadas em cultos oficiais da Igreja Católica são tiradas da Neo-vulgata.

Curioso ? – Vamos verificar a tradução da Bíblia que você tem em sua casa? Verifique primeiro se ela é uma Bíblia Católica, achando o imprimatur (recomendação de impressão de um Bispo Católico). Depois verifique (nas primeiras páginas) os textos originais usados na tradução: se forem textos em latim (São Jerônimo) você tem uma Bíblia baseada na Vulgata; caso os originais sejam em grego ou aramaico, os tradutores se basearam em fontes mais antigas.

sábado, 3 de novembro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 6 – Os Concílios que definiram o Cânon

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 03/11/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Estudamos que os católicos adotaram o cânon completo do Antigo Testamento (45 ou 46 livros), enquanto que os protestantes optaram pelo cânon restrito (38 ou 39 livros). Vimos que o cânon do Novo Testamento se formou espontaneamente dentro das comunidades cristãs, tendo por base as leituras dominicais.

Marcião – O primeiro cristão que tentou padronizar os textos lidos nas comunidades cristãs foi Marcião, por volta do ano 140. Marcião criou, em Roma, um grupo radical chamado de marcionitas, que desenvolveu uma teologia própria, baseada na existência de dois deuses: um deus vingador do Antigo Testamento e um deus bom do Novo Testamento. O seu grupo tinha um Cânon próprio, com apenas um Evangelho (parte de Lucas) e dez cartas de Paulo. Por suas idéias contrárias à Igreja, foi excomungado no ano 144.

Ireneu – Próximo ao final do século II, os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João já eram proclamados canônicos pelo bispo Ireneu. O Novo Testamento, construído em torno dos "Evangelhos quadriformes", começava a tomar forma.

Diatesseron – Um homem culto, natural da Assíria, e de educação grega, chamado Taciano, por volta do ano 173, realizou a tentativa de harmonizar os 4 Evangelhos em um. Este texto (composto em Roma) chamou-se "Diatesseron", sendo usado por vários séculos como Evangelho oficial de muitas comunidades cristãs do Oriente. Veja o texto completo do "Diatesseron" (em inglês) no nosso ‘site’.

Muratori – Em 1740 foi encontrado na Biblioteca de Milão pelo bibliotecário Ludovico Muratori uma lista de textos aceitos pela Igreja no final do século II. Esta lista possui 24 livros, sendo chamada de Cânon de Muratori. São eles: os 4 Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, 13 cartas de Paulo, a Carta de Judas, 1ª e 2ª Cartas de João e o Apocalipse. Além destes também inclui o "Apocalipse de Pedro" e a "Sabedoria de Salomão" que não foram considerados canônicos.

Outras listas – Várias outras tentativas de padronização dos textos cristãos foram empreendidas por `utoridades da Igreja. Tertuliano (ano 200) não aceitava como canônicos a Carta de Tiago, 2ª Carta de Pedro, 2ª e 3ª Cartas João, aceitando o texto de "O Pastor" de Hermas. Orígenes (ano 220) tinha a mesma opinião de Tertuliano, incluindo nos livros não canônicos a Carta de Judas, e aceitando a canonicidade do "Didaqué" e da "Epístola de Barnabé". Eusébio de Cesaréa concordava com Orígenes, mas não aceitava o Apocalipse.

Atanásio – Apenas no ano de 367 apareceu uma lista de livros idêntica ao Novo Tdsp`Lento que conhecemos hoje. Esta lista foi escrita por Atanásio, bispo de Alexandria, numa carta dirigida às comunidades na época da Páscoa.

Concílio de Hipona – A 8 de outubro de 393 o plenário do Concílio de Hipona definiu, pela primeira vez, o cânon bíblico como ele é hoje professado pela Igreja Católica. A deliberação do Concílio foi: "Além das Escrituras canônicas, nada seja lido na Igreja a título de Divinas Escrituras. Estas são as Escrituras canônicas: ..." segue a lista dos 45 livros do A.T. e os 27 dos N.T.

Confirmações – No ano 405, o Papa Inocêncio I (Papa entre 401 e 417) confirmava a lista dos 72 (73) livros. O Papa Gelasiano (Papa entre 492 e 496) também confirmava o Cânon. O Concílio de Florença (realizado entre 1438 e 1445) publicou um Decreto listando os 72 (73) livros inspirados pelo Espírito Santo. Por fim, o Concílio de Trento, em 8 de abril de 1546 reconheceu o Cânon como catálogo oficial dos livros da Bíblia da Igreja Católica.

Lutero – Os Católicos devem ter em mente, de mandir` clara, que o Cânon da Igreja foi definido, de maneira imutável, desde o ano 393 (Concílio de Hipona). Quando Lutero fixou os livros do cânon protestante (em 1517), ele retirou 7 livros (deuterocanônicos) que, há mais de mil anos eram reconhecidos e lidos na Igreja.