sábado, 25 de dezembro de 2010

Uma grande alegria: nasceu o Salvador


Neste dia de Natal, é lido o Evangelho de Lucas (Lc 2,1-14), que descreve o nascimento de Jesus. Começa com o recenseamento, convocado por César Augusto, a viagem de José e Maria (grávida) para Belém, apresenta o nascimento de Jesus, numa manjedoura, e termina com os anjos proclamando: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados”.

 

História – Lucas é o evangelista mais preocupado com as referências históricas. O seu Evangelho está cheio de indicações, que procuram situar com precisão os acontecimentos. No que diz respeito ao nascimento de Jesus, Lucas apresenta também, algumas indicações, que pretendem situar o acontecimento numa época e num espaço concreto. Desta forma, Lucas dá a entender que não estamos diante de um fato lendário, mas de algo perfeitamente integrado na vida e na história dos homens.

 

Problemas – Há, no entanto, um problema… Lucas é um cristão de origem grega, que não conhece a Palestina e que tem noções muito básicas da história do Povo de Deus. Por isso, as suas indicações históricas e geográficas são, com alguma frequência, imprecisas e inexatas. De qualquer forma, convém ter em conta que Lucas não está escrevendo história, mas fazendo teologia e apresentando uma catequese sobre Jesus, o Filho de Deus, que veio ao encontro dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.

 

Belém – A primeira indicação importante vem da referência a Belém, como o lugar do nascimento de Jesus. É uma indicação mais teológica do que geográfica: o objetivo do autor é sugerir que este Jesus é o Messias, da descendência de David (a família de David era natural de Belém), anunciado pelos profetas (Miq 5,1). Fica claro, que o nascimento de Jesus se integra no plano de salvação que Deus tem para os homens – plano que os profetas anunciaram e cuja realização o Povo de Deus aguardava ansiosamente.

 

Pobreza – Uma segunda indicação importante resulta do “quadro” do nascimento. Lucas descreve, com detalhes, a pobreza e a simplicidade que rodeiam a vinda ao mundo do libertador dos homens: a falta de lugar na hospedaria, a manjedoura dos animais como berço, os panos improvisados que envolvem o bebê, a visita dos pastores… É na pobreza, na simplicidade, na fragilidade, que Deus se manifesta aos homens e lhes oferece a salvação. Os esquemas de Deus não se impõem pela força das armas, pelo poder do dinheiro ou pela eficácia de uma boa campanha publicitária; Deus escolhe vir ao encontro dos homens na simplicidade, na fraqueza, na ternura de um menino nascido no meio de animais, na absoluta pobreza. É assim que Deus entra na nossa história… É assim a lógica de Deus.

 

Pastores – Uma terceira indicação é dada pela referência às “testemunhas” do nascimento: os pastores. Trata-se de pessoas consideradas rudes, violentas, marginais, que invadiam com os rebanhos as propriedades alheias e que tinham fama de se apropriar da lã, do leite e das crias do rebanho em benefício próprio. Os fariseus os consideravam – tal como os publicanos e cobradores de impostos – pecadores públicos, incapazes de reparar o mal que tinham feito, tantas eram as pessoas a quem tinham prejudicado.

 

Testemunhas – Ora, Lucas coloca esses marginais como as “testemunhas” que acolhem Jesus. O evangelista sugere, desta forma, que é para estes pecadores e marginalizados que Jesus vem; por isso, a chegada de tal “salvador” é uma “boa notícia”: a partir de agora, os pobres, os fracos, os marginalizados, os pecadores, são convidados a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. Eles vêm ao encontro dessa salvação que Deus lhes oferece em Jesus e são convidados a integrar a comunidade da nova aliança, a comunidade do “Reino”.

 

Salvador – Uma quarta indicação aparece nos títulos dados a Jesus pelos anjos que anunciam o nascimento: Ele é “o salvador, Cristo Senhor”. O título “salvador” era usado, na época de Lucas, para designar o imperador ou os deuses pagãos; Lucas, ao chamar Jesus desta forma, apresenta-O como a única alternativa possível a todos os absolutos que o homem cria… O título “Cristo” equivale a “Messias”: aplicava-se, no judaísmo da palestina do séc. I, a um rei da descendência de David, que viria restaurar o reino ideal de justiça e de paz da época do rei Davi; desta forma, Lucas sugere que o “menino de Belém” é esse rei esperado. O título “Senhor” expressa o caráter transcendente da pessoa de Jesus e o seu domínio sobre a humanidade. Com estes três títulos, a catequese de Lucas apresenta Jesus aos homens e define o seu papel e a sua missão.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Jesus nasceu em 25 de dezembro?


Na noite de 24 de dezembro milhões de pessoas em todo o mundo comemoram, com profunda emoção, o que aconteceu em outra noite, há mais de dois mil anos: o nascimento de Jesus Cristo. O dia 25 de dezembro parece ter um toque mágico.  Mas, Jesus nasceu realmente neste dia? Certamente que não. Então, qual seria a data exata?

 

O Ano – Segundo relatos históricos, o rei Herodes (que perseguiu Jesus, recebeu os magos, mandou matar as crianças de Belém etc.) morreu no final de março do ano 4 a.C. Como Jesus nasceu antes da morte de Herodes, a data mais aceita é o ano 7 a.C.

 

O mês – Quanto ao mês do nascimento de Jesus, a única informação está em Lc 2,8: "na mesma região havia uns pastores que estavam nos campos e que durante as vigílias montavam guarda a seu rebanho". Sabe-se que, em dezembro, quando comemoramos o Natal, a temperatura na região de Belém é abaixo de zero e normalmente há geadas. Portanto, certamente não haveria gado, no mês de dezembro, nos pastos próximos a Belém. Atualmente, naquela região, os rebanhos são levados para o campo em março e recolhidos no fim de outubro.

 

O dia – Desde os primeiros séculos, os cristãos sempre quiseram ter um dia para comemorar o nascimento de Jesus. Mas, não havia informações suficientes para fixar esse dia. O bispo Clemente de Alexandria (séc. III) dizia ser no dia 20 de abril; São Epifânio sugeria o dia 6 de janeiro, enquanto outros falavam em 25 de março ou 17 de novembro. Porém, não havia acordo. Assim, durante os três primeiros séculos, a festa do nascimento de Jesus não teve data certa.

 

Igreja sacudida – No século IV aconteceria algo que abalaria a Igreja: um presbítero de Alexandria chamado Ário passou a discordar da Igreja quanto à natureza de Cristo. Ário dizia que existia um Deus eterno e não gerado e que Jesus foi criado por esse Deus; portanto, Cristo era criado e não eterno. As idéias de Ário se propagaram e ganharam boa parcela da Igreja. No ano de 325 foi convocado um Concílio Universal da Igreja para resolver a questão ariana. Este concílio aconteceu na cidade de Nicéia, vizinha de Constantinopla. Por grande maioria, as idéias de Ário foram rejeitadas. Para reforçar a idéia, foi criado o credo Niceno-constantinopolitano que rezamos até hoje: “creio em Jesus Cristo nascido do Pai antes de todos os séculos; (Jesus é) Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, da mesma substância do Pai ...”.

 

Pós-Ário – Apesar da derrota, os partidários de Ário não se deram por vencidos. Muitos bispos continuaram aceitando a doutrina ariana e se recusando a utilizar o credo proposto em Nicéia. Frente a essa situação, o Papa Julio I percebeu que era importante propagar a idéia da divindade de Cristo, combatendo as idéias de Ário. Propôs que fosse comemorada a festa do nascimento de Jesus como a celebração do nascimento do Filho de Deus.

 

Qual dia? – Foi proposto usar o dia de uma festa bastante popular do Império Romano: “o dia do Sol Invencível”. Era uma celebração pagã muito antiga, desde o tempo do Imperador Aureliano, no século III, em que se adorava o sol como um deus invencível. Como se sabe, no hemisfério norte, à medida que vai chegando dezembro (inverno), os dias vão diminuindo e as noites se prolongando. A escuridão aumenta e o sol fica cada vez mais fraco. No dia 21 de dezembro (dia mais curto do ano) as pessoas se perguntavam: o sol desaparecerá?  Mas, a partir de 22 de dezembro a luz do sol começa a ganhar da escuridão, aparecendo a primavera.  No dia 25 de dezembro era comemorado o sol que não morre, o Sol Invencível.

 

Luz de Natal – Desta forma, a Igreja do século IV batizou e “cristianizou” uma festa pagã, transformando o “dia de natal do Sol Invencível” para “Dia de Natal de Jesus”, o Sol de Justiça, muito mais brilhante que o astro rei.  Assim, o dia 25 de dezembro se converteu no dia de Natal cristão.

 

Natal – Jesus não nasceu em 25 de dezembro. É uma festa simbólica. Mas, quando vemos ao nosso redor os problemas, preocupações, dores, fracassos, enfermidades, injustiças, misérias, corrupção, mentiras, devemos lembrar e nos perguntar: o mal vencerá o bem? A escuridão ganhará da luz? Cristo desaparecerá? Será vencido pelo mal?  O dia 25 de dezembro é o anúncio que Jesus é o Sol Invencível; jamais será derrotado. O 25 de dezembro é o maior grito de esperança dos homens; todos os que se opuserem a Jesus desaparecerão, porque ele é o verdadeiro Sol Invencível.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Jesus é mesmo o Cristo?


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 11, 2-11), o relato feito por Mateus acontece no ano 26 d.C., quando João Batista estava preso na prisão de Maqueronte, por ordem de Herodes Antipas. João permaneceu dez meses preso, até o dia em que Herodíades, por intermédio de sua filha Salomé, conseguiu convencer Herodes de matar João, pedindo como presente a cabeça dele em uma bandeja de prata.

 

Dúvida do Batista – João, ouvindo falar das obras de Jesus, mandou seus discípulos perguntarem: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro?”

 

Messias? – A pergunta não é feita à toa… João esperava um Messias que viesse lançar fogo a terra, castigar os maus e os pecadores, dar início ao “juízo de Deus” (Evangelho de domingo passado); e, ao contrário, Jesus aproximou-Se dos pecadores, dos marginais, dos impuros, estendeu-lhes a mão, mostrou-lhes o amor de Deus, ofereceu-lhes a salvação. João e os seus discípulos estão, portanto, desconcertados: Jesus será o Messias esperado ou é preciso esperar outro, que venha atuar de uma forma mais decidida, mais lógica e mais justiceira?

 

Vários Messias – O tempo de Jesus era uma época de expectativas. O povo era muito sofrido, dominado pelo Império Romano e reprimido pela elite dos judeus. Crescia muito a esperança na vinda de um Messias libertador, esperado há séculos. O primeiro século da nossa era foi marcado pelo aparecimento de muitos líderes populares, propondo-se como Messias. Cada grupo da Palestina tinha as suas expectativas sobre como seria a pessoa e a atuação desse Messias prometido.

 

Resposta – Jesus responde aos discípulos de João, mostrando ser o Messias esperado por seus atos. Usando textos do profeta Isaías, ele mostra que o Reino de Deus chegou nele, pois acontecem as obras de libertação que são características do Reino: com os mortos (Is 26,19), os surdos (Is 29,18-19), os cegos, surdos, coxos e pobres (Is 35,5-6), e o anúncio da Boa-Nova aos pobres (Is 61,1).

 

Relações – O messianismo de Jesus não se enquadrava nas expectativas de muita gente, que esperava a derrota dos opressores, mas não vislumbravam um mundo novo, baseado em solidariedade e justiça. Jesus veio estabelecer no meio dos homens o Reino de Deus, baseado no conceito de “justiça” – o restabelecimento de relações corretas de cada pessoa com Deus, consigo mesmo, com o outro e com a natureza. Veio realmente criar novas relações e não anunciar velhas relações com os papéis invertidos, em que o oprimido vira opressor.

 

Desafio – Jesus sempre é questionador, desafia as nossas expectativas. Para muitos, a proposta de Jesus era difícil demais, pois mexia com o próprio comodismo. Ele era uma novidade total que não se enquadrava nos velhos esquemas. Por isso diz: “E feliz de quem não se escandalizar por minha causa”. Hoje também, a pessoa e o projeto de Jesus desafiam a todos – especialmente nós cristãos.

 

Jesus ‘Light’ – Muitos cristãos têm uma idéia de como deve ser a figura do Messias – triunfal, poderoso, milagreiro, que não mexe com as estruturas sociais, políticas, econômicas da sociedade, que não nos desafia a criar novas relações, na contramão da sociedade materialista, individualista e consumista. Muitos hoje preferem um Jesus “light” – que funciona como analgésico, que nos apazigua a consciência, que nos dá emoções fortes, mas que não nos joga na luta dura da criação de uma nova sociedade, baseada nos princípios do Reino!

 

E onde existe esse Reino? – O Reino existe onde se faz o que Jesus fazia – onde os mais excluídos estão integrados, os rejeitados estão acolhidos, a Boa-Nova de libertação total é pregada e vivenciada – e onde se faz a vontade de Jesus, que veio “para que todos tenham a vida e a tenham em abundância”. É este Jesus que aguardamos no Natal.

 

Advento – Que o Advento seja também, tempo de purificação das falsas imagens a respeito de Jesus, que talvez permeiem as nossas mentes. Ele só renasce onde as pessoas, sejam elas cristãs ou não, se comprometem com as mesmas metas Dele, conforme o texto nos demonstra. Somos felizes, se essas exigências não forem escândalo para nós. A novidade perene do Evangelho e de Jesus nos desafia a rompermos com os nossos velhos esquemas, para que concretizemos, nas nossas vidas, a vinda do Reino.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Uma voz no deserto

Estamos no segundo domingo do Advento. O texto do Evangelho das missas (Mt 3,1-12) é dedicado a João Batista. A reflexão de hoje é baseada num texto do Pe. Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia do Vaticano.

 

Uma voz – O Evangelho do segundo domingo de Advento, não é Jesus que nos fala diretamente, mas seu precursor, João Batista. O coração da pregação do Batista está contido nessa frase de Isaías, que João repete a seus contemporâneos com grande força: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!”. Isaías, para dizer a verdade, expressava: “Uma voz clama: no deserto, abri caminho ao Senhor” (Is 40, 3). Não é, portanto, uma voz no deserto, mas um caminho no deserto. Os evangelistas, aplicando o texto ao Batista que pregava no deserto da Judéia, modificaram a pontuação, mas sem mudar o sentido da mensagem.

 

Deserto – Jerusalém era uma cidade rodeada pelo deserto: ao Oriente, os caminhos de acesso na areia eram facilmente apagados pelo vento, enquanto ao Ocidente se perdiam entre as asperezas do terreno para o mar. Quando uma comitiva ou um personagem importante devia chegar à cidade, era necessário sair e caminhar pelo deserto para abrir uma via menos provisória; cortavam as sarças, aplainavam os obstáculos, reparavam a ponte ou uma passagem. Assim se fazia, por exemplo, por ocasião da Páscoa, para acolher os peregrinos que chegavam da Diáspora. Neste dado, de fato, inspira-se João Batista. Está a ponto de chegar, clama, aquele que está acima de todos, “aquele que deve vir”, o esperado os povos: é necessário traçar um caminho no deserto para que possa chegar.

 

Caminhos do Senhor – Mas eis aqui o salto da metáfora à realidade: este caminho não se traça no terreno, mas no coração de cada homem: não se traça no deserto, mas na própria vida. Para fazê-lo, não é necessário pôr-se materialmente ao trabalho, mas converter-se: “Endireitai os caminhos do Senhor”: este mandato pressupõe uma amarga realidade: o homem é como uma cidade invadida pelo deserto; está fechado em si mesmo, em seu egoísmo; é como um castelo com um fosso ao redor e as pontes levantadas. Pior: o homem complicou seus caminhos com o pecado e aí permaneceu, seduzido, como em um labirinto. Isaías e João Batista falam metaforicamente de precipícios, de montes, de passagens tortuosas, de lugares impraticáveis.

 

Verdadeiros nomes – Basta chamar estas coisas por seus verdadeiros nomes, que são orgulho, humilhações, violências, cobiças, mentiras, hipocrisia, imundices, superficialidades, embriaguez de todo tipo (pode-se estar ébrio não só de vinho ou de drogas, mas também da própria beleza, da própria inteligência, de si mesmo, que é a pior embriaguez!). Então se percebe imediatamente que o discurso também é para nós, é para cada homem que nesta situação deseja e espera a salvação de Deus.

 

Significa – Endireitar um caminho para o Senhor, portanto, tem um significado bastante concreto: significa empreender a reforma da nossa vida, converter-se. Em sentido moral, o que se deve aplanar e os obstáculos que se deve retirar são o orgulho – que leva a ser impiedoso, sem amor para com os demais – a injustiça – que engana o próximo – além de rancores, vinganças, traições no amor. São vales cheios de preguiça, incapacidade de impor-se um mínimo de esforço, todo pecado de omissão.

 

Montes – A palavra de Deus jamais nos esmaga sob um monte de deveres sem dar-nos ao mesmo tempo a segurança. O profeta Baruc diz que Deus “dispôs que sejam abaixados os montes e as colinas, e enchidos os vales para que se una o solo, para que Israel caminhe com segurança sob a glória divina". Deus abaixa, Deus enche, Deus traça o caminho; é tarefa nossa corresponder à sua ação, recordando que “quem nos criou sem nós, não nos salva sem nos”.