sábado, 29 de julho de 2017

MENSAGEM AOS POLÍTICOS


A primeira leitura das missas deste domingo (1Reis 3, 5.7-12) apresenta-nos o rei Salomão refletindo sobre o seu reinado. Ele é o protótipo do homem sábio, que consegue perceber e escolher o que é importante e que não se deixa seduzir e alienar por valores passageiros.

O texto – O Senhor apareceu em sonhos a Salomão e disse-lhe: “Pede o que quiseres”. Consciente da grandeza da sua tarefa e das suas próprias limitações, o jovem rei pede a Deus que lhe dê um coração “sábio” para governar com justiça. A prece do rei é atendida e Deus concede a Salomão uma “sabedoria” inigualável, acrescentado três dons: a riqueza, a glória e a longa vida (confira em 1Re 3,13-14).

Davi – O grande rei David morreu por volta de 972 a.C., após um reinado longo e fecundo, ocupado a expandir as fronteiras do reino, a consolidar a união entre as tribos do norte e do sul e a conquistar a paz e a tranquilidade para o Povo de Deus. Sucedeu-lhe no trono o filho, Salomão.

Filho de Davi – Salomão desenvolveu um trabalho meritório na estruturação do reino que o pai lhe legou. Organizou a divisão administrativa do território que herdou, dotou-o de grandes construções (das quais a mais emblemática é o Templo de Jerusalém), fortificou as cidades mais importantes, potenciou o intercâmbio cultural e comercial com os países da zona, incentivou e apoiou a cultura e as artes.

Estrutura administrativa – Preocupado com a constituição de uma classe política preparada para as tarefas da governação, Salomão recrutou “sábios” estrangeiros (sobretudo egípcios) para a sua corte e rodeou-se de homens que se distinguiam pelo seu “saber”, pela sua justiça e prudência. Esses “quadros”, além de aconselharem o rei, tinham também a tarefa de preparar os futuros “funcionários” para desempenharem funções no aparelho governativo montado por Salomão.

Sabedoria – A corte de Salomão tornou-se, assim, um “viveiro” de “sabedoria”. Os “sábios” de Salomão coligiram provérbios, redigiram “máximas” de carácter sapiencial, deram “instruções” (sobre as virtudes que deviam ser cultivadas para ter êxito e para ser feliz). Nesta fase, também redigiram-se crónicas sobre os reinados anteriores e publicaram-se textos sobre as tradições dos antepassados (surgem, nesta época, as primeiras tradições do Pentateuco). Não admira, portanto, que Salomão tenha ficado na memória histórica de Israel como o protótipo do rei sábio, “cuja sabedoria excedia a todos os orientais e egípcios” (1 Re 4,30).

Herança – Salomão é também, historicamente, o primeiro rei que “herda” o trono. Até agora, os seus predecessores não chegaram ao trono por herança, mas receberam-no das mãos de Deus (segundo a visão “religiosa” dos catequistas bíblicos). Os teólogos de Israel vão, pois, esforçar-se por sacralizar o poder de Salomão e demonstrar que, se Salomão chegou a governar o Povo de Deus, não foi apenas por um direito hereditário (sempre contestável), mas pela vontade de Deus.

O nosso texto – O texto que hoje nos é proposto supõe todo este enquadramento. O chamado “sonho de Gabaon” (1Re 3,5) é uma ficção literária montada pelos teólogos deuteronomistas (grupo com as ideias teológicas apresentadas no Livro do Deuteronômio) com uma dupla finalidade: apresentar Salomão como o escolhido de Javé e justificar a sua proverbial “sabedoria”.

Mensagem aos políticos – Salomão não planejou o seu reinado como um privilégio pessoal que podia ser usado em benefício próprio, mas sim como um ministério que lhe foi confiado por Deus. Salomão tinha consciência de que a autoridade é um serviço que deve ser exercido com “sabedoria” e que o objetivo final desse serviço é a realização do bem comum.


Sabedoria – O aspecto mais importante do tema da liturgia deste domingo é a “qualidade” da resposta de Salomão: ele não pede riqueza nem glória, mas pede as aptidões necessárias e a capacidade para cumprir bem a missão que Deus lhe confiou. Salomão aparece aqui como o modelo do homem que sabe escolher as coisas importantes e que não se deixa distrair por valores passageiros. Dizer que a súplica de Salomão “agradou ao Senhor” (vers. 10) é propor aos israelitas que optem pelos valores eternos, duradouros e essenciais.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Por que Jesus ensinava por parábolas?




Nos três domingos de julho os Evangelhos das missas apresentam-nos as sete “Parábolas do Reino”, contidas no capítulo 13 do Evangelho de Mateus.

Sete parábolas – Dessas parábolas, três procedem da tradição sinótica (o semeador, o grão de mostarda, o fermento), ou seja, também estão nos Evangelhos de Marcos e Lucas; as outras quatro (o trigo e o joio, o tesouro escondido, a pérola preciosa, a rede) não se encontram nem em Marcos, nem em Lucas. Provavelmente, são originárias da antiga fonte dos “ditos” de Jesus (conhecido como “Evangelho Q”), que Mateus usou abundantemente na composição do seu Evangelho.

Interpretação – A preocupação do evangelista Mateus é sempre a vida da sua comunidade. Nestas sete parábolas e na interpretação que as acompanha, percebe-se a preocupação de um pastor que procura exortar, animar, ensinar e fortalecer a fé desses crentes a quem o Evangelho se destina.

Nas missas – No domingo passado vimos a parábola do “semeador e da semente” (Mt 13,1-23); neste domingo se apresentam as parábolas “do joio e do trigo, grão de mostarda e do fermento” (Mt 13, 24-43) e no próximo domingo leremos as parábolas do tesouro, da pérola e da rede com peixes (Mt 13, 44-52).

O porquê das parábolas – Os próprios discípulos perguntaram a Jesus: “Por que lhes falas em parábolas?”. Porque a linguagem parabólica é uma linguagem rica, expressiva, questionante; porque a “parábola” é uma excelente arma de controvérsia, muito útil em contextos polêmicos; porque a “parábola” faz as pessoas pensar e incita-as à procura da verdade. Por tudo isto, as “parábolas” são uma linguagem privilegiada para apresentar o Reino, para incitar as pessoas a descobrir o Reino e para as levar a aderir ao Reino.

O que é? – A “parábola” é uma imagem ou comparação, através da qual se ilustra uma determinada mensagem ou ensinamento. A linguagem parabólica não foi inventada por Jesus. É uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio Oriente: o estilo oriental gosta mais de falar e de instruir através de imagens, de comparações e de alegorias, do que através dos discursos lógicos, frios e racionais, típicos da civilização ocidental.

Vantagens – A linguagem parabólica tem várias vantagens em relação a um discurso mais lógico e impositivo. Em primeiro lugar, porque a imagem ou comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito mais rica em força de comunicação e em poder de evocação, do que a simples exposição teórica: é mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, mexe mais com os ouvintes.


Mais vantagens – Em segundo lugar, porque é uma excelente arma de controvérsia: a linguagem figurada permite levar o interlocutor a admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. Em terceiro lugar, porque é um verdadeiro método pedagógico, que ensina as pessoas a refletir, a medir os prós e os contras, a encontrar soluções para os dilemas que a vida põe: espicaça a curiosidade, incita à busca, convida a descobrir a verdade.

sábado, 15 de julho de 2017

Uma dúvida sobre o Evangelho do domingo passado: o que motivou Jesus a fazer aqueles ensinamentos?



A Coluna Ser Católico recebeu vários E-mails com dúvidas sobre o Evangelho das missas de domingo passado (Mt 11,25-30). No Evangelho, Jesus pronuncia estas palavras: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”.

 

Dúvida – As dúvidas se referiam à motivação que levou Jesus a proferir tais palavras, quando são comparados os Evangelhos de Mateus e Lucas.

 

Mateus – No Evangelho de Mateus o texto se desenvolve da seguinte maneira: nos versículos anteriores ao texto (Mt 11,20-24), Jesus havia dirigido uma veemente crítica aos habitantes de algumas cidades situadas à volta do lago de Tiberíades (Corozaim, Betsaida, Cafarnaum), porque foram testemunhas da sua proposta de salvação e mantiveram-se indiferentes.

 

Ainda Mateus – Jesus chega a comparar estas cidades a Tiro e Sodoma: “Pois se os milagres realizados no meio de ti se tivessem produzido em Sodoma, ela existiria até hoje”. Lembrar que Sodoma e Gomorra foram destruídas (Gn 20,25) por Deus em razão dos pecados de seus moradores.

 

Mais Mateus – O autor do Evangelho de Mateus (lembrar que o texto de Mateus foi composto nos anos 80 – talvez 90 – quando o Apóstolo Mateus já havia morrido) optou por colocar as palavras de Jesus (“Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”) logo após a lamentação sobre as cidades da Galiléia.

 

Lucas – No Evangelho de Lucas o texto tem o seguinte desenvolvimento: nos versículos anteriores ao texto (Lc 10, 17-20), Lucas descreve o retorno dos setenta e dois discípulos que foram enviados às cidades como missionários. Estes voltaram dizendo que “até os demônios nos obedecem por causa do teu nome”.

 

Ainda Lucas – Na composição de seu Evangelho, Lucas optou por colocar as palavras de Jesus (“Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”) logo após o relato dos discípulos sobre a pregação.

 

O que aconteceu? – As palavras de Jesus contidas nos textos provêm de um documento (anterior aos Evangelhos) que reuniu os “ditos” de Jesus e que, tanto Mateus como Lucas, utilizaram na composição de seus Evangelhos. É o chamado “Evangelho Q”.

 

Evangelho Q – É um documento hipotético, composto apenas de frases de Cristo, necessário para a formação dos Evangelhos sinóticos. Os estudiosos alemães que iniciaram as pesquisas o chamaram de “Documento quelle” (fonte), que foi abreviado para Q. Poderia ser melhor considerado como um Evangelho pré-cristão, já que foi composto (em grego) por volta dos anos 50 d.C., antes de qualquer livro do Novo Testamento.  É importante por conter os pensamentos, comportamentos e expectativas mais primitivas dos seguidores de Jesus. Foi usado como material de fonte pelos autores dos Evangelhos de Mateus e Lucas, e pelo autor do Evangelho de Tomé (apócrifo).

 

Concluindo – Não podemos definir a motivação que levou Jesus a pronunciar as frases, pois foram retiradas de um texto anterior e montadas nos Evangelhos de Mateus e Lucas. Provavelmente, foram pronunciadas em ambientes diversos dos apresentados nos dois textos.

 

QUER SABER MAIS? Se você gostou do assunto abordado e quer aprender mais, podemos lhe oferecer um estudo sobre a “Formação dos Evangelhos” e um texto sobre o “Documento Q”. Solicite por E-mail.