sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Aumenta a nossa fé!


 A leitura do Evangelho deste domingo nos apresenta o pedido dos apóstolos a Jesus: “Aumenta a nossa fé!” (Lucas 17, 5-10).

Reino – Nos ensinamentos anteriores, Jesus tinha avisado os discípulos da dificuldade de percorrer o “caminho do Reino”: disse-lhes que entrar no “Reino” é “entrar pela porta estreita” (Lc 13,24); convidou-os à humildade e à gratuidade (Lc 14,7-14); avisou-os de que é preciso amar mais o “Reino” do que a própria família, os próprios interesses ou os próprios bens (Lc 14,26-33); exigiu-lhes o perdão como atitude permanente (Lc 17,5-6). Agora, são os discípulos que, preocupados com a exigência do “Reino”, pedem mais “fé”.

Coragem – Cabe lembrar que no Novo Testamento a fé não é, primordialmente, a adesão a dogmas ou a um conjunto de verdades abstratas sobre Deus; mas é a adesão a Jesus, à sua proposta, ao seu projeto – ou seja, ao projeto do “Reino”. No entanto, os discípulos têm consciência de que essa adesão não é um caminho cômodo e fácil, pois supõe um compromisso radical, a vitória sobre a própria fragilidade, a coragem de abandonar o comodismo e o egoísmo para seguir um caminho de exigência… Pedir a Jesus que lhes aumente a fé significa, portanto, pedir-lhe que lhes aumente a coragem de optar pelo “Reino” e pela exigência que o “Reino” comporta; significa pedir que lhes dê a decisão para aderirem incondicionalmente à proposta de vida que Jesus lhes veio apresentar.

Atitudes – Lucas reúne nos primeiros dez versículos deste capítulo diversos ensinamentos de Jesus sobre algumas atitudes fundamentais para a vida de quem quer segui-lo pelo caminho do discipulado. Podemos dividir o trecho de hoje em duas partes: versículos de 5 a 7 e versículos de 8 a 10.

Fé – A primeira parte trata da questão da fé inabalável, que deve ser característica do discípulo. Inicia-se o diálogo com os apóstolos expressando diante de Jesus a sua insegurança quanto a sua fé: "Os apóstolos disseram ao Senhor: "Aumenta a nossa fé!". Tal pedido tem outros ecos nos evangelhos. Faz-nos lembrar do pai do moço epiléptico em Marcos: "Eu tenho fé, mas ajude a minha falta de fé!" (Mc 9,24). É a experiência de todo discípulo - acreditamos em Jesus, queremos seguir a sua pessoa e o seu projeto, mas a vida se encarrega de nos demonstrar como é fraca a nossa fé - quantas caídas, traições, incoerências, recaídas....! E o único recurso é pedir este dom gratuito de Deus que ninguém pode merecer, e que é a fé inabalável. Do fundo no nosso ser gritamos com os Doze:"Aumenta a nossa fé!".

Exemplo – Jesus faz uma comparação exagerada (hipérbole) para enfatizar tanto a necessidade da fé quanto a sua força, usando as imagens do grão de mostarda (semente bem pequena), e da amoreira - árvore grande que tem um sistema extenso de raízes: "Se vocês tivessem fé do tamanho de uma semente de mostarda, poderiam dizer a esta amoreira: "Arranque-se daí, e plante-se no mar". E ela obedeceria a vocês".

Comunidade – A segunda parte do trecho fala sobre a atitude correta de quem tem um ofício ou ministério dentro da comunidade cristã... Os fariseus estavam convencidos de que bastava cumprir os mandamentos da Torah para alcançar a salvação: se o homem cumprisse as regras, Deus não teria outro remédio senão salvá-lo… A salvação dependia dos méritos do homem. Deus seria, assim, apenas um contabilista, empenhado em fazer contas para ver se o homem tinha ou não direito à salvação…

Graça – Deve fica claro que Jesus ao dizer que “Somos servos inúteis: fizemos o que devíamos fazer” não está ensinando que os discípulos valem nada, nem que o seu trabalho não tenha valor. O ponto central é que o fato de terem desenvolvido bem as suas tarefas e missão não lhes dão direito de exigir a graça de Deus, por causa dos seus méritos. Tal graça é, e sempre será, um dom, gratuitamente oferecido.


A nossa parte – Hoje nós estamos na mesma situação dos apóstolos - fomos chamados à fé sem mérito algum da nossa parte. Agradecendo a Deus por este dom, assumamos a nossa parte, - a de cumprir bem a missão recebida, sem nos vangloriarmos disso, pois se nós conseguimos fazer bem as coisas, também era porque podíamos contar com a graça de Deus. Sem falsa humildade, mas também sem vaidade, devemos rezar: "Somos empregados inúteis; fizemos o que devíamos fazer".

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Deus ou o dinheiro?


A leitura do Evangelho deste domingo nos apresenta a história do rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31).

Parábola – Trata-se de uma catequese em que se aborda o problema da relação entre o homem e os bens deste mundo. De um lado, o rico que esbanja dinheiro e comida em banquetes e futilidades, e do outro lado o pobre miserável, faminto e doente. Ambos vivem lado a lado, sem que o rico tome conhecimento da existência e dos sofrimentos do pobre. No entanto, a morte dos dois muda radicalmente a situação. Jesus dirige-Se, aqui, aos fariseus, como representantes de todos aqueles que amam o dinheiro e vivem em função dele.

O Rico – Do rico diz-se, apenas, que se vestia de púrpura e linho fino, e que dava esplêndidas festas. De resto, não se diz se ele era mau ou bom, se freqüentava ou não o templo, se explorava os pobres ou se era insensível ao seu sofrimento; no entanto, quando morreu, foi para um lugar de tormentos.

O Pobre – Do pobre Lázaro diz-se, apenas, que dormia ao portão do rico, que estava coberto de chagas, que desejava saciar-se das migalhas que caíam da mesa do rico e que os cães vinham lamber-lhe as chagas; quando morreu, Lázaro foi “levado pelos anjos ao seio de Abraão” (um lugar de honra no banquete presidido por Abraão). Trata-se do “banquete do Reino”, onde os eleitos se juntarão – de acordo com os judeus – com os patriarcas e os profetas. Não se diz, no entanto, se Lázaro levou, na Terra, uma vida exemplar ou se cometeu más ações, se foi um modelo de virtudes ou foi um homem carregado de defeitos, se trabalhava duramente ou se foi um parasita que não quis fazer nada para mudar a sua triste situação…

Ações – Nesta história, não parecem ser as ações boas ou más cometidas neste mundo pelos personagens (não há qualquer referência a isso) que decidem a sorte deles no outro mundo. Então, porque é que um está destinado aos tormentos e outro ao “banquete do Reino”?

Resposta – A resposta só pode ser uma: o que determina a diferença de destinos é a riqueza e a pobreza. O rico conhece os “tormentos” porque é rico; o pobre conhece o “banquete do Reino” porque é pobre. Mas, então, a riqueza será pecado? Aqueles que acumularam riquezas sem lesar ninguém serão culpados de alguma coisa? Ser rico equivale a ser mau e, portanto, a estar destinado aos “tormentos”?

Riqueza – Na perspectiva de Lucas, a riqueza – legítima ou ilegítima – é sempre culpada. Os bens não pertencem a ninguém em particular (nem sequer àqueles que trabalharam duramente para se apossar de uma fatia gorda dos bens que Deus colocou no mundo); mas são dons de Deus, postos à disposição de todos os seus filhos, para serem partilhados e para assegurarem uma vida digna a todos… Quem se apossa – ainda que legitimamente – desses bens em benefício próprio, sem os partilhar, está lesando o projeto de Deus. Quem usa os bens para ter uma vida luxuosa e sem cuidados, esquecendo-se das necessidades dos outros homens, está lesando os seus irmãos que vivem na miséria.

Bens – Nesta história, Jesus ensina que não somos donos dos bens que Deus colocou em nossas mãos, ainda que os tenhamos adquirido de forma legítima: somos apenas administradores, encarregados de partilhar com os irmãos aquilo que pertence a todos. Esquecer isto é viver de forma egoísta e, por isso, estar destinado aos “tormentos”.

Escritura – Na segunda parte do nosso texto, insiste-se em que a Escritura – na qual os fariseus eram peritos – apresenta o caminho seguro para aprender e assumir a atitude correta em relação aos bens. O rico ficou surdo às interpelações da Palavra de Deus (“Moisés e os Profetas”) e isso é que decidiu a sua sorte: ele não quis escutar as interpelações da Palavra e não se deixou transformar por ela. O versículo final expressa perfeitamente a mensagem contida nesta segunda parte: até mesmo os milagres mais espetaculares são inúteis, quando o homem não acolheu no seu coração a Palavra de Deus. Só a Palavra de Deus pode fazer com que o homem corrija as opções erradas, saia do seu egoísmo, aprenda a amar e a partilhar.


Projeto – Anuncia-se, desta forma, que o projeto de Deus passa por um “Reino” de fraternidade, de amor e de partilha. Quem recusa esse projeto e escolhe viver fechado no seu egoísmo e auto-suficiência (os ricos), não pode fazer parte desse mundo novo de fraternidade que Deus quer propor aos homens (a imagem dos “tormentos”, faz parte do folclore oriental e das imagens que os pregadores da época utilizavam para impressionar as pessoas e levá-las a modificar radicalmente o seu comportamento). 

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

As riquezas são para o bem de todos


A liturgia da missa deste domingo (Lc 16,1-13) faz uma reflexão sobre o lugar que o dinheiro e os outros bens materiais devem assumir na nossa vida: os discípulos de Jesus devem evitar que a ganância ou o desejo imoderado do lucro manipulem as suas vidas; em contrapartida, são convidados a procurar os valores do “Reino”.

O administrador astuto – à primeira vista, a história contada por Jesus parece um elogio à pessoa desonesta: um administrador é denunciado ao patrão porque está gerenciando mal os negócios; é chamado e sumariamente demitido, sendo-lhe solicitado que prestasse contas da sua administração. O administrador sabe que naquele momento o seu futuro está em jogo: pergunta-se o que fazer, pesa os prós e contras. Tem a idéia de chamar os devedores e perdoar-lhes parte das dívidas, desde que atestem ter uma dívida menor do que a real, pois desta forma, quando perdesse seu emprego, teria amigos que o receberiam de braços abertos em suas casas. E o próprio Jesus elogia a esperteza do administrador! 

Elogio ao desonesto? – A interpretação popular dessa história traz muitos problemas para os pregadores, pois, aparentemente, Jesus está elogiando quem agisse de maneira desonesta. Tal interpretação é moralmente inaceitável, por isso temos que olhar bem a história. Também é preciso levar em consideração que ninguém que tivesse sido trapaceado de uma forma tão gritante, iria elogiar o trapaceiro: a dívida do primeiro homem era correspondente a 3.650 litros de azeite e ficou reduzida a 1.825 litros; o segundo homem devia 27,5 toneladas de trigo e a redução da dívida fez com que ele pagasse 5,5 toneladas a menos! Se o patrão faz um elogio é porque não foi prejudicado nessa operação. Ou seja, certamente o administrador é que deixou de ganhar o que estava acostumado a lucrar com as comissões sobre os negócios.

Juros e ágio – Para entender melhor esse contexto, é bom saber que os documentos da época atestam que, frequentemente, se usava o sistema aqui relatado. Como a cobrança de juros era proibida pela Lei, o administrador embutia o ágio na "nota promissória". Na verdade, os administradores deviam entregar ao patrão uma determinada quantia; o que conseguissem a mais ficava com eles. O administrador da história, em vez de se transformar em agiota dos devedores, renunciou à parte que lhe cabia no negócio. Ou seja, foi esperto, porque percebeu que no futuro, mais do que dinheiro, precisaria de amigos. Renunciou ao dinheiro para conquistar amigos.

Esperteza – O patrão "elogiou" o administrador desonesto, por sua esperteza! A palavra grega aqui traduzida por "esperteza" significa uma estratégia prática, visando alcançar um fim determinado. Nada tem a ver com a virtude de agir com justiça. Assim, embora possa parecer que a desonestidade estivesse sendo valorizada no relato do evangelista, a interpretação mais exegética diz que o que deve ser imitado não é a desonestidade, mas o bom senso na administração dos bens materiais.

Escolha prudente - “Usem o dinheiro injusto para fazer amigos, e assim, quando o dinheiro faltar, os amigos receberão vocês nas moradas eternas”. Jesus ensina o caminho para transformar a riqueza desonesta em uma riqueza boa; aconselha a fazer uma escolha prudente, pois ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro. Não dá para servir a Deus no domingo e, nos outros dias da semana, trabalhar só para amealhar bens e usufruir deles sem discernimento. Deus é partilha, é ajuda ao que precisa, é perdão à dívida do outro; o dinheiro nos faz pensar apenas nos nossos interesses, a preocuparmo-nos em acumular fortunas, guardar tudo para si e não distribuir nada a ninguém.


Embora seja possível discutir e debater sobre interpretações minuciosas desse trecho do Evangelho de Lucas, uma coisa é inegável: Jesus quer advertir os seus seguidores sobre a tentação de escravizar-se com o dinheiro e, ao mesmo tempo, exigir que a partilha material seja ponto marcante da vivência dos seus discípulos!

domingo, 11 de setembro de 2016

As parábolas da misericórdia


No Evangelho das missas deste domingo (Lc 15, 1-32) Jesus apresenta três parábolas: “A Ovelha Perdida”, “A Moeda Perdida” e “O Filho Pródigo”. São as chamadas “Parábolas da Misericórdia”, pois, de forma privilegiada, expressam o amor de Deus que se derrama sobre os pecadores.

Desafio – O discurso de Jesus é apresentado numa situação concreta. Naquela época, os cobradores de impostos eram tidos como ladrões; os fariseus e escribas, por sua vez, eram cumpridores rigorosos da Lei, não admitiam qualquer contato com pecadores e desclassificados. Sua rigidez moral era tanta, que ao perceberem a aproximação de alguém reconhecidamente pecador, mudavam o seu rumo de direção para evitar cruzar com a pessoa. Assim, ao verem que alguns cobradores de impostos se aproximavam de Jesus e que eram acolhidos, expressaram a sua admiração por verem que Jesus se sentava à mesa com pecadores (isso expressava familiaridade, comunhão de vida e de destinos). É essa crítica que provoca o discurso do Mestre sobre a atitude misericordiosa de Deus.

Ovelha Perdida – É nesse sentido que podemos interpretar a parábola conhecida como a “Ovelha Perdida”. Jesus, diante da intransigência dos fariseus, pergunta: “Se um de vocês tem cem ovelhas e perde uma, será que não deixa as noventa e nove no campo para ir atrás da ovelha que se perdeu, até encontrá-la?”. A resposta razoável é “não” – nenhum pastor, com a cabeça no lugar, deixaria noventa e nove ovelhas à deriva para tentar encontrar uma perdida. Seria loucura! Mas é exatamente aqui que está o sentido da parábola: Deus faz loucuras por amor a nós!! Ele é capaz de fazer o que nenhuma pessoa humana faria – ir atrás da ovelha perdida, custe o que custar, até a encontrar e trazer de volta! Aqui a parábola funciona não por comparação, mas por contraste – Deus é o oposto dos homens, que só agem de maneira calculista; faz loucura – e a loucura do amor consegue o que a razão jamais conseguiria: a volta da ovelha perdida! Assim, se faz contraste entre a atitude de Deus e a dos fariseus e doutores da Lei! Essa parábola nos questiona sobre as nossas atitudes diante das “ovelhas perdidas” das nossas comunidades e famílias! Agimos como os fariseus, com censuras e moralismos, ou como Deus, com a loucura do amor???

Moeda Perdida – A mesma mensagem é retomada na segunda parábola – a da “moeda perdida”. Não que uma dracma (a moeda perdida) fosse de tão grande valor. Mas para o pobre, até uma moeda pequena faz falta! Então, a mulher faz questão de virar a casa (as casas não tinham janelas, por isso precisava acender uma lâmpada) até achá-la. É assim com Deus – talvez a gente ache que uma pessoa não tenha grande valor, mas para Deus ela faz falta e Ele é capaz de “exagerar” para recuperar a pessoa perdida, por tão insignificante que nos possa parecer. Mais uma vez, um contraste com a atitude elitista dos fariseus – e quem sabe, de muitos cristãos hoje!!!

Filho Pródigo – Por fim chegamos à parábola do “Filho Pródigo”, ou do “Pai que perdoa”, ou dos “Dois Irmãos”. Esta parábola pode ser lida sob o ponto de vista de cada um dos personagens: do filho perdido, do Pai ou do irmão mais velho.

Tradicional – O título tradicional implica uma leitura feita na ótica do “filho pródigo”. Assim, ressaltaria o processo de conversão – sentir que está numa situação perdida, decidir pedir perdão ou se reconciliar, ser aceito pelo Pai, reativar os relacionamentos perdidos e estragados. Outra possibilidade é de ler a história sob a ótica do pai. Assim, o pai representa o próprio Deus, que em primeiro lugar, respeita a liberdade de decisão do filho, não impedindo que ele seja “sujeito” da sua própria vida; depois não espera a volta do “pródigo”, mas, corre ao se encontro – numa atitude pouco “digna” de um patriarca oriental idoso – preocupado mais com a reconciliação do que com o prejuízo, e se alegrando com a volta de quem estava “morto”!

Leitura diferente – O contexto do capítulo quinze, à luz dos primeiros versículos, sugere uma leitura diferente – sob a ótica do irmão mais velho. Jesus conta a parábola para contestar a atitude dos fariseus e dos doutores da Lei, que o reprovam porque ele acolhera os pecadores! Então o filho mais velho é imagem dos fariseus – “gente boa”, fiel na observância da Lei, mas cujos corações estavam fechados, ao ponto de serem incapazes de alegrar-se com a volta de um irmão perdido. Assim, embora observassem minuciosamente todas as prescrições da Lei, a sua atitude contradizia claramente a atitude de Deus!

Misericórdia – Aqui Jesus questiona a todos nós que somos “praticantes”. Somos capazes de reconhecer a nossa própria fraqueza e miséria espiritual, como fez o “pródigo”? Somos capazes de correr ao encontro de um irmão perdido, como fez o pai? Ou somos como o irmão mais velho: “gente boa”, gente de “observância”, mas gente incapaz de ter um coração misericordioso e de alegrar-nos com a volta ao estado original do “irmão perdido”?


Deus do perdão – Podemos até dizer que o capítulo quinze de Lucas é o coração do seu Evangelho. Nele, Deus – o Deus de Jesus e o de Lucas – é o Deus que não se alegre com a perda de quem quer que seja, mas, se alegra com a volta do pecador. É o Deus que se encarnou em Jesus de Nazaré, para salvar quem estivesse perdido. É o Deus de misericórdia e do perdão. E quanto a nós, como traduzimos esta visão de Deus em nossas vidas?

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Quem busca Jesus sem a cruz encontrará a cruz sem Jesus





No Evangelho deste domingo (Lc 14, 25-33) Jesus faz um discurso para uma multidão usando palavras duras. Para a explicação deste texto, vamos recorrer ao texto do Pe. Cantalamessa (Pregador do Papa).

Provocante – A passagem do Evangelho deste domingo é uma dessas que dão a tentação de se amenizar por parecer demasiado dura para os ouvidos: “Se alguém vem até mim e não odeia seu pai, sua mãe...”. Antes de tudo há algo a esclarecer: certamente o Evangelho é em certas ocasiões provocante, mas nunca contraditório. Pouco depois, no mesmo Evangelho de Lucas, Jesus recorda com a força o dever de honrar ao pai e a mãe (Lc 18, 20), e a propósito do marido e da mulher, diz que tem de ser uma só carne e que o homem não tem direito de separar o que Deus uniu. Então, como pode dizer-nos agora que há que odiar o pai e a mãe, a mulher, os filhos e os irmãos?

Odiar – Deve-se ter em conta um fato. Em hebraico não há comparativo de superioridade ou de inferioridade (amar a alguém mais ou menos que a outra pessoa); simplifica e reduz todo o “amar” ou “odiar”. A frase “se alguém vem até mim e não odeia seu pai e sua mãe” deve ser entendida, portanto, neste sentido: “se alguém vem até mim sem preferir-me a seu pai e a sua mãe”. Para dar-se conta disto basta ler a mesma passagem do Evangelho de Mateus onde diz: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a mim, não é digno de mim” (Mt 10, 37).

Rival – Seria totalmente equivocado pensar que este amor por Cristo está em competição com os diferentes amores humanos: pelos pais, o cônjuge, os filhos, os irmãos. Cristo não é um “rival no amor” de ninguém e não tem ciúmes de ninguém.

Amores – O amor por Cristo não exclui os demais amores, mas que os guarda. E mais, nele todo amor genuíno encontra seu fundamento, seu apoio e a graça necessária para se vivido até o final. Este é o sentido da “graça de estado” que confere o sacramento do matrimônio aos cônjuges cristãos. Assegura que, em seu amor, serão apoiados e guiados pelo amor que Cristo teve por sua esposa, a Igreja.

Amor – Jesus não faz ilusões a ninguém, mas tampouco desilude; pede tudo porque quer dar tudo; e mais, já o deu todo. Alguém poderia perguntar-se: mas como pode este homem, que viveu há vinte séculos em um lugar perdido do planeta pedir-nos este amor absoluto? A resposta, sem necessidade de remontar-nos muito longe, se encontra em sua vida terrena que conhecemos pela história: ele foi o primeiro a dar tudo pelo homem: “Cristo nos amou e se entregou por nós” (Ef 5, 2).

Cruz – Nesta mesma passagem do Evangelho, Jesus nos recorda também qual é o teste e a prova do verdadeiro amor por ele: “carregar a própria cruz”. Carregar a própria cruz não significa buscar sofrimentos. Cristo tampouco se pôs a buscar sua cruz; em obediência à vontade do Pai, carregou-a sobre si quando os homens se lhe puseram em suas costas, transformando-a com seu amor obediente de instrumento de suplício em sinal de redenção e de glória. Jesus não veio para aumentar as cruzes humanas, mas para dar-lhes um sentido. Com razão, se disse que, “quem busca Jesus sem a cruz, encontrará a cruz sem Jesus”, ou seja, de todos os modos encontrará a cruz, mas sem a força para carregá-la.