sexta-feira, 26 de abril de 2013

A retratação de Galileo Galilei


A história do físico e astrônomo condenado pela Igreja – Na época de Galileo, a Bíblia era interpretada literalmente, ou seja, entendia-se que as coisas haviam acontecido tal como era dito no texto bíblico. Por isso, quando Galileo lançou conceitos astronômicos que contrariavam os ensinamentos da Igreja, o Santo Ofício exigiu uma retratação ou faria valer a condenação à morte pela fogueira. 

Condenação – Na tarde do dia 22 de junho de 1633, entrava na sala de julgamentos do Convento de Santa Maria da Minerva, em Roma, um venerável ancião, de rosto grave, com barba e cabelos brancos. Estava acompanhado pelos empregados do Santo Ofício e acabava de entrar na sede da Inquisição Romana. Perante os cardeais do Santo Tribunal ele tinha dois caminhos: confirmava suas ideias publicadas em dois livros (e morria na fogueira) ou se retratava (e ia para a prisão domiciliar).  

Culpa? – Qual era o pecado cometido por aquele dedicado ancião? Haver escrito dois livros, considerados perigosos. Um, chamado “O mensageiro das estrelas” (em 1611), e outro, “Diálogo sobre os maiores sistemas do mundo” (em 1632), nos quais explicava que a Terra não era o centro do universo e que o Sol não girava em torno da Terra (como se acreditava até então), mas sim era a Terra que girava em torno do Sol e que este estava parado no centro do universo. 

Retratação – Para livrá-lo da morte, o Santo Ofício obrigou-o a ler em voz alta: “Eu, Galileo Galilei, filho de Vicente Galilei, Fiorentino, 70 anos de idade, ... diante os Sagrados Evangelhos que toco com minhas mãos, juro que sempre cri, creio agora e crerei no futuro o que ensina a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, ... por ter me convertido em altamente suspeito de heresia por ensinar a doutrina de que o Sol está imóvel no centro do mundo e que não é a Terra que está fixa no centro, ... com o coração sincero e autêntica fé abjuro, maldigo e renuncio a todos os erros e heresias mencionados e a qualquer outro erro contrário a Santa Igreja e juro não ensina-los oralmente nem por escrito”.  

Lenda – Conta uma lenda que, quando Galileo se retirava cansado e vencido daquela majestosa cerimônia, logo após ter jurado solenemente que a Terra não se movia, ao chegar à porta da sala, deu meia volta, olhou os assistentes e murmurou: “Mas, sem dúvida, se move”. Seja ou não verdade, o certo é que a frase atribuída ao cientista italiano se converteu no símbolo da resistência interior, na figura daqueles que, sob pressão, são obrigados a negar suas crenças, mas interiormente não podem renegar suas convicções.

Argumentos – Que argumentos usaram os cardeais do Santo Ofício para condenar Galileo? Os cardeais diziam que os ensinamentos de Galileo sobre o heliocentrismo (assim se chama a teoria de que o Sol está fixo no centro do universo e que a Terra gira) contradizem a Bíblia, mais diretamente o Livro de Josué 10, 1-15, onde é descrita a famosa batalha de Guibeon em que o Sol parou durante um dia inteiro.

Santo Ofício – Para refutar os ensinamentos de Galileo, o Santo Ofício usou o argumento da Batalha de Guibeon: “Se o Sol parou em Guibeon é porque se move”. Como pôde Galileo afirmar que o Sol está parado? Quem tem razão: a Palavra de Deus ou Galileo? Com as coisas colocadas dessa maneira, não havia nenhuma possibilidade de escapar de uma condenação sem a retratação...
 

O Método – O grande trunfo de Galileo Galilei foi não enfrentar o Santo Ofício com dados que contrariavam a Bíblia ou a doutrina da Igreja. Galileo publicou um método, por meio do qual se obtém aquelas informações. Com esse método, inúmeros físicos chegaram aos mesmos dados de Galileo, confirmando o heliocentrismo e publicando as informações desta nova concepção do universo.  

Novos tempos – O episódio de Galileu Galilei e outros que se seguiram (Lamark em 1809 e Darwin em 1859) abalaram a, até então, visão bíblica e teológica de mundo. À Igreja coube reconhecer que somente as questões de fé eram de alcance da Teologia e que novas teorias e descobertas cabiam à Ciência. Na sequência dos acontecimentos, Galileu Galilei passou a ser reconhecido como “pai” da Metodologia Científica. 

Galileo tinha razão – Hoje, a Igreja reconhece que não se deve interpretar a Bíblia ao pé da letra, mas buscar a intenção de seus autores para poder descobrir sua mensagem. Por isso o Papa João Paulo II, em 1992, reconheceu que a Igreja havia se equivocado ao condenar Galileo, pedindo publicamente perdão. Com este gesto, o Papa pôde fechar finalmente uma ferida que estava aberta durante 350 anos. 

Fé e razão – “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” (João Paulo II, Encíclica Fides et Ratio, prólogo).

sábado, 20 de abril de 2013

Uma Igreja para todos


Na primeira leitura das missas deste domingo (At 13,14.43-52), Paulo e Barnabé chegam à Antioquia e, no sábado, pregam o Evangelho de Cristo na sinagoga. Após uma discussão com os judeus, são expulsos da cidade.
 

Atos dos Apóstolos – A partir do capítulo 13, os “Atos dos Apóstolos” apresentam o “caminho” da Igreja no mundo greco-romano. O protagonista humano desta nova etapa será Paulo (embora sempre animado e conduzido pelo Espírito do Senhor ressuscitado). 

Missionários – Tudo começa quando a comunidade cristã de Antioquia da Síria, ansiosa por fazer a Boa Nova de Jesus chegar a todos os povos, envia Barnabé e Paulo a evangelizar. Entre 13,1 e 15,35, Lucas (o autor dos “Atos”) descreve o “envio” dos missionários, a viagem, a evangelização de Chipre e da Ásia Menor (Perga, Antioquia da Pisídia, Icónio, Listra, Derbe) e os problemas colocados à jovem Igreja pela entrada maciça de gentios. 

Antioquia – Este texto, em concreto, situa-nos na cidade de Antioquia da Pisídia, no interior da Ásia Menor. Nos versículos anteriores, o autor dos “Atos” pôs na boca de Paulo um longo discurso, que resume a catequese primitiva sobre Jesus e que enquadra no plano de Deus a proposta de salvação que Jesus veio trazer (At 13,16-41). Qual será a resposta ao anúncio, quer por parte dos judeus, quer por parte dos pagãos que escutaram a mensagem? 

Duas atitudes – A questão central gira, portanto, à volta da reação de judeus e pagãos ao anúncio de salvação apresentado por Paulo e Barnabé. O texto põe em confronto duas atitudes diversas diante da proposta cristã:  

Os Judeus – a daqueles que pensavam ter o monopólio de Deus e da verdade, mas que estavam instalados nas suas certezas, no seu orgulho, na sua autossuficiência, nas suas leis definidas e comodamente arrumadas e não estavam, realmente, dispostos a “embarcar” na aventura do seguimento de Cristo;  

Os pagãos – e a daqueles que, no desafio do Evangelho, descobriram a vida verdadeira, aceitaram questionar-se, quiseram arriscar e responderam com alegria e entusiasmo à proposta libertadora que Deus lhes fez por intermédio dos missionários (pagãos). 

Universal – A Boa Nova de Jesus é, portanto, uma proposta que é dirigida a todos os homens, de todas as raças e nações; não se trata de uma proposta fechada, exclusivista, destinada a um grupo de eleitos, mas de uma proposta universal, que se destina a todos os homens, sem exceção.  

Vida nova – O que é decisivo não é ter nascido neste ou naquele ambiente, mas é a capacidade de se deixar desafiar pela proposta de Jesus, de acolher com simplicidade, alegria e entusiasmo essa proposta e de partir, todos os dias, para esse caminho onde o nosso Deus nos propõe encontrar a vida nova, a vida verdadeira, a vida total.

sábado, 13 de abril de 2013

Simão, tu me amas?

No Evangelho das missas deste domingo (Jo 21,1-19) Jesus pergunta três vezes a Simão Pedro: “Simão, tu me amas?”. Nas três vezes Pedro responde: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Por que Jesus perguntou três vezes? Ele não estava contente com a resposta? Pedro respondeu de forma errada? Vamos esclarecer a questão.  

Raiz do problema – Todo o problema dessa passagem do Evangelho de João está na tradução das palavras de Jesus. Na língua portuguesa usamos sempre o mesmo verbo “amar”, para qualquer sentimento amoroso a que queremos nos referir. Na língua grega (em que foram compostos os Evangelhos), existem quatro verbos distintos para indicar “amar”, cada um com sentidos diferentes. 

Amor romântico – Em primeiro lugar, temos o verbo erao (de onde vem a palavra eros e seu adjetivo erótico). Significa amar em seu sentido romântico, carnal, sexual. Emprega-se para a atração entre um homem e uma mulher em seu aspecto espontâneo e instintivo. Na Bíblia aparece o verbo “erao” várias vezes: “O rei amou (erao) a Éster mais que as outras mulheres de sua corte” (Est 2,17). “Vou reunir todos os que te amaram (erao)” (Ez 16,37).   

Amor familiar – Outro verbo grego que significa amar é stergo. Indica o amor familiar, o carinho do pai por seu filho e do filho pelo pai. É o amor doméstico, de família, que brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo, em sua Carta aos Romanos, escreve: “Tenham uma caridade sem fingimento: amem-se cordialmente (stergo) uns aos outros” (Rom 12,10).  

Amor de amigos – O terceiro verbo grego usado para designar “amor” é fileo. Expressa o amor da amizade, o afeto que se sente pelos amigos. Quando Lázaro, o amigo de Jesus, estava doente, as suas irmãs mandaram dizer: “Senhor, aquele a quem tu amas (fileo) está enfermo” (Jo 11,3). Quando Maria Madalena não encontra o corpo de Jesus no sepulcro, sai correndo para encontrar Pedro “e o outro discípulo que Jesus amava (fileo)” (Jo 20,2). Na parábola do filho pródigo, o irmão reclama ao pai: “Faz tantos anos que te sirvo e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com meus amigos (filos)” (Lc 15,29).  

Amor caritativo – O quarto verbo grego para “amar” é agapao. É utilizado para o amor de caridade, de benevolência, de boa vontade, o amor capaz de dar sem esperar nada em troca. É o amor totalmente desinteressado, completamente abnegado, o amor com sacrifício. O autor do Evangelho de João usa o verbo “agapao” na descrição da Última Ceia: “Sabendo Jesus que havia chegado a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado (agapao) aos seus, os amou até o fim” (Jo 13,1).  Ou ainda: “Como o Pai me amou, eu também os amo (agapao)” (Jo 15,9). E quando encontra os apóstolos: “Nada tem maior amor (agápe) do que dar a vida por seus amigos” (Jo 15,13). 

Amar os inimigos? – Um exemplo interessante é o episódio em que Jesus ordena que se ame os inimigos. Jesus não utilizou o verbo erao, nem stergo nem fileo. Usou o verbo agapao. Jesus nunca pediu que amássemos os inimigos do mesmo modo que amamos nossos entes queridos. Nem pretendeu que sentíssemos o mesmo afeto que sentimos por nosso cônjuge (erao), nossos familiares (stergo) ou nossos amigos (fileo). Se quisesse isso teria usado os outros verbos. O que Jesus exige é o amor ágape. Não nos obriga a sentir apreço ou estima, nem devolver a amizade por quem nos tenha ofendido. O que Jesus pede é caridade, se algum dia aquele que nos ofendeu necessitar.

Jogo de Palavras – Voltando agora à pergunta que Jesus fez a Pedro. “Simão, filho de João, amas-me mais que estes?”. Jesus usa o verbo agapao: “Simon, agapás me?”. Pedro lhe responde com fileo: “Filo se”. Jesus pergunta a Pedro se ele o ama com amor total, amor-entrega, amor-serviço, amor que compromete a fundo a vida, sem esperar recompensa. E Pedro lhe responde, humildemente, com fileo, menos pretensioso. Na segunda vez, Jesus volta a perguntar: “Simon, agapás me? E Pedro novamente responde com fileo. Na terceira vez, Jesus, sabendo esperar com paciência o processo de maturidade de cada um, usa o verbo fileo: “Simon, fileis me? Então, Pedro, mesmo ficando triste, identifica-se com a pergunta e responde a ela nos mesmos termos (“filo se”). E Jesus aceita a resposta, mas prediz que o amor de Pedro não irá parar ali, crescerá, amadurecerá e chegará ao agapao solicitado, pois um dia haveria de dar sua vida pelo Mestre (Jo 21, 18-19).

sábado, 6 de abril de 2013

O Apocalipse de João


A segunda leitura das missas deste domingo é o início do Livro do Apocalipse. O texto é uma visão de João, que apresenta Jesus caminhando lado a lado com sua Igreja. Vamos refletir.  

Época – Estamos nos finais do reinado de Domiciano (por volta do ano 95); os cristãos eram perseguidos de forma violenta e organizada e parecia que todos os poderes do mundo se voltavam contra os seguidores de Cristo. Muitos cristãos, cheios de medo, abandonavam o Evangelho e passavam para o lado do império. Na comunidade dizia-se: “Jesus é o Senhor”; mas lá fora, quem mandava mesmo como senhor todo-poderoso era o Imperador de Roma. 

Apocalipse – É neste contexto de perseguição, de medo e de martírio que vai ser escrito o Apocalipse. O objetivo do autor é apresentar aos crentes um convite à conversão (capítulos de 1 a 3) e uma leitura profética da história que os ajude a enfrentar a tempestade com esperança e a acreditar na vitória final de Deus e dos crentes (capítulos de 4 a 22). 

A leitura – O texto da segunda leitura deste domingo pertence à primeira parte do livro. Nele, apresenta-se – recorrendo à linguagem simbólica, pois é através dos símbolos que melhor se expressa a realidade do mistério – o “Filho do Homem”: é Ele o Senhor da história e Aquele através de quem Deus revela aos homens o seu projeto. 

Jesus – Esse “Filho do Homem” é Cristo ressuscitado. Para descrevê-lo em pormenor, o autor (João, exilado na ilha de Patmos por causa do Evangelho) vai recorrer a símbolos herdados do mundo do Velho Testamento que sublinham, antes de mais, a divindade de Jesus. 

Preside a Igreja – Este “Filho do Homem” é apresentado como o Senhor que preside à sua Igreja (no versículo 12, os sete candelabros representam a totalidade da Igreja de Jesus; recordar que o sete é o número que indica plenitude, totalidade) e que caminha no meio dela e com ela (versículo 13a). 

É Sacerdote – Ele está revestido de dignidade sacerdotal (a longa túnica, distintivo da dignidade sacerdotal revela que Ele é, agora, o verdadeiro intermediário entre Deus e os homens – versículo 13b) e possui dignidade real (o cinto de ouro, porque n’Ele reside a realeza e a autoridade sobre a história, o mundo e a Igreja – versículo 13c). 

É o Cristo – Sobretudo, Ele é o Cristo do mistério pascal: esteve morto, voltou à vida e é agora o Senhor da vida que derrotou a morte (versículo 18). A história começa e acaba n’Ele (versículo 17b). Por isso, os cristãos nada terão a temer.

Profeta – A João, Cristo ressuscitado confia a missão profética de testemunhar. O fato de João cair por terra como morto e o fato de o Senhor o reanimar com um gesto (versículo 17) fazem-nos pensar em vários relatos de vocação profética do Antigo Testamento. O “profeta” João é, pois, enviado às igrejas; a sua missão é anunciar uma mensagem de esperança que permita enfrentar o medo e a perseguição. Sobretudo, é chamado a anunciar a todos os cristãos que Jesus ressuscitado está vivo, que caminha no meio da sua Igreja e que, com Ele, nenhum mal nos acontecerá, pois é Ele que preside à história.