sábado, 19 de janeiro de 2013

Cafarnaum: a cidade de Jesus


Na região da Galiléia, na margem norte do lago de Tiberíades, a 4 km do rio Jordão, havia um pequeno povoado chamado Cafarnaum, que significa “Cidade da Consolação”. Apesar de sua grande antiguidade (pois existia desde mil e quinhentos anos a.C.) e de sua posição comercial estratégica, nunca chegou a adquirir nenhuma notoriedade. Não é citado no Antigo testamento. 

Hóspede – Repentinamente, este povoado se tornou célebre. Foi a partir do dia em que Jesus resolveu abandonar a sua cidade natal, Nazaré (situada a 34 km a sudoeste), e instalar-se em Cafarnaum (Mt 4,13). Simão, o pescador, lhe emprestou a sua casa e, desde então, a vila se tornou o centro de suas atividades. Ao radicar Jesus, a vila passou a ser a capital do anúncio evangélico, passando a ser conhecida como “Cidade de Jesus” (Mt 9,1). Jesus viveu ali durante o tempo de sua pregação, entre os anos 27 e 30. 

Ruas – Cafarnaum tinha uns 300 metros de leste a oeste e uns 200 metros de norte a sul, com uma população estimada entre 800 e 900 pessoas. Tinha uma planta harmoniosa e ordenada, com dois tipos de ruas: as localizadas de norte a sul, chamadas de “cardos” e as de leste a oeste, chamadas de “decumanos”. A avenida principal era chamada de “cardo máximo”. Nos quarteirões que se formavam, havia os conjuntos de casas. 

Impostos – A cidade era cortada por uma importante rota de comércio internacional, a “Rota do Sol” que ligava o Egito à Damasco. Todos os comerciantes que passavam por ali deviam pagar um pedágio. Isso explica a razão de existir em Cafarnaum uma aduana, com um funcionário encarregado de cobrar os impostos. Um dia, Jesus passou ao lado dessa aduana e viu o cobrador sentado em seu banco recebendo os impostos. Chamava-se Mateus. Jesus olhou para ele e disse uma só palavra: “Segue-me”. E ele que, seguramente, já O conhecia, sabia de sua fama e já havia escutado sua pregação ao povo, deixou a aduana e os impostos para segui-lO (Mt 9,9). 

Centurião – Cafarnaum pertencia à região da Galiléia, portanto, sob o governo de Herodes Antipas, mas estava a 4 km do rio Jordão, fronteira para a região da Ituréia, governada por Herodes Filipe. Por ser uma cidade-fronteira, era comum o trânsito de militares de ambas as regiões. Uma vez, um centurião de um destacamento romano solicitou a Jesus a cura de um criado que estava enfermo na aldeia. Jesus, em louvor à fé do militar, e à distância, realizou o milagre da cura (Lc 7,1-10). 

Pedro – A casa de Simão Pedro estava situada em um dos quarteirões, nas imediações do lago. Como todas as casas da cidade, era uma habitação coletiva: as habitações, construídas em pedra, se agrupavam ao redor de um único pátio, para várias famílias. As diversas habitações não tinham porta, permanecendo sempre abertas para o pátio. Uma única porta comunicava a rua ao pátio. Ali se amassava e assava o pão, em fornos coletivos; as mulheres moíam o trigo e os artesãos faziam seus trabalhos manuais. 

Sinagoga – Perto da casa de Pedro havia uma sinagoga, tantas vezes visitada por Jesus. Tinha 22 m de largura por 16 m de comprimento. Sabemos, pelo Evangelho de São Lucas, que foi construída por um centurião romano, cujo criado foi curado por. O Evangelho diz que, quando o militar enviou um grupo de judeus para implorar seu milagre, estes lhe disseram: “Ele merece este favor, porque ama o nosso povo. Ele até construiu uma sinagoga para nós.” (Lc 7,5). 

Milagres – Esta sinagoga viu, por muitas vezes, Jesus pregar para o povo. A primeira vez, quando estava ensinando, curou uma mulher possuída por um espírito imundo (Mc 1,21-28). Outra vez, Jesus curou um homem com a mão direita paralisada (Lc 6,6-11). Acima de tudo, esta sinagoga escutou um dos discursos mais importantes e dramáticos de Jesus: o Pão da Vida. Ali, disse ao seu auditório que era necessário comer sua carne e beber o seu sangue para ter vida eterna (Jo 6, 22-59). 

Cafarnaum – Jesus deixou Cafarnaum para fazer sua última viagem para Jerusalém. Porém, antes de partir, fez um balanço de suas atividades na Galiléia. Viu que poucas pessoas haviam aderido de coração a sua “Boa Notícia”. Por isso, no dia em que se despediu, emitiu uma de suas queixas mais amargas, reservando para a sua querida Cafarnaum suas maiores atenções: “E tu, Cafarnaum! Acaso serás elevada até o céu? Até o inferno serás rebaixada! Pois se os milagres realizados no meio de ti se tivessem produzido em Sodoma, ela existiria até hoje! Eu, porém, te digo: no dia do juízo, Sodoma terá uma sentença menos dura do que tu!”.

sábado, 12 de janeiro de 2013

O Batismo de Jesus


No primeiro domingo depois da Epifania, celebra-se tradicionalmente a Festa do Batismo do Senhor. Assim, o Evangelho (Lc 3,15-16.21-22) apresenta o encontro entre Jesus e João Batista, nas margens do rio Jordão. Na circunstância, Jesus foi batizado por João Batista, um guia carismático de um movimento que anunciava a proximidade do “juízo de Deus”. 

Problema – O batismo de Jesus no Rio Jordão é tão importante teologicamente, que é tratado por cada um dos quatro evangelistas de maneira diferente, de acordo com a situação de suas comunidades e dos seus interesses teológicos. A narração do batizado de Jesus logo se tornou um problema para os primeiros cristãos, pois levantava a questão de como Jesus, sem pecado, podia ter sido batizado num ritual de purificação dos pecados.  

O batismo nos evangelhos – Por isso, Mateus deixa de fora a referência que Marcos (1, 4) faz ao perdão dos pecados (“E foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados”) e adiciona os versículos 14 e 15 (“João procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim? ’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘Por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou.”). Para o evangelista João, o batismo era tão difícil de ser harmonizado com a sua cristologia, que omite qualquer referência ao batismo e, no seu lugar, faz com que João Batista aponte Jesus como o "Cordeiro de Deus" (Jo 1, 29-34).  

Batismo de conversão – Toda a mensagem que João Batista anunciava estava centrada na urgência da conversão e incluía um rito de purificação pela água. O “batismo” proposto por ele não era, na verdade, uma novidade. O judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água, sempre ligados a contextos de purificação ou de mudança de vida. O “mergulhar na água” era, inclusive, um rito usado na integração dos pagãos que aderiam ao judaísmo, na comunidade do Povo de Deus.  Nessa perspectiva, quem aceitava esse “batismo” renunciava ao pecado, convertia-se a uma vida nova e passava a integrar a comunidade do Messias. 

O que é que Jesus tem a ver com isto? – Que sentido faz, Ele apresentar-se a João para receber este “batismo” de purificação, de arrependimento e de perdão dos pecados? O aparecimento de Jesus na cena significa o começo de um novo tempo, o tempo em que o próprio Deus vem ao mundo, feito pessoa humana, para oferecer à humanidade escravizada a vida e a salvação. No episódio do “batismo”, revela-se a missão e a verdadeira identidade de Jesus. 

Quem é o Messias – A cena do “batismo” identifica claramente o messias anunciado por João com o próprio Jesus (vers. 21-22). O Espírito Santo, que desce sobre Jesus “como uma pomba”, leva-nos a essa figura de “Servo de Jahwéh”, apresentada na primeira leitura, que recebe o Espírito de Deus para levar “a justiça às nações”. Por outro lado, a “voz vinda do céu” apresenta Jesus como “o Filho muito amado” de Deus (vers. 22). A missão de Jesus será, como a do “Servo”, “abrir os olhos aos cegos, tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas” (Is 42,7). Para concretizar esse projeto, Ele irá “batizar no Espírito” e inserir os homens numa dinâmica de vida nova – a vida no Espírito. Na cena, o testemunho de Deus a respeito de Jesus é acompanhado por três fatos estranhos que, no entanto, devem ser entendidos em referência a fatos e símbolos do Antigo Testamento.  

A abertura do céu - A imagem significa a união da Terra e do Céu e inspira-se, provavelmente, em Is 63,19. Com ela, Lucas anuncia que a atividade de Jesus vai reconciliar o Céu e a Terra, vai refazer a comunhão entre Deus e os homens.  

A pomba – O símbolo da pomba não é imediatamente claro… Provavelmente, não se trata de uma alusão à pomba que Noé libertou e que retornou à arca (Gn 8,8-12); é mais provável que a pomba (em certas tradições judaicas, símbolo do Espírito de Deus que, no início, pairava sobre as águas – Gn 1,2) evoque a nova criação, que terá lugar a partir da atividade que Jesus vai iniciar. A missão de Jesus é, portanto, fazer aparecer um Homem Novo, animado pelo Espírito de Deus.  

A voz do céu – Trata-se de uma forma muito usada pelos rabbis para expressar a opinião de Deus acerca de uma pessoa ou de um acontecimento. Essa voz declara que Jesus é o Filho de Deus e faz isso com uma fórmula usada no cântico do “Servo de Jahwéh” (primeira leitura, cf. Is 42,1). Essa referência sugere que a missão de Jesus, o Filho de Deus, não se desenrolará no triunfalismo, mas na obediência total ao Pai; não se cumprirá com poder e prepotência, mas na suavidade, na simplicidade, no respeito pelos homens (“não gritará, nem levantará a voz; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega” – Is 42,2-3).  

Porque é que Jesus quis ser batizado por João? – Ao receber este batismo de penitência e de perdão dos pecados (do qual não precisava, porque Ele não conheceu o pecado), Jesus solidarizou-Se com o homem limitado e pecador, assumiu a sua condição, colocou-Se ao lado dos homens para ajudá-los a sair dessa situação e para percorrer com eles o caminho da libertação, o caminho da vida plena. Esse era o projeto do Pai, que Jesus cumpriu integralmente. 

Revelação – A cena do batismo de Jesus revela, essencialmente, que Jesus é o Filho de Deus, que o Pai O envia ao mundo a fim de cumprir um projeto de libertação em favor dos homens. Como verdadeiro Filho, Ele obedece ao Pai e cumpre o plano salvador do Pai; por isso, vem ao encontro dos homens, solidariza-Se com eles, assume as suas fragilidades, caminha com eles, refaz a comunhão entre Deus e os homens que o pecado havia interrompido e conduz os homens ao encontro da vida em plenitude. Da atividade de Jesus, o Filho de Deus que cumpre a vontade do Pai, resultará uma nova criação, uma nova humanidade.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Caindo de joelhos, prostraram-se diante dEle


A Solenidade da Epifania do Senhor, a liturgia apresenta-nos a visita dos Magos ao menino de Belém. Trata-se de um episódio que, ao longo dos séculos, tem provocado um impacto considerável nos sonhos e nas fantasias dos cristãos... No entanto, não estamos diante de uma reportagem jornalística que faz a cobertura da visita oficial de três chefes de Estado a outro país; estamos diante de uma catequese sobre Jesus, destinada a apresentá-lO como o salvador/libertador de todos os homens. 

Catequese – Os numerosos detalhes do relato demonstram, claramente, que o propósito de Mateus não é de tipo histórico, mas catequético. Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus no fato de Jesus ter nascido em Belém de Judá (Mt 2,1.5.6.7). Para entender esta insistência temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l'O a esses anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (Miq 5,1.3; 2Sam 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai. Com esta nota, Mateus quer aquietar aqueles que pensavam que Jesus tinha nascido em Nazaré e que viam nisso um obstáculo para O reconhecerem como Messias.

Estrela – Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela "especial" que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os "Magos" para Belém. A interpretação desta referência como indicação histórica levou alguém a cálculos astronômicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenômeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura do cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do Médio Oriente ... Na realidade, não podemos entender esta referência como histórica, mas antes como catequese sobre Jesus. Segundo a crença popular, o nascimento de um personagem importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a tradição judaica anunciava o Messias como a estrela que surge de Jacob (Nm 24,17). É com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta a serviço da catequese, vai inventar a "estrela". Mateus está, sobretudo, interessado em fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para rebater aqueles que negavam que Jesus era o Messias esperado. 

Magos – Temos, ainda, as figuras dos "Magos". A palavra grega "mágos", usada por Mateus, abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diferentes: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos ... Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, entrados em contato com o messianismo judaico. Seja como for, esses "Magos" representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade. Na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, Jesus é essa luz. 

Reconhecimento – Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os "Magos" do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém "ficam perturbados" diante da notícia do nascimento de Jesus e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem-n'O como o seu Senhor. 

Caminho – Mateus anuncia, aqui, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que passarão a tomar parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos "Magos" reflete o processo que os pagãos seguiram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus – que conhecem as Escrituras – o que fazer, encontram Jesus e adoram-n'O. É muito possível que um grande número de pagãos-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus. 

Refletindo – Em primeiro lugar, meditemos nas atitudes dos personagens criados por Mateus. Diante de Jesus, eles assumem atitudes diversas que vão desde a adoração (os "Magos") até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas). Identificamo-nos com algum destes grupos? Os "Magos" são apresentados como os "homens dos sinais", que sabem ver na "estrela" o sinal da chegada da libertação. Somos pessoas atentas aos "sinais" - isto é, somos capazes de ler os acontecimentos da nossa vida à luz de Deus? Procuramos perceber nos "sinais" a vontade de Deus? 

Procurar – Somos capazes da mesma atitude dos Magos (deixaram tudo para procurar Jesus), ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão, à nossa televisão, à nossa aparelhagem, à nossa internet? Os "Magos" representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo e que se prostram diante d'Ele. É a imagem da Igreja, essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como "o Senhor".