sábado, 28 de janeiro de 2023

Quantos eram os apóstolos? – conclusão

  


Na semana passada, vimos que o Novo Testamento nos apresenta quatro listas dos apóstolos (Mc 3, 16-19; Mt 10, 2-4; Lucas 6, 14-16 e At 1, 13). Quando estas listas são comparadas, elas apresentam alguns problemas, com nomes diferentes e até mesmo uma mulher recebe o título de apóstolo.

 Quantos eram, afinal, os apóstolos? A esta altura, já é evidente que não eram doze. Por que, então, nós falamos sempre em doze apóstolos?

 Porque Doze – Antigamente, o povo de Israel era formado por doze tribos. Mas, no século 8 a.C., ao sofrer uma invasão por parte dos assírios, dez delas desapareceram. No século 6 a.C., as tribos que restavam também sofreram a invasão dos babilônicos, mas uma delas se salvou: a tribo de Judá (de onde vem o nome atual de “judeus”). Os profetas predisseram que chegaria um dia em que Deus voltaria a reunir as doze tribos de Israel. Recordando essas profecias, Jesus buscou entre seus seguidores doze homens, um de cada tribo perdida, e os fez seus discípulos imediatos. Era uma maneira de dizer que Deus estava começando um novo povo. As profecias, pois, se haviam cumprido em Jesus. Os novos tempos haviam chegado.

 Apóstolos? – Mas os doze homens eleitos por Jesus nunca se chamaram “apóstolos”, mas simplesmente os “Doze”. Por quê? Porque a palavra “apóstolo” significa “enviado”. E, enquanto Jesus viveu, os doze não se separaram dele. Estavam ao seu lado, o acompanharam em suas viagens, o ajudaram em seus milagres e curas e, de vez em quando, iam pregar em seu nome; mas não os “enviou” de um modo permanente a nenhum lugar. Sempre voltavam a ele. Por isso, a maioria das vezes nos Evangelhos não se diz “os doze apóstolos”, mas somente os “Doze”: Jesus elegeu os Doze (Mc 3, 14); perguntaram-lhe os Doze (Mc 4, 10); tomou os Doze (Mc 10, 32), saiu com os Doze (Mc 11, 11); reuniu os Doze (Mt 20, 17); o acompanhavam os Doze (Lc 8, 1); acercaram-lhe os Doze (Lc 9, 12); Judas, um dos Doze (Jo 6, 71).

 Enviados – A partir da ressurreição de Jesus, os Doze compreenderam que o Senhor os mandava pregar o Evangelho a todos os povos. Então se sentiram “enviados” e decidiram criar o título de apóstolo (enviado) para designar essa nova missão que tinham. Por isso os “Doze” receberam também o título de “apóstolos”, que nunca haviam recebido durante a vida de Jesus.

 Outros – Além dos Doze, muitas outras pessoas também se sentiram “enviadas” e quiseram sair a pregar o Evangelho de Jesus (ex-leprosos, cegos curados, discípulos, gente que o havia conhecido e escutado). Que fazer com toda essa gente?

 Critérios para ser Apóstolo – Os Doze pensaram que não era qualquer um que podia ser um enviado oficial de Jesus Cristo, já que existia o perigo de que a doutrina se desviasse. Então resolveram colocar duas condições para que alguém mais, além dos Doze, pudesse ser chamado de apóstolo: a) ter visto Jesus Ressuscitado; e, b) ter recebido de Jesus a missão de pregar.

 Os primeiros apóstolos – Dessa maneira foi se formando um grupo mais amplo de apóstolos, dedicados principalmente ao anúncio e pregação do Evangelho. Os “Doze” constituíam um grupo distinto ao dos “apóstolos”. Vejam as palavras de Paulo: “Apareceu a Cefas, logo aos Doze..., logo a todos os apóstolos, e em último lugar a mim” (1Cor 15, 5-8).

 Os Doze e os apóstolos – Pouco a pouco os Doze foram desaparecendo. A última vez em que são citados no Novo Testamento é em Atos (6, 2), na eleição dos sete diáconos. Depois não são mencionados nunca mais. Então os “apóstolos” passaram a ser os de maior prestígio e autoridade dentro da Igreja. Com o transcorrer do tempo, desapareceram também os apóstolos, esse grupo privilegiado de testemunhas de Jesus Cristo, e surgiram outros ministros novos, como os presbíteros, os diáconos, os bispos. Mas ninguém voltou a ter o título oficial de apóstolo.

 As listas – Quando, a partir do ano 70, se escreveram os Evangelhos, os nomes de alguns dos Doze que acompanharam Jesus foram se perdendo, pois não se teve mais notícias deles e se mesclaram com os outros apóstolos posteriores. Por isso, ao confeccionar as diversas listas, colocaram nomes diferentes. E como fazia muito tempo que os “Doze” também eram chamados “apóstolos”, em algumas partes do Evangelho se misturaram ambos os títulos e puseram “os doze apóstolos” (Mt 10,2; Lc 6, 13), como se houvessem sido os únicos apóstolos. Daí procede nossa confusão atual.  

domingo, 22 de janeiro de 2023

Quantos eram os apóstolos?

  


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 4,12-23), Jesus chama os primeiros apóstolos. É comum falar dos “doze apóstolos” de Jesus. Pinturas, quadros e esculturas fizeram famosa a cena do Mestre rodeado por seus doze amigos íntimos e contribuíram para imortalizar esse número, que hoje ninguém mais discute. Mas, os apóstolos de Jesus eram realmente doze? No Novo Testamento aparecem quatro vezes a lista com os nomes dos doze apóstolos (Mc 3, 16-19; Mt 10, 2-4; Lucas 6, 14-16 e At 1, 13). Delas, podemos observar alguns dados.

 Os mais próximos – Se tomarmos em primeiro lugar a lista de Mateus, veremos que começa com Simão Pedro. É um dos apóstolos de quem mais dados temos. Sabemos que era oriundo de Betsaida (Jo 1, 44), mas tinha sua moradia em Carfanaum (Mt 8, 14), onde ganhava a vida como pescador no Lago da Galileia. Era casado (1 Cor 9,5) e vivia com seu irmão André e sua sogra (Mc 1, 29-30). O segundo da lista é André, irmão de Simão Pedro. Como este, era oriundo de Betsaida e vivia em Carfanaum, dedicando-se à pesca. Tiago e João eram igualmente pescadores do lago da Galileia (Mc 1, 19) e parece que gozavam de boa posição econômica, já que o pai de ambos, Zebedeu, era dono de uma pequena empresa pesqueira. Pedro, Tiago e João (sem André) constituíam um grupo especial dentro dos doze apóstolos e eram, de alguma forma, os preferidos de Jesus, já que lhes concedeu alguns privilégios. E unicamente a eles colocou um nome novo: a Simão chamou “Pedro”, e a Tiago e João, “Boanerges”, que significa “filhos do trovão” (Mc 3, 17).

 Os menos famosos – Os outros oito apóstolos são menos conhecidos. De Felipe, o quinto da lista, só sabemos que era também de Betsaida e, ao que parece, muito amigo de André (Jo 12, 20-22). De Bartolomeu, o sexto, não sabemos nada. De Tomé, o sétimo, sabemos que tinha como apelido "Gêmeo", mas não se conta de quem. Foi ele quem convenceu os demais apóstolos a acompanharem Jesus, por ocasião da morte de Lázaro (Jo 11, 6-16); e foi ele quem duvidou das aparições do Senhor Ressuscitado (Jo 20, 24-29), pelo que foi chamado de incrédulo. De Mateus sabemos que era um cobrador de impostos. Dos três apóstolos que seguem – Tiago, filho de Alfeu; Tadeu e Simão, o zelote – não temos nenhum detalhe de suas vidas. E ao final da lista aparece Judas Iscariotes, o que entregou Jesus às autoridades judaicas que o mataram.

 Problemas – Esta lista de Mateus coincide com a de Marcos. O problema aparece ao compará-la com as outras duas (de Lucas e Atos), porque nestas aparecem um apóstolo novo: um tal Judas, filho de Tiago (Lc 6, 16, At 1, 13). Quem é este Judas? Como nestas duas listas não há Tadeu, a solução que se encontrou foi que este Judas (de Lucas e Atos) fosse a mesma pessoa que Tadeu (de Mateus e Marcos). E o chamam Judas Tadeu. Mas, essa identificação carece de fundamento bíblico.

 Mais problemas – Se prosseguirmos lendo os Evangelhos, veremos que Marcos narra a vocação de outro apóstolo, chamado Levi, cobrador de impostos. Por que ele tampouco aparece na lista dos doze? Aqui a tradição solucionou o problema do mesmo modo: identificando Levi com Mateus. O que não é possível, porque Marcos apresenta Levi e Mateus como pessoas claramente distintas: uma em uma lista dos nomes (Mc 3, 18) e outra no relato de sua vocação (Mc 2, 13-14). Por sua vez, o Evangelho de João relata a vocação de um apóstolo chamado Natanael (1, 45-51), que não está em nenhuma das quatro listas. Para poder seguir mantendo o número doze, a tradição o identificou com Bartolomeu, sem nenhuma razão válida.

 Mais apóstolos? Vemos, pois, como os Evangelhos mencionam mais de doze apóstolos. Porém, se continuarmos buscando no Novo Testamento, encontraremos que Paulo e Barnabé eram também apóstolos (Atos 14, 14); que Silvano e Timóteo figuram como apóstolos (1 Ts 2, 5-7); que “Tiago, irmão do Senhor” é chamado apóstolo (Gálatas 1, 19); que Apolo é apóstolo (1 Cor 4, 6.9); e inclusive Andrônico e Júnia (uma mulher!) têm o título de apóstolos (Rm 16, 7).

 Quantos eram, afinal, os apóstolos? A esta altura, já é evidente que não eram doze. Por que, então, nós falamos sempre em doze apóstolos? Bem ....  Isto nós veremos na próxima semana.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Por que Jesus foi batizado?

  


No primeiro domingo depois da Epifania, celebra-se tradicionalmente a Festa do Batismo do Senhor. Assim, o Evangelho (Mc 1,7-11 e Jo 1,14a.12a) apresenta o encontro entre Jesus e João Batista, nas margens do rio Jordão.

 Problema – O batismo de Jesus no Rio Jordão é tão importante teologicamente, que é tratado por cada um dos quatro evangelistas de maneira diferente, de acordo com a situação de suas comunidades e dos seus interesses teológicos. A narração do batizado de Jesus logo se tornou um problema para os primeiros cristãos, pois levantava a questão de como Jesus, sem pecado, podia ter sido batizado num ritual de purificação dos pecados.

 O batismo nos evangelhos – Por isso, Mateus deixa de fora a referência que Marcos (1, 4) faz ao perdão dos pecados (“E foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados”) e adiciona os versículos 14 e 15 (“João procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim?’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘Por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou.”). Para o evangelista João, o batismo era tão difícil de ser harmonizado com a sua cristologia, que omite qualquer referência ao batismo e, no seu lugar, faz com que João Batista aponte Jesus como o "Cordeiro de Deus" (Jo 1, 29-34).

 Situação política, social e religiosa da época – No primeiro século da era cristã, a religião judaica havia caído num profundo desinteresse, num profundo estado de abatimento moral e físico das pessoas. A situação política opressora, que reinava no país, com o domínio do Império Romano; a espera por um Salvador que não chegava nunca; a vida escandalosa da classe governante e a degradação dos sacerdotes do Templo (mais preocupados com seus próprios interesses) foi esfriando a devoção das pessoas e desanimando a prática religiosa.

 O clamor do deserto – Frente a este panorama, surge João (filho único de Zacarias, sacerdote do Templo), um homem que buscou injetar novas forças ao judaísmo decadente. Com sua linguagem implacável e dureza insensível para um pregador, passou a convocar as pessoas para uma mudança de vida. Dizia que o juízo de Deus era iminente e que, em muito pouco tempo, Deus iria castigar com fogo todos os que não se arrependessem de seus pecados (Mt 3,7).

 Deserto com água – As pessoas vinham de todas as regiões para escutar suas pregações e ficavam impressionadas. A todos que aceitavam seus ensinamentos e buscavam uma mudança de vida, João pedia como sinal de arrependimento um banho exterior: o batismo, que ele pessoalmente ministrava no rio Jordão.

 No Jordão – Toda a pregação de João se desenvolvia junto ao rio Jordão, o que lhe permitia as cerimônias com água. Mas não tinha um lugar fixo. Aos poucos, foi se formando ao redor do Batista um pequeno grupo de discípulos que o acompanhava nas sessões batismais (Jo 1, 28.35-37), ajudava nas pregações (Jo 3,23), recebia os ensinamentos mais profundos (Jo 3,26-30), compartilhava sua espiritualidade asceta (Mc 2,18) e a oração (Lc 11.1).

  Jesus – No início do ano 27 d.C., Jesus viajou da cidade de Nazaré (na Galiléia) até o vale do rio Jordão, para ver João. Ali, entre as áridas colinas e vales da Judéia, Jesus pôde escutar a mensagem escatológica de João, que podia ser resumida em três idéias: o fim do mundo está próximo; o povo de Israel perdeu seu rumo e pode ser extinto pelo juízo de Deus; é necessário mudar de vida, deixando-se batizar. Jesus aceitou a mensagem de João, como muitos outros judeus, deixando-se batizar (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22).

 Jesus e João – Os Evangelhos mostram que Jesus integrou o grupo de João Batista, convivendo algum tempo com ele (não se sabe quanto). Depois, como Mestre, passou a empreender seu próprio ministério, com uma metodologia própria, que diferenciava em três pontos de João Batista: não anunciava o castigo iminente de Deus, mas a Sua misericórdia e amor; não permanecia no deserto, mas percorria os povoados e aldeias de toda a Palestina; não jejuava nem fazia abstinência de bebidas, mas comia e bebia com os pecadores.

sábado, 7 de janeiro de 2023

Magos: verdades e lendas



Evangelho – O Evangelho de Mateus (Mt 1,1) cita que Jesus foi visitado por “alguns magos”.  Descreve que eles foram guiados por uma estrela e que entregaram três presentes para o menino Jesus: ouro, incenso e mirra.  Estas são as únicas informações que temos sobre os magos; tudo o que aparece, além disso, são histórias, tradições, lendas, fábulas.  Vamos ver algumas:

 Os três reis magos – No segundo século da era cristã, as comunidades cristãs já diziam que os magos eram reis e eram em número de três. Isto em razão dos presentes recebidos por Jesus: apenas os reis presenteavam com ouro e os três presentes davam a entender que eram três pessoas.  Apareceram também os nomes dos magos: Baltazar (que significa ‘rei da luz’), Melchior (‘protetor de reis’) e Gaspar (‘vencedor de tudo’).  A única evidência histórica que existe nestes nomes é que, na Pérsia (lugar onde havia muitos magos), entre os anos 19 e 65 da era cristã, viveu um príncipe de nome Gundofarr (que apresenta alguma semelhança a Gaspar).

Mais lendas – Passaram-se mais alguns séculos e criaram a descrição física dos magos. Melquior era velho, ponderado, prudente, sisudo, de barba e cabelos longos e grisalhos; Gaspar era jovem, sem barba e louro; Baltazar era negro e totalmente barbado. A ideia da procedência persa dos magos influenciou até as roupas com que aparecem representados: chapéu redondo na cabeça, camisa curta presa por um cinturão, calças estreitas e uma capa por cima. Exatamente como os reis persas se vestiam.

Restos mortais – De acordo com uma tradição medieval, os magos teriam se reencontrado quase 50 anos depois do primeiro Natal, em Sewa, uma cidade da Turquia, aonde viriam a falecer. No ano de 474, os restos mortais dos três magos foram sepultados em Constantinopla e depois transferidos para Milão, na Itália. Em 1164 foram transferidos para a cidade de Colônia, na Alemanha, onde foi erguida a belíssima Catedral dos Reis Magos, que os guarda até hoje.

 A Lenda do Quarto Rei Mago – Uma antiga história conta que existia um quarto rei mago, que se chamava Artabam. Os quatro venderam tudo o que tinham e compraram os presentes. Artabam escolheu, como presentes, pedras preciosas: um rubi, uma esmeralda e diamantes. Quando estava a caminho de Belém, escutou gemidos de um homem – assaltado e largado à beira do caminho. Comovido, colocou-o no seu camelo, o levou a uma pousada próxima, cuidando dele até que se recuperasse. Como pagamento entregou o rubi ao dono da pousada.

 Sozinho – Procurou a trilha dos outros reis magos, mas a estrela já tinha desaparecido do céu. Continuou sozinho seu caminho, pois no fundo do coração, sabia que algum dia iria encontrar seu Rei. A certa altura da caminhada, avistou uma caravana vindo em sua direção e viu que se tratava de um comboio de escravos, que eram levados para a morte. Sentindo compaixão e amor, pegou a esmeralda e os diamantes e comprou os escravos, libertando-os em seguida.  Quando todos já haviam partido, Artabam ficou sozinho.

 Encontro – O Sol se pôs e a escuridão tomou conta do deserto. Não tinha mais presentes para oferecer, não havia mais a estrela-guia, tinha perdido o contato com seus três amigos. Nunca desistiu de encontrar o seu Rei.  Um dia, passando próximo à Jerusalém, encontrou três homens crucificados.  Um deles lhe perguntou o que procurava.  Artabam respondeu que há mais de 30 anos buscava o Rei dos Judeus.  O homem lhe disse: “Pois acaba de encontrar!”.