sábado, 27 de janeiro de 2001

A Formação dos Evangelhos: Parte 2 – O Martírio de Estevão

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 27/01/2001


Os dois grupos – Entre os judeus de língua grega, havia grande discussão entre aqueles que acreditavam em Jesus (como Estêvão, Filipe e Barnabé) e os que não acreditavam. Os confrontos giravam em torno da centralidade do templo e seus sacrifícios, da observância rigorosa da Lei judaica e da medida em que a cultura grega devia ser aceita ou rejeitada.

Desafio – Estêvão foi desafiado por alguns de seus compatriotas helenistas (judeu com cultura grega) para um debate. Os judeus do Norte da África e da Ásia Menor sentiram-se indignados com as afirmações de Estêvão de que Jesus de Nazaré tornara desnecessários o templo e seus sacrifícios. Estêvão foi levado ao Sinédrio acusado de ter afirmado que Jesus destruirá o templo e modificará os costumes de Moisés.

A defesa de Estêvão – O discurso de Estêvão é mais um ataque aos que o acusavam. Cita que o templo, edifício erguido por mão humanas, se opõe ao modelo de Deus, e que a "Tenda do Testemunho" que Moisés recebera seria um santuário móvel. E, citando Is 66,1-2, mostrou-lhes que Deus não habita numa casa, mas no céu.

Proclamação de Jesus-Deus – No meio de seu discurso, Estevão acusa o Sinédrio pela condenação de Jesus, o Justo, "de quem vós agora vos tornastes traidores e assassinos"! E, com a tranqüilidade de possuir o Espírito Santo, fixa os olhos no céu e proclama: "Eu vejo os Céus abertos, e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus".

O martírio – Quando os judeus ouviram tal informação a respeito de Jesus, que, segundo eles, rejeitara o templo e a lei de Deus, ‘taparam os ouvidos’, arrastaram Estêvão para fora da cidade e apedrejaram-no, enquanto este orava: "Senhor, não lhes leves em conta este pecado".

O primeiro mártir – Estevão é recordado como o primeiro mártir cristão, que deu testemunho de sua fé à custa da própria vida. A sua prece ao morrer, é considerada a primeira oração dirigida a Cristo que se conhece. Após a eliminação de Estêvão, continuaram as perseguições contra os discípulos, conduzidas por Saulo de Tarso (Paulo), que estava presente no apedrejamento de Estêvão.


Perseguições – Após este episódio, intensificaram-se as perseguições contra a Igreja, fazendo com que muitos seguidores deixassem Jerusalém. As perseguições eram principalmente aos cristãos helenistas, não aos cristãos judeus, o que permitiu que os apóstolos permanecessem em Jerusalém.

(na próxima semana falaremos sobre Saulo de Tarso, ou Paulo)

Você sabia que ...

... a morte de Estêvão (e a perseguição aos cristãos) é tomada como um ponto essencial de "explosão" missionária do cristianismo. A Igreja ingressava numa etapa capital, abandonando Jerusalém e passando a pregar o Evangelho "de um lugar para outro" (At 8,4).

sábado, 20 de janeiro de 2001

A Formação dos Evangelhos: As Primeiras Comunidades Cristãs

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 20/01/2001



A Formação dos Evangelhos:

A partir desta semana iniciaremos um estudo sobre todos os acontecimentos que influíram na formação dos textos dos Evangelhos.

Parte 1 - As Primeiras Comunidades Cristãs

A Tradição Oral – Após a morte de Cristo (30 d.C.), os apóstolos passaram a pregar a mensagem e a formar a comunidade de crentes. Inicialmente a pregação se concentrou em Jerusalém, na Judéia, e em toda a Galiléia. Tudo era feito oralmente, baseando-se na força discursiva de Pedro e nos testemunhos dos apóstolos. Era a chamada Tradição Oral que se estendeu por um período de, pelo menos, 15 anos, sustentada pela memória dos apóstolos e discípulos.

A Mensagem – Todo o trabalho dos cristãos dessa época (antes de 50 d.C.) se resumia em proclamar uma mensagem muito simples, baseada na iminente segunda vinda do Senhor e instalação do Reino de Deus (a parúsia imediata). A certeza da volta gloriosa de Cristo tornava desnecessária qualquer preocupação em transcrever a mensagem de Jesus, pois eles estavam convencidos de sua presença física em breve. As palavras de Jesus em Mt 16, 28 são claras: "Eu vos garanto que alguns dos que aqui se encontram não morrerão antes de verem o Filho do Homem vir em seu reino", ou em Mt 24,34: "Em verdade vos digo, esta geração não passará até que tudo aconteça."

Como viviam os cristãos? – O Livro dos Atos dos Apóstolos (At 2, 42-47) nos mostra um belo perfil, com base em uma divisão comunitária dos bens, reuniões participativas, orações e visitas diárias ao templo. Portanto, todas as tradições do judaísmo eram mantidas. Eusébius (no livro A História da Eclesiástica escrito no ano 315) nos informa que os quinze primeiros bispos da Igreja de Jerusalém eram circuncidados e continuavam guardando as tradições judaicas: dietas, liturgias das orações, guardavam os sábados, participavam das festas, inclusive a festa do Dia da Reconciliação (Expiação). Isto pode explicar uma harmonia entre judeus e a comunidade cristã. Portanto cristianismo nascia como um movimento dentro do judaísmo, muito provavelmente rejeitado (ou até desprezado) radicalmente pelos judeus.

Os inimigos – Os maiores opositores ao cristianismo eram os saduceus (nobres, que faziam uma interpretação conservadora, ao pé da letra, dos 5 primeiros livros da Bíblia) e os fariseus (cumpriam o judaísmo com idéias mais amplas, aceitando as tradições mais recentes). Os saduceus não acreditavam na ressurreição dos mortos e os fariseus, embora acreditassem na ressurreição, não acreditavam que Jesus fosse o Messias dos judeus.

As perseguições – No início aconteceram perseguições esporádicas contra os apóstolos, mas, com o passar dos anos os anciãos do Sinédrio começaram a ficar alarmados com a crescente influência dos apóstolos. A cura de um aleijado por Pedro e João nas portas do templo (At 3,7) e a pregação dos apóstolos tornaram os ânimos exaltados. O grupo dos saduceus que compunham o Sinédrio queriam prender os cristãos, com intenção de matá-los (At 5, 33).

Gamaliel – Um fariseu de tendência liberal chamado Gamaliel (mestre de Paulo), ilustre ancião do Sinédrio disse: "Não se preocupem com estes homens, e os soltem. Porque, se o projeto ou atividade deles é de origem humana, será destruído; mas, se vem de Deus, vocês não conseguirão aniquilá-los. Cuidado para não se meterem contra Deus" (At 5,38-39).

O maior incidente entre judeus e cristãos ocorreu com Estêvão ... (mas isso é assunto para a próxima semana)

Você sabia que ...

... Eusébius de Cesaréia viveu entre os anos de 260 e 340, sendo bispo de Cesaréia em 315 ? Escreveu o livro "A História da Eclesiástica, onde descreve os primeiros três séculos do cristianismo. Neste livro (Parte II, I, 1.4) ele cita, por várias vezes, que o grupo primitivo dos cristãos era composto de setenta pessoas. Se você quiser receber este livro na íntegra (em inglês), gratuitamente, solicite pelo E-mail.

sábado, 13 de janeiro de 2001

A Vida Pública de Jesus

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 13/01/2001


A Liturgia da Igreja Católica nos insere no Tempo Comum, concentrando as leituras dos Evangelhos das missas, em passagens da vida pública de Jesus. É considerada como "vida pública de Jesus" o período em que ele é batizado, escolhe seus apóstolos, realiza seus milagres e pregações, profere suas parábolas, funda a Igreja, é traído por Judas, é preso, condenado, crucificado e morto e, por fim, ressuscita dos mortos.

Tempo de Pregação: A maioria dos exegetas (estudiosos da Bíblia) acredita que Jesus realizou tudo isto em apenas 2 anos e seis meses: ele foi batizado em outubro/novembro do ano 27 d.C., com 33 anos de idade e morreu no dia 7 de abril do ano 30, com 36 anos. Estas datas são fundamentadas em:

Início da vida pública: O início do capítulo 3º de Lucas localiza com precisão o começo da vida pública de Jesus: "No ano décimo quinto do império de Tibério César (governou de 13 a 37 d.C.), sendo Poncio Pilatos governador da Judéia (de 26 a 36 d.C.) Herodes Antipas tetrarca da Galiléia (de 2 a.C. a 39 d.C.) Filipe, seu irmão, tetrarca da Ituréia e da província de Traconítides (de 4 a.C. a 34 d.C.) e Lisânias tetrarca da Abilínia (data incerta), sendo pontífices Anás e Caifás (Caifás foi sumo sacerdote de 18 a 36 d.C. e Anás já fora sumo sacerdote de 6 a 15 d.C. e exercia grande influência no ambiente sacerdotal). Lucas (3, 23) também cita que Jesus, quando começou seu ministério, "tinha cerca de 30 anos". O 15º ano do governo de Tibério César vai de outubro de 27 a outubro de 28, o que nos permite localizar o início do ministério de Cristo nos últimos meses do ano 27, com 33/34 anos de idade.

As três Páscoas: O Evangelho de João cita a participação de Jesus em 3 Páscoas:


  • • 1ª Páscoa (março/abril de 28 d.C.), citada em Jo 4,45 e confirmado por Mc 1,14 e Lc 4,14. Nesta permanência de Jesus em Jerusalém teriam ocorrido a expulsão dos vendilhões do Templo (Jo 2,13-22), as pregações (Jo 2,23-25) e a conversa com Nicodemos (Jo 3,1-21). • 2ª Páscoa (em março/abril de 29 d.C.), citada em Jo 6,4, que se confirma com Mc 6, 39 (a época de "grama verde") com Lc 9, 12 (multiplicação dos pães). Em Jerusalém, durante a Páscoa do ano 29, Jesus realizou a cura do paralítico no sábado (Jo 5,1-9), discutiu com os judeus sobre o sábado (Jo 5,10-18) e proclamou o seu poder (Jo 5, 19-47).
    • 3ª Páscoa ( em março/abril de 30 d. C.) citada em Lc 17,11. Na viagem para Jerusalém realiza inúmeros prodígios (veja o final do cap. 17 e todo o cap. 18 de Lucas), entre eles a cura de dez leprosos; conta a parábola da viúva e do juiz dos operários da vinha, encontra o jovem rico. Ao chegar em Betânia realiza a ressurreição de Lázaro, cura os cegos de Jericó, encontra Zaqueu; faz a entrada solene em Jerusalém na noite do sábado (1º de abril de 30); na 2ª e 3ª feiras realiza todas as atividades descritas nos cap. 21, 22, 23, 24 e 25 de Mateus, na 4ª feira é traído por Judas, na 5ª feira realiza a última ceia, na 6ª feira é preso e morto, no domingo ressuscita e aparece 9 vezes.


  • Dois anos e meio: Portanto, se Jesus iniciou sua vida pública (sendo batizado por João) no final do ano 27 e morreu no início de abril do ano 30, concluímos que toda a sua pregação foi realizada em, aproximadamente, 30 meses.


    Você sabia que ...

    ... vários documentos da Igreja indicam períodos diferentes para a vida pública de Jesus? São Irineu (Irenaeus of Lyon – 130-202), em seu livro "Contra as Heresias (Adversus Haereses)" em um momento afirma que Jesus chegou aos 50 anos de idade (15 anos de vida pública) e em outro ponto afirma: "Ele [Cristo] continuou pregando apenas durante um ano depois de seu batismo". Clemente de Alexandria (150 – 215) em seu livro "Stromata" também fala em um ano de pregação. Talvez estes autores tenham sido induzidos pelos versículos do profeta Isaías que falam de "o ano de minha redenção" (Is 63, 4) e "o ano do ajuste de contas" (Is 34, 8). Se você quer saber mais sobre o assunto, solicite pelo endereço ou E-mail abaixo, os livros ‘Contra as Heresias’ e ‘Stromata’ (em inglês) que lhe enviaremos os textos gratuitamente.

    sábado, 6 de janeiro de 2001

    Os Magos e a Estrela

    Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 06/01/2001

    O Evangelho que será lido nas missas deste domingo fala sobre a visita dos magos a Jesus recém-nascido. Vamos detalhar os fatos.

    Quem eram – O nome "mago" poderia assumir significados diversos: um sacerdote persa, um mágico, um propagandista religioso, um adivinho, um astrólogo, um charlatão e até um médico. Alguns exegetas (estudiosos da Bíblia) preferem definir os magos como astrólogos babilônicos, enquanto outros os indicam como sacerdotes da Pérsia.

    Nem três, nem reis – Antigas tradições do cristianismo adicionaram informações ao texto do evangelista. O Evangelho de Mateus não cita qualquer detalhe dos visitantes: diz apenas que eram ‘magos’ e que vinham do ‘oriente’. Os nomes (Baltazar, Melchior e Gaspar), o número de ‘três’ e o título de ‘reis’ devem-se a antigas comunidades cristãs que adicionaram mais detalhes à história. O número de três magos pode ter aparecido com base no número dos presentes (ouro, incenso e mirra) e o reconhecimento de reis, pode ser em razão do evangelista ter citado que eles abriram seus cofres (ou tesouros) para oferecer os presentes ao Recém-nascido (pode ter ocorrido também uma interpretação do Salmo 72 (71), 10-11).

    Os presentes – O ouro era oferecido aos reis. O incenso era queimado a Deus nos altares. A mirra era usada como narcótico para diminuir as dores e embalsamar os cadáveres. Quando misturada ao vinho, a mirra servia de narcótico para amortecer as dores (esta mistura foi oferecida a Jesus na cruz); misturada aos aloés (essência perfumada) usava-se para embalsamar os corpos. Os magos reconheceram Jesus como Rei, Deus e Homem.

    A estrela de Belém – Ao que parece o Evangelho descreve um meteoro, ou uma estrela (astér do original grego) que se movimentava. Muitos escritores, estudiosos e até cientistas tentaram buscar uma explicação racional para a estrela, mas nada de definitivo foi encontrado até hoje. Eis algumas hipóteses: o Cometa Haley, que aparece a cada 76 anos, deve ter sido avistado na Palestina no ano 12 a.C.. Os astrônomos acreditam numa aparição muito fraca e que não corresponde à descrição do evangelista. Estrelas Novas que explodem no final de sua vida formando um grande sinal luminoso no céu. Não existe qualquer confirmação astronômica para este evento, como também não corresponde à descrição de Mateus (uma estrela móvel). Meteoros que brilham por um tempo muito curto, o que não é próprio da estrela de Belém. Conjunção dos Planetas Júpiter e Saturno na constelação de Peixes resultaria num objeto brilhante. Esta explicação não tem sustentação, pois não seria facilmente visível e corresponde a corpos estáticos no céu.