sexta-feira, 15 de maio de 2020

A EXPANSÃO CRISTÃ: FILIPE NA SAMARIA




A Primeira Leitura das missas deste domingo (Atos 8) descreve Filipe pregando em uma cidade da Samaria. Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém ouviram dizer que a Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Quando chegaram, rezaram pelos samaritanos, para que recebessem o Espírito Santo.

Igreja primitiva – Durante os primeiros anos, o cristianismo praticamente não saiu de Jerusalém: os primeiros sete capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos apresentam-nos a Igreja de Jerusalém e o testemunho dado pelos primeiros cristãos no espaço restrito da cidade.

Perseguição – Por volta do ano 35 (Jesus morreu em abril do ano 30), com a morte do discípulo Estevão, desencadeou-se uma perseguição contra os membros da comunidade cristã de Jerusalém. É interessante observar que esta perseguição não afetou igualmente todos os membros da comunidade (pois os apóstolos continuaram em Jerusalém), mas dirigiu-se, de forma especial, contra os judeu-helenistas do círculo de Estêvão. Estes, inconformados com a morte de Estevão, deixaram Jerusalém e espalharam-se pelas outras regiões da Palestina. Tratou-se de um fato providencial, que permitiu a difusão do Evangelho pelas outras regiões palestinas.

Explicando – No judaísmo do tempo de Cristo (e dos primeiros discípulos) haviam dois grupos de judeus: um oriundo da própria Palestina, chamados de cristãos “hebreus”, falavam aramaico, e mantinham uma fidelidade à Lei e ao judaísmo; e outro, os judeus helenistas (como Estêvão) originários de fora da Palestina e falavam grego. Os "helenistas" eram vistos com certo preconceito pelos judeus da Palestina, pois eles não eram praticantes assíduos de todos os preceitos judaicos.

Filipe – A primeira leitura deste domingo fala-nos de Filipe – não é o apóstolo Filipe, mas um dos sete diáconos, do mesmo grupo do mártir Estêvão (At 6,1-7) – que, deixando Jerusalém foi anunciar o Evangelho aos habitantes da região central da Palestina, a Samaria. É curioso que a difusão do Evangelho fora de Jerusalém ocorra, precisamente, na Samaria. A Samaria era, para os judeus, uma terra praticamente pagã. Os judeus desprezavam os samaritanos por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé judaica.

O texto – O texto da Primeira Leitura divide-se em duas partes: na primeira parte (vers. 5-8), temos um sumário que resume a atuação de Filipe entre os samaritanos. Filipe pregava “o Messias”, isto é, apresentava aos samaritanos Jesus Cristo e a sua proposta de salvação e de libertação. Na segunda parte (vers. 14-17), Lucas refere a chegada à Samaria dos apóstolos Pedro e João. Quando a comunidade cristã de Jerusalém soube que a Samaria tinha já acolhido a mensagem de Jesus, enviou para lá Pedro e João para complementar a pregação. Lucas não diz qual a reação de Pedro e João ao constatarem o avanço do Evangelho; apenas refere que os samaritanos, apesar de batizados, ainda não tinham recebido o Espírito Santo.

Que significa isto? – Provavelmente, significa que a adesão dos samaritanos ao Evangelho era superficial, talvez mais motivada pelos gestos espetaculares que acompanhavam a pregação de Filipe, do que por uma convicção bem fundada. Logo que chegaram, Pedro e João impuseram as mãos aos samaritanos, a fim de que também eles recebessem o Espírito. O Espírito aparece, aqui, como o selo que comprova a pertença dos samaritanos à Igreja de Jesus Cristo.

QUER SABER MAIS: Se você está em quarentena, gostou do assunto e quer saber mais sobre os judeus-helenistas e a primeira expansão cristã, nós podemos lhe oferecer os textos (em Português): “Os grupos dos helenistas em atos” da Editora Paulinas; “Os Judeus Helenistas e a Primeira Expansão Cristã”, tese de doutorado de Monica Selvatici; “Quem são os helenistas”, texto de Luiz da Rosa; “A importância do helenismo no pensamento do Apóstolo Paulo”, artigo de Isidoro Mazzarolo.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

RESSUSCITOU ... CONFORME AS ESCRITURAS



 Todas as vezes que participamos de uma missa, ao rezar a Profissão de Fé, nós dizemos: “Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as escrituras, e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai”. Por que a oração diz “conforme as escrituras”?

Escrituras – O texto da Profissão de Fé quer deixar claro que todos os livros do Novo Testamento proclamam a ressurreição de Jesus. Os 4 Evangelhos detalham a Paixão, morte e enterro de Jesus na sexta-feira (7 de abril do ano 30), o sábado da Páscoa dos judeus e a ressurreição (túmulo vazio) no domingo (9 de abril). O texto “conforme as escrituras” documenta que todos os livros do N.T. confirmam um único fato.

Problema – Se nós fizermos a leitura da 1ª Carta de São Paulo aos Coríntios, encontraremos o seguinte texto: “Cristo morreu por nossos pecados, conforme as Escrituras; ele foi sepultado, ressuscitou no terceiro dia, conforme as Escrituras; apareceu a Pedro e depois aos doze” (1Cor 15, 3-4). (Lembrar que Paulo cometeu um engano, pois eram “onze”). O problema está em quais “Escrituras” Paulo está se referindo, pois, o Novo Testamento ainda não existia.

Novo Testamento – Nos cursos bíblicos que ministramos, deixamos claro que o primeiro documento do Novo Testamento é a Carta de Paulo aos Tessalonicenses, escrita entre 49 e 51 d.C. A Carta aos Coríntios é datada de 55-56 d.C. Os Evangelhos foram escritos 20 anos depois: Marcos (67-70 d.C. em Roma), Lucas (70-80 d.C.), Mateus (70-80 d.C.) e João (por volta do ano 100 d.C.). Se não haviam documentos nem os Evangelhos, a quais “Escrituras” Paulo estava se referindo?

Antigo Testamento – Certamente que Paulo estava se referindo aos livros judaicos. Ele era judeu e se orgulhava de ter sido educado pelo rabino Gamaliel (líder dentre as autoridades do Sinédrio de meados do século I, reconhecido mestre e Doutor da Lei). Paulo se apresentava como: “Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade, e instruí-me aos pés de Gamaliel conforme o rigor da Lei de nossos pais, sendo zeloso para com Deus” (At 22,3). Portanto, Paulo conhecia, detalhadamente os livros dos judeus.

Quais eram os livros judaicos? – Conforme Flavio Josefo, escritor e historiador do primeiro século, antes de 70 d.C., os judeus se utilizavam de apenas 22 livros.  Eis o texto: “Porque nós [judeus] não temos uma imensidão inumerável de livros que discordam e se contradizem entre si (como os gregos têm), mas apenas vinte e dois livros: ... cinco pertencem a Moisés, ... os profetas escreveram 13 livros ... os outros 4 livros contêm hinos e preceitos para a conduta humana”. Portanto seriam: os 5 livros da Lei (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), os 13 livros proféticos (talvez Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Neemias, Jó, Crônicas, Daniel, Ester, Josué, Ruth, Samuel, Reis) e, 4 livros de hinos (talvez Salmos, Provérbios, Cântico dos Cânticos e Eclesiastes).

As “Escrituras” de Paulo – Existem duas referências nos livros judaicos, que Paulo poderia estar se referindo na Carta aos Coríntios: o livro do profeta Oseias: “Depois de dois dias ele nos dará vida novamente; ao terceiro dia nos restaurará, para que vivamos em sua presença” (Os 6, 2). Também pode estar se referindo ao livro de Jonas, quando Jonas ficou na barriga do grande peixe por três dias e três noites antes de ser solto e, em uma espécie de sentido simbólico, voltou dos mortos (Jonas 2). O próprio Jesus cita esta passagem nos Evangelhos comparando sua morte e ressurreição ao “sinal de Jonas” (Mt 12, 39–41).

QUER SABER MAIS: Se você está em quarentena, gostou do assunto e quer saber mais, podemos lhe oferecer os textos citados: o livro “Obra completa de Flavius Josephus” que contém o livro “Against Apion”” de Flavio Josefo (1627 pág. em Português, ver livro 1, 8); a apostila “Formação do Novo Testamento” e um “Mapa Bíblico do Século I”, usados no Curso Bíblico da Paróquia São Judas Tadeu e São Dimas. Solicite por E-mail.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

O BOM PASTOR



O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.

Símbolo – A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida.

Partes – O texto do Evangelho, que hoje nos é proposto, está dividido em duas partes, ou em duas parábolas. Na primeira parábola (Jo 10,1-6), Jesus apresenta-se preferencialmente como “o Pastor”, cuja ação se contrapõe a esses dirigentes judeus que se arrogam o direito de pastorear o “rebanho” do Povo de Deus, mas sem serem “pastores”.

Judeus – Jesus não usa meias palavras: os dirigentes judeus são ladrões e bandidos, que se servem das suas prerrogativas para explorar o Povo (ladrões) e usam a violência para o manter sob a sua escravidão (bandidos). Aproximam-se do Povo de Deus de forma abusiva e ilegítima, porque Deus não lhes confiou essa missão (“não entram pela porta”): foram eles que a usurparam. O seu objetivo não é o bem das “ovelhas”, mas o seu próprio interesse.

Jesus – Ao contrário, Jesus é “o Pastor” que entra pela porta: ele tem um mandato de Deus e a sua missão foi-Lhe confiada pelo Pai. Em Ezequiel, o papel do “pastor” correspondia, em primeiro lugar, a Deus e ao enviado de Deus, o “Messias” descendente de David. Ao apresentar-se como Aquele “que entra pela porta”, com autoridade legítima, Jesus declara-Se o “Messias” enviado por Deus para conduzir o seu Povo e para guiá-lo para as pastagens onde há vida em plenitude. Ele entra no redil das “ovelhas” para cuidar delas, não para explorá-las.

Pastor – Como é que Jesus exercerá a sua missão de “pastor”? Em primeiro lugar, irá chamar as “ovelhas”. “Chama-as pelo seu nome”, porque conhece cada uma e com cada uma quer ter uma relação pessoal. Não obrigará ninguém a responder-Lhe; mas os que responderem ao seu chamamento farão parte do seu “rebanho”. Depois, o “pastor” caminhará “diante das ovelhas” e estas lhe seguirão. Ele indica-lhes o caminho, pois Ele próprio é “o caminho” (Jo 14,6) que leva à vida plena.

Porta – Na segunda parábola (Jo 10,7-9), Jesus apresenta-Se como “a porta”. Aqui, Ele já não é o pastor legítimo que passa pela porta, mas “a porta”. Significa que Jesus é o único lugar de acesso para que as “ovelhas” possam encontrar as pastagens que dão vida. “Passar pela porta” que é Jesus significa aderir a Ele, segui-lo, acolher as suas propostas. As “ovelhas” que passam pela porta que é Jesus (isto é, que aderem a Ele) podem passar para a terra da liberdade (onde não mandam os dirigentes que exploram e roubam), onde encontrarão “pastos” (vida em plenitude).

Vida – O nosso texto termina com a reafirmação do contraste entre Jesus e os dirigentes: os líderes religiosos judaicos utilizam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios interesses egoístas, despojam e exploram o povo; mas Jesus só procura que o seu “rebanho” encontre vida em plenitude.