sábado, 26 de março de 2022

DIMAS: O BOM LADRÃO

 


 Nesta sexta-feira (25 de março) comemoramos a festa de São Dimas. Dimas, o bom ladrão, como é chamado, também morreu pregado em uma cruz, ao lado de Jesus. Eram então três condenados: Jesus e os dois ladrões.

 

Quem era – Pouco sabemos sobre a vida real ou lendária de São Dimas. Conta-se que era filho de casal piedoso, mas perdeu a mãe quando era pequeno e foi criado pelo pai com muito carinho, temor a Deus e acreditando que tinha um espírito que continuaria vivendo após a morte deste corpo. Acreditava que essa vida espiritual dependia dos bálsamos, mortalha, sepultura digna, tudo o que fosse dispensado aos corpos após a morte, pois todo corpo abandonado e insepulto teria seu espírito vagando sem nunca conseguir o repouso eterno.

 

Vingança – Dimas estava com 18 anos quando seu pai morreu e surgiu um cobrador confiscando todos os seus bens.  Não deixou nem o suficiente para o sepultamento, ficando o corpo insepulto durante seis dias, sendo depois atirado numa vala comum, destinada aos leprosos, que eram os proscritos da sociedade. Dimas, arrasado, jurou vingar-se.

 

Ladrão – Precisou implorar uma arma a um vendedor, prometendo que voltaria algum dia para pagá-lo. Após matar o cobrador do pai, tornando-se um fora da lei, passou a roubar viajantes e caravanas. Conseguindo dinheiro, pagou o punhal comprado, mas, agora, era um assassino e ladrão, assim, passou a viver nas montanhas e chefiou bandidos dos Montes da Samaria.

 

José e Maria – Diz a lenda que, apesar de bandido, acolhia e ajudava os pobres viajantes e certa vez deu pernoite a viajantes que fugiam para o Egito: José, Maria e o Menino Jesus, abrigando-os de uma tempestade.

 

Jesus – Os anos foram passando, Dimas escutou algumas pregações e milagres de Jesus e resolveu abandonar a vida de criminoso. Enquanto Dimas estava foragido, Barrabás, um assassino feroz que estava preso, em troca de melhor comida na prisão, delatou Dimas, que foi preso e condenado à crucificação.

 

No Paraíso – Na Bíblia, encontramos Jesus crucificado entre dois ladrões. Enquanto um blasfema, o outro fala a Jesus: ”Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no Teu reino” (Lc 23,40). Jesus, além do perdão, promete-lhe a vida eterna: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). A Tradição afirma que o agraciado com a promessa do paraíso, ainda naquele mesmo dia, é Dimas.

 

Da cruz ao paraíso – Jesus quer realizar o seu reino numa sociedade de irmãos e filhos de Deus. Até o momento de sua morte, vemos o que foi a constante de Sua vida: a preferência pelos pecadores, marginalizados e pobres. Por isso mesmo, até no último momento, oferece o Paraíso ao Bom Ladrão que se arrependeu e acreditou nele. Da humilhação e fraqueza suprema da cruz, Cristo Jesus aparece como rei vencedor do pecado e da morte.

 

Ressurreição – A promessa que faz a Dimas revela esta vitória e é a garantia de nossa esperança cristã. A partir da morte e ressurreição de Jesus, que é também a sua glorificação, estão abertas as portas do Paraíso, que Adão nos tinha fechado. Fica inaugurado o reino da Ressurreição dos mortos. Jesus quer reinar a partir da cruz e não a partir do poder, e quer realizar seu reino numa sociedade de irmãos entre si e de filhos de Deus.

 

Dimas em Bauru – Em nossa cidade existe uma paróquia que tem Dimas como padroeiro. É a Paróquia de São Judas Tadeu e São Dimas, localizada nos altos da cidade.

sexta-feira, 11 de março de 2022

Verônica e o véu com a imagem do rosto de Cristo

 


 Se você costuma participar das cerimônias da Semana Santa, especialmente nas procissões da Sexta-Feira, já terá visto o momento em que uma “Verônica” desenrola um véu com o rosto de Cristo. De acordo com a Tradição, Verônica foi uma mulher piedosa de Jerusalém que, comovida com o sofrimento de Jesus ao carregar a cruz até o Calvário, deu-lhe seu véu para que ele pudesse limpar o rosto. Jesus aceitou a oferta e, após utilizá-lo, devolveu-o à piedosa mulher. E então, a imagem de seu rosto estava milagrosamente impresso nele. Este véu é conhecido como "Véu de Verônica". Desde os primórdios do cristianismo a Igreja acolheu a Tradição sobre Santa Verônica, e o enxugamento da Sagrada Face de Jesus, realizado por ela, passou a ser a Sexta Estação da Via Sacra, que é rezada pelos cristãos há séculos.

 

Vera+icon – O nome "Verônica" em si é uma forma latinizada de Berenice, um nome macedônio que significa "portador da vitória". A etimologia popular atribui sua origem às palavras "verdade" (em latim: vera) e "imagem" (em grego: eikon). Assim, o nome Verônica vem da combinação das palavras vera+icon (verdadeira imagem).

 

História – Não há referência à história de Santa Verônica e seu véu nos Evangelhos canônicos. Ao que parece, a história começou com o milagre de Jesus curando a mulher com sangramento, no qual ela é curada ao tocar a barra do manto de Jesus (Mt 9,20-22 e Lc 8,43-48). Em seguida, o livro apócrifo “Atos de Pilatos” identificou esta mulher como Berenice ou Verônica. A história foi mais elaborada depois (em outro livro apócrifo chamado “Cura de Tibério” ou “A Vingança do Salvador”), com a adição da história de Cristo dando a ela um autorretrato, num tecido com o qual ela posteriormente viajou para Roma e curou o imperador romano Tibério. Apenas no ano de 1380 surgiu a história da aparição milagrosa da imagem durante a crucificação.

 

Via Sacra – A oração da Via Sacra nasceu com o franciscanismo (São Francisco de Assis, 1182-1226), na Idade Média. O objetivo era reconstruir a via dolorosa de Cristo, do pretório até o Calvário. Nesta reconstrução, muitas histórias da Tradição (não existentes nos Evangelhos) foram incorporadas à Via Crucis, como as três quedas de Jesus e o encontro com Verônica. Em Jerusalém existe inclusive uma capela que recorda este acontecimento.

 

O véu – Existem muitas histórias sobre o véu de Verônica. O pano esteve em Constantinopla, no ano de 574, sendo enviado secretamente à Roma. Documentos atestam que o Véu estava em Roma no século XII, quando o Papa Inocêncio III (1198-1216) incentivou muito seu culto e instituiu uma procissão anual da Via Crucis. O Véu permaneceu exposto durante muitos séculos na Basílica de São Pedro e existem desenhos do altar onde ele ficava. Durante muitos anos, o Vaticano fez cópias do Véu da Verônica, as quais foram enviadas a igrejas ou a príncipes católicos. É por isso que em igrejas e museus de diversas cidades europeias é possível encontrar algumas reproduções tidas como autênticas do “Véu da Verônica”.

 

Autêntica? – Na cidade italiana de Manoppello (190 km de Roma) existe um quadro medindo 17,5 x 24 cm, que abriga uma imagem da face de Cristo desde 1638. Alguns estudiosos acreditam que esta relíquia pode ser, sim, o véu de Santa Verônica, porque ele contém vários mistérios. O primeiro deles é que o tecido é feito de bisso marítimo, um fio finíssimo, como o de seda, gerado por um molusco abundante no mar mediterrâneo. O tecido formado pela trama deste fio é muito resistente, transparente e não pode ser pintado, isto é, nenhuma tinta adere a ele. Além disso, a Face de Cristo de Manoppello pode ser sobreposta à Face do Santo Sudário de Turim, pois tem proporções idênticas, refletem a mesma face, inclusive com os mesmos hematomas e manchas de sangue.

 

Santa Verônica – Na Igreja Católica, Verônica é considerada uma santa, a patrona da França e a protetora das lavadeiras. É comemorada na terça-feira antes da quarta-feira de Cinzas, o mesmo dia da comemoração da Santa Face de Cristo.

Pilatos: obstinado, leviano, autoritário, covarde e ... santo?

 


 Estamos na Quaresma, e daqui a seis semanas estaremos lendo a Paixão de Cristo. Vamos iniciar estas semanas escrevendo sobre um personagem bastante conhecido: Pilatos

 Quem era? Pilatos foi governador da Judéia e Samaria do ano 26 a 36 d.C., em substituição a Arquelau (filho de Herodes, o Grande). Governava com base na cidade de Cesaréia, com 5600 soldados. Quando viajava para Jerusalém, residia na fortaleza Antonia, ao lado do Templo. Tinha aversão aos judeus e seus sacerdotes. O historiador Flavio Josefo (no livro Guerra dos Judeus) conta dois episódios entre Pilatos e os judeus: logo que chegou à Jerusalém, Pilatos distribuiu imagens (bustos) do imperador Tibério pela cidade, causando uma grande revolta; depois, Pilatos se apropriou (usando violência) dos tesouros do Templo para financiar um aqueduto (de 50 km) para trazer água para a cidade.

 Julgamento de Jesus – Na leitura da Paixão de Cristo, nos Evangelhos, Pilatos recebe a comitiva dos chefes dos sacerdotes judeus (do Sinédrio), pedindo a condenação à morte de Jesus. Fica clara a postura de Pilatos em absolver o condenado. Usou três estratégias na tentativa da absolvição: primeiro, enviou o prisioneiro a Herodes Antipas, o rei da Galiléia. Fracassou, pois Herodes mandou Jesus de volta. A segunda tentativa (já que nem ele nem Herodes não viam culpa em Jesus) foi dar como pena o açoite, para colocá-lo em liberdade. Também não deu certo, pois os judeus continuavam pedindo para crucificá-lo.  A terceira tentativa foi colocar Jesus junto com Barrabás, para o povo escolher quem teria a liberdade. Também não deu certo.

 Ameaça – Com o povo gritando: "Só temos um rei, que é César", Pilatos não tinha mais saída. A sua obediência (e temor) ao Imperador Tibério bloqueavam as suas ações. Num gesto inusitado (e até teatral), mostrando que conhecia as tradições judaicas, pediu uma bacia com água e lavou as mãos, livrando-se de qualquer responsabilidade do que viria a acontecer com Jesus. Cabe lembrar que “lavar as mãos” era uma maneira judaica (não romana) de expressar a não-participação em derramamento de sangue (Deuteronômio 21,6-7).

 Cristãos – O último evento registrado da carreira de Pilatos foi uma intervenção militar no Monte Garizim (ano 36), onde muitos Samaritanos foram mortos. Após este conflito, Pilatos foi chamado a Roma para explicar suas ações ao imperador (Tibério faleceu antes de ouvir Pilatos). Segundo os autores cristãos Tertuliano (autor cristão, padre apostólico, viveu entre 160 e 220 d.C) e Eusébio de Cesaréia (bispo de Cesaréia e pai da história da Igreja, viveu entre 263 e 339), o imperador Tibério, baseado no relatório de Pilatos sobre Jesus, apresentou ao Senado Romano os fatos que haviam acontecido na Palestina, que revelavam a divindade de Cristo, propondo o reconhecimento da religião cristã. O Senado rejeitou a proposta, adiando em 300 anos a proclamação, que viria com Constantino.

 

Santo? – Existem três hipóteses para a morte de Pilatos: foi punido e exilado pelo imperador Calígula; suicidou-se no exílio (na Gália); converteu-se, com a cumplicidade da esposa, ao cristianismo. Se essa história contada por Tertuliano e Eusébio for verdadeira, a figura do Governador da Judéia merece ser revisada; aquela manhã de 7 de abril do ano 30 (julgamento de Jesus) realmente mudou a sua vida. Por estes fatos, as igrejas Ortodoxa e Ortodoxa Etíope promoveram a canonização de Pilatos e de sua esposa (Cláudia Prócula).

 

Pilatos – Há uma densa escuridão sobre o destino desse homem que veio a fazer parte inclusive do Credo. Como conclusão, podemos citar o personagem Pilatos no filme Jesus Cristo Superstar, que canta angustiado: "Sonhei que milhares de pessoas, por milhares de anos, repetirão todos os dias o meu nome. E também dirão que foi culpa minha".

 

Quer ler mais? – Gostou da história de Pilatos? Podemos lhe oferecer por E-mail os seguintes textos apócrifos: Cartas de Pilatos ao imperador, com as respostas; Cartas de Pilatos a Herodes, com respostas; Relatório de Pilatos ao imperador sobre a morte de Jesus; Julgamento, condenação e morte de Pilatos; Sentença de condenação de Jesus emitida por Pilatos; Evangelho de Nicodemus. Outros textos: “Encontros com Jesus” de autoria de Stefano Zurlo (4 pág); “Diante de seus juízes” de autoria de Yann Le Bohec (4 pag); “Guerra Judaica” de Flavio Josefo (1627 pag). Todos os textos em Português.

O cisco e a trave

 

No Evangelho das missas deste domingo (Lc 6,39-45), Jesus diz aos discípulos a seguinte parábola: “Poderá um cego guiar outro cego? Não cairão os dois em alguma cova? O discípulo não é superior ao mestre, mas todo o discípulo perfeito deverá ser como o seu mestre. Porque vês o cisco que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua?”. E ainda: Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto”.

 

Continuamos ainda no ambiente do “discurso da planície”, onde Jesus apresenta os elementos fundamentais da existência cristã. Provavelmente, Lucas concentrou aqui um conjunto de frases ou de ditos de Jesus que, originalmente, tinham um contexto diverso e foram pronunciados em alturas diversas.

 

Dois contextos – O texto de hoje começa com um provérbio (“poderá um cego guiar outro cego?”) que Mateus coloca num contexto completamente diferente do de Lucas: enquanto que em Mateus (Mt 15,14) ele aparece num contexto de crítica aos fariseus, aqui é uma advertência contra os falsos mestres na comunidade cristã. Provavelmente, Lucas quer pôr a comunidade de sobreaviso em relação a esses mestres pouco ortodoxos que, na década de 80, começam a aparecer nas comunidades e cujas doutrinas apresentam desvios sérios em relação ao essencial da mensagem de Jesus Cristo.

 

Mestre – O verdadeiro mestre será sempre um discípulo de Jesus, o mestre por excelência; e a doutrina apresentada não poderá afastar-se daquilo que Jesus disse e ensinou. Quando alguém apresenta a própria doutrina, e não as propostas de Jesus, está desorientando os irmãos. A comunidade deve ter isto presente, a fim de não se deixar conduzir por caminhos que a afastem do verdadeiro caminho que é Jesus.

 

Julgamento – Um segundo desenvolvimento, diz respeito ao julgamento dos irmãos. Há na comunidade cristã pessoas que se consideram iluminadas, que “nunca se enganam e raramente têm dúvidas”, muito exigentes para com os outros, que não reparam nos seus telhados de vidro quando criticam os irmãos... Apresentam-se muito seguros de si, às vezes com atitudes de autoridade, de orgulho e de prepotência e são incapazes de aplicar a si próprios os mesmos critérios de exigência que aplicam aos outros.

 

Hipócritas – Esses são (a palavra é dura, mas não a podemos evitar) “hipócritas”: o termo não designa só o homem dissimulado, falso, cujos atos não correspondem ao seu pensamento e às suas palavras, mas equivale ao termo aramaico “hanefa” que, no Antigo Testamento, significa, ordinariamente, “perverso”, “ímpio”. Pode o verdadeiro discípulo de Jesus ser “perverso” e “ímpio”? Na comunidade de Jesus não há lugar para esses “juízes”, intolerantes e intransigentes, que estão sempre à procura da mais pequena falha dos outros para condenar, mas que não estão preocupados com os erros e as falhas – às vezes bem mais graves – que eles próprios cometem. Quem não está numa permanente atitude de conversão e de transformação de si próprio não tem qualquer autoridade para criticar os irmãos.

Critério – Lucas apresenta o critério para discernir quem é o verdadeiro discípulo de Jesus: é aquele que dá bons frutos. Neste contexto, parece dever ligar-se os “bons frutos” com a verdadeira proposta de Jesus: dá bons frutos quem tem o coração cheio da mensagem de Jesus e a anuncia fielmente; e essa mensagem não pode gerar senão união, fraternidade, partilha, amor, reconciliação. Quando as palavras de um “mestre” geram divisão, tensão, desorientação, confrontação na comunidade, elas revelam um coração cheio de egoísmo, de orgulho, de amor próprio, de autossuficiência: cuidado com esses “mestres”, pois eles não são verdadeiros.

AMAR OS INIMIGOS?

 


No Evangelho das missas deste domingo (Lc 6,27-38), em continuação aos ensinamentos no Sermão da Montanha, Jesus nos diz: “amai os vossos inimigos” (Lc 6,27). Surgem várias dúvidas: é possível mandar no amor? Alguém pode ordenar-nos sentir afeto por outro? A manifestação de carinho é espontânea? Como amar alguém que é nosso inimigo?

 

Raiz do problema – Todo o problema dessa passagem está na tradução das palavras de Jesus. Na língua portuguesa usamos sempre o mesmo verbo “amar”, para qualquer sentimento amoroso a que queremos nos referir. Na língua grega (em que foram compostos os Evangelhos), existem quatro verbos distintos para indicar “amar”, cada um com sentidos diferentes.

 

Amor romântico – Em primeiro lugar temos o verbo erao (de onde vem a palavra eros e seu adjetivo erótico). Significa amar em seu sentido romântico, carnal, sexual. Emprega-se para a atração entre um homem e uma mulher em seu aspecto espontâneo e instintivo. Na Bíblia aparece o verbo “erao” várias vezes: “O rei amou (erao) a Éster mais que as outras mulheres de sua corte” (Est 2,17). “Vou reunir todos os que te amaram (erao)” (Ez 16,37).  

 

Amor familiar – Outro verbo grego que significa amar é stergo. Indica o amor familiar, o carinho do pai por seu filho e do filho pelo pai. É o amor doméstico, de família, que brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo, em sua Carta aos Romanos escreve: “Tenham uma caridade sem fingimento: amem-se cordialmente (stergo) uns aos outros” (Rom 12,10).

 

Amor de amigos – O terceiro verbo grego usado para designar “amor” é fileo. Expressa o amor da amizade, o afeto que se sente pelos amigos. Quando Lázaro, o amigo de Jesus, estava doente, as suas irmãs mandaram dizer: “Senhor, aquele a quem tu amas (fileo) está enfermo” (Jo 11,3).

 

Amor caritativo – O quarto verbo grego para “amar” é agapao. É utilizado para o amor de caridade, de benevolência, de boa vontade, o amor capaz de dar sem esperar nada em troca. É o amor totalmente desinteressado, completamente abnegado, o amor com sacrifício. O autor do Evangelho de João usa o verbo “agapao” na descrição da Última Ceia: “Sabendo Jesus que havia chegado a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado (agapao) aos seus, os amou até o fim” (Jo 13,1). 

 

Jogo de Palavras – Um exemplo interessante é o episódio em que Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos no lago de Tiberíades (Jo 21,15s) e pergunta três vezes a Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais que estes?”. Jesus usa o verbo agapao: ”Simon, agapás me?”. Pedro lhe responde com fileo: “Filo se”. Jesus pergunta a Pedro se ele o ama com amor total, amor de entrega de serviço, e Pedro lhe responde humildemente com fileo, menos pretensioso. Na segunda vez, Jesus volta a perguntar: “Simon, agapás me? E Pedro novamente responde com fileo. Na terceira vez, Jesus sabendo esperar com paciência o processo de maturidade de cada um, usa o verbo fileo: “Simon, fileis me? Então Pedro se entristece ao identificar o sentido da pergunta.

 

Amar os inimigos? – Voltando agora à frase de Jesus, ordenando que se ame os inimigos, Jesus não utilizou o verbo erao, nem stergo nem fileo. Usou o verbo agapao. Este não consiste em um sentimento, nem afeto, nem algo de coração (senão seria impossível cumprir). O ágape que Jesus pede é uma decisão, uma atitude, uma determinação que depende da vontade. Não nos obriga a sentir apreço ou estima, nem devolver a amizade por quem nos tenha ofendido. O que Jesus pede é a capacidade de ajudar e prestar um serviço de caridade, se algum dia aquele que nos ofendeu necessitar.

“Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé”

 


Na segunda leitura das missas deste domingo, será lida a Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios (1Cor 15,12.16-20), onde o apóstolo afirma que “Se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, ainda estais nos vossos pecados”.

 Continuação – Este texto é a continuação da catequese sobre a ressurreição que Paulo apresenta na Primeira Carta aos Coríntios e que já começamos a ler no domingo passado. Depois de ter afirmado a ressurreição de Cristo (1Cor 15, 1-11), Paulo afirma a realidade da nossa própria ressurreição.

 Ressurreição – Para Paulo, uma vez admitida a ressurreição de Cristo, a ressurreição dos crentes impõe-se como algo perfeitamente evidente. A fé em Cristo ressuscitado desemboca na inquebrantável esperança de que também os cristãos ressuscitarão. O inverso também é verdadeiro: não esperar a ressurreição dos mortos equivale a não acreditar na ressurreição de Cristo. Não é possível desvincular uma coisa da outra.

 Não-ressureição – Paulo passa, então, a enumerar as consequências fatais que adviriam, para a vida cristã, se Cristo não tivesse ressuscitado: a vivência da fé e a aceitação das propostas de Jesus não teriam qualquer sentido e os cristãos seriam gente enganada, “os mais miseráveis de todos os homens”. Mas Paulo tem a certeza de que os cristãos não são um rebanho de gente iludida… A partir da ressurreição de Cristo, podemos acreditar nessa vida plena que Deus reserva para todos os que O amam. É essa perspectiva que dá sentido à caminhada que o cristão faz neste mundo.

 Esperança – Chegados aqui, Paulo detém-se para lançar um grito jubiloso de fé e de esperança: “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram”. Jesus ressuscitou não como o único, como um caso excecional, mas como o primeiro de uma longa cadeia da qual fazemos parte. Este “primeiro” não deve ser entendido em sentido cronológico, mas no sentido de que Cristo é o princípio ativo da nossa ressurreição, o princípio que gera essa nova humanidade sobre a qual as forças da morte não têm qualquer poder. Ele arrasta atrás de Si a humanidade solidária com Ele, até à realização plena, à vida definitiva, à salvação total.