sábado, 28 de janeiro de 2012

Um ensinamento novo

No evangelho deste domingo, Marcos (1,21-28) descreve a entrada de Jesus em uma sinagoga, em Cafarnaum, pondo-se a ensinar. Em sua narrativa, o evangelista descreve o conflito de Jesus com o rígido sistema religioso judaico e sua severa repreensão ao espírito impuro com o qual se defronta. Na conclusão, fica em destaque o ensinamento novo de Jesus, que vem subjugar os espíritos impuros. 

Descoberta – A primeira parte do Evangelho escrito por Marcos tem como objetivo fundamental levar o leitor a descobrir Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso, os leitores são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar suas palavras e a aderir à sua proposta de salvação/libertação. Este percurso de descoberta do Messias termina em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro: “Tu és o Messias”. 

Encontro libertador – O texto que nos é proposto neste final de semana aparece, exatamente, no princípio dessa caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Já rodeado pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-Se como o Messias-libertador, que está no meio dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação. 

Local – O Evangelho situa-nos em Cafarnaum (em hebraico Kfar Nahum, a “aldeia de Naum”), a cidade situada na costa noroeste do Lago Kineret (o Mar da Galileia). De acordo com os Evangelhos Sinópticos, é aí que Jesus se vai instalar durante o tempo do seu ministério na Galileia. Vários dos discípulos – Simão e seu irmão André, Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João – viviam em Cafarnaum. 

A cena – É um sábado. A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia do dia. Jesus, recém-chegado à cidade, entra na sinagoga – como qualquer bom judeu – para participar na liturgia sabática. A celebração comunitária começava, normalmente, com a “profissão de fé” (Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras: a primeira, escolhida da Torah (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento) e a segunda, de um dos livros dos Profetas; depois, vinha o comentário às Leituras e as bênçãos.  

Comentarista – É provável que Jesus tivesse sido convidado, nesse dia, para comentar as leituras feitas. Fez as reflexões sobre o texto de uma forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir dos “escribas” (os estudiosos das Escrituras). As pessoas ficaram maravilhadas com as palavras de Jesus, “porque ensinava com autoridade e não como os escribas”. A referência à autoridade das palavras de Jesus pretende sugerir que Ele vem de Deus e traz uma proposta que tem a marca de Deus.


Autoridade – A “autoridade”, que se revela nas palavras de Jesus manifesta-se também, em ações. Na sequência das palavras ditas por Jesus e que transmitem aos ouvintes um sinal inegável da presença de Deus, aparece em cena “um homem com um espírito impuro”.


Impuros – Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram provocadas por “espíritos maus” que se apropriavam dos homens. As pessoas afetadas por esses males deixavam de cumprir a Lei e ficavam numa situação de “impureza” (afastadas de Deus). Acreditava-se que esses “espíritos maus” tinham um poder absoluto, que os homens não podiam derrotar; somente Deus, com o seu poder e autoridade absolutos, era capaz de vencer os “espíritos maus” e devolver a vida aos homens.


Libertação – Numa encenação com um singular poder evocador, Marcos põe o “espírito mau” que domina “um homem” presente na sinagoga, a interpelar violentamente Jesus. A ação da cura do homem “com um espírito impuro” constitui “a prova” de que Jesus traz uma proposta de libertação que vem de Deus; pela ação de Jesus, Deus vem ao encontro do homem para salvá-lo de tudo aquilo que o impede de ter vida em plenitude.


Ensinamento novo – É um ensinamento novo, que liberta e gera esperança e alegria entre todos. É a novidade do anúncio, com a proposta de conversão de vida, abandonando uma religião estéril para aderir a uma prática do amor transformante das relações humanas, no desapego, na fraternidade, na justiça e na paz.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Paulo: o missionário viajante

No próximo dia 25 de janeiro, a Igreja comemora a festa de conversão de São Paulo. Vamos conhecer um pouco da vida desse discípulo. 

Paulo – Nos Atos dos Apóstolos, o próprio Paulo se apresenta como judeu, nascido na cidade de Tarso, na Cilícia, (atual província de Mersin, na Turquia; em 64 a.C., o general romano Pompeu anexou-a à Província da Síria), circunciso desde o oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus. Criado em Jerusalém e educado pelo rabino Gamaliel (liberal ancião do Sinédrio e o mais proeminente mestre de seu tempo), identificava-se como fariseu. Herdara dos pais a cidadania romana, o que lhe conferia os direitos e proteção legais através de todo o Império Romano. Alguns autores citam que Paulo era rabino. 

Como era – Um antigo texto apócrifo (não reconhecido pela Igreja) descreve Paulo como um "homem de pequena estatura, careca, e de pernas arqueadas, em boa condição física, de sobrancelhas juntas e nariz um pouco encurvado (em forma de gancho), cheio de amabilidade, que umas vezes parecia um homem, outras um anjo".  

Perseguidor – Antes de ter a visão de Cristo, Paulo era um fariseu sincero, tranquilo e devotado à Lei judaica. Por sua fé, colocava-se violentamente contra os seguidores de Cristo, uma “nova seita” que surgia entre os judeus. Para Paulo, Jesus não podia ser o Messias, pois fora condenado pela Lei judaica. Via a oposição de Estêvão e dos helenistas ao Templo como um questionamento aos fundamentos da fé judaica, centrada na prática da Lei e na vida cultural do Templo. 

Viagem para Damasco – Por volta do ano 34, Paulo ficou sabendo que havia uma grande comunidade cristã em Damasco, na Síria. Obteve do Sinédrio (Supremo Tribunal da comunidade judaica de Jerusalém) cartas de recomendação aos rabinos de Damasco, autorizando-o a caçar os hereges cristãos. Acompanhado de alguns homens, percorre a cavalo os cerca de 200 quilômetros até Damasco. Depois de sete dias de viagem, sob um sol escaldante, consegue finalmente avistar as muralhas da cidade. 

A visão – Ao chegar próximo a Damasco, aconteceu algo que virou do avesso os valores de Paulo. Ele próprio descreve a experiência de várias formas: como uma aparição de Jesus ou como Deus se revelando a Seu Filho, ou como uma visão que teve do Senhor, ou ainda como sendo apanhado por Jesus. Paulo foi jogado ao chão e ficou cego por uma luz mais brilhante que o Sol, enquanto uma voz chamava-o pelo nome hebraico: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" Ao perguntar de quem era a voz, recebeu a resposta: "Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo".  

Em Damasco – Os companheiros de Paulo levaram-no até Damasco, onde permaneceu por três dias sem ver e incapaz de comer. Durante o jejum, teve visões de futuras missões para transmitir ao mundo o nome de Jesus, mas não se lançou de imediato em sua vocação.

Pregações – Entre os anos 46 e 58, Paulo fez quatro viagens missionárias através do Mediterrâneo, Paulo percorreu mais de 15 mil quilômetros, sofrendo naufrágios, apedrejamentos, espancamentos, prisões, humilhações e os rigores das condições das viagens. Os Atos dos Apóstolos dividem suas viagens em três partes, mas existem pequenas jornadas entre estas viagens. Paulo e seus colaboradores fundaram Igrejas em mais de 20 cidades. 

Cartas – Paulo enviou muitas cartas às comunidades que fundou. São consideradas canônicas 13 cartas de Paulo (compõem o Novo Testamento), embora apenas 7 tenham sido escritas por seu próprio punho; as outras 6 são compilações ou foram redigidas por discípulos de Paulo após a sua morte. 

Morte – Quando chegou o seu martírio (ano 62), Paulo, mais que qualquer outro discípulo de Cristo, tinha ajudado a criar e cuidar de uma rede de comunidades cristãs que desabrocharia numa Igreja universal.

Memorial – A Igreja comemora em 25 de janeiro a conversão de São Paulo; em 29 de junho os santos Pedro e Paulo, fundadores da Igreja; e em 18 de novembro a festa de dedicação da Basílica de São Pedro e São Paulo.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Vinde e vede

A liturgia do 2º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre a disponibilidade para acolher os desafios de Deus e para seguir Jesus. O Evangelho (Jo 1,35-42) descreve o encontro de Jesus com os seus primeiros discípulos. O autor do Evangelho responde as seguintes perguntas: Quem é “discípulo” de Jesus? Quem pode integrar a comunidade de Jesus?  

Quem é discípulo? – Na primeira parte do Evangelho, João Batista estava com dois de seus discípulos, quando reconhece Jesus na multidão, dizendo: “Eis o Cordeiro de Deus”. Na perspectiva do Evangelista, o discípulo é aquele que é capaz de reconhecer, no Cristo que passa, o Messias libertador. 

Quem pode integrar a comunidade? – Jesus, percebendo que os dois discípulos de João Batista o seguiam, perguntou a eles: “O que é que vocês estão procurando?”. E eles responderam: “Rabi (que quer dizer Mestre), onde moras?” E Jesus respondeu: “Venham, e vocês verão”. E os dois discípulos ficaram com Jesus nesse dia. Portanto, para o Evangelista, pode integrar a comunidade de Jesus quem está disponível para segui-lo no caminho do amor e da entrega, quem aceita o Seu convite para entrar na sua casa e para viver em comunhão com Ele.  

Quem mais? – André, um dos discípulos que seguiram Jesus, foi procurar seu irmão, Pedro, e disse-lhe: “Nós encontramos o Messias (que quer dizer Cristo)”; e levou-o a Jesus. Fixando os olhos nele, Jesus disse-lhe: “Você é Simão, o filho de João. Você vai se chamar Cefas (que quer dizer Pedra)”. Portanto, segundo o Evangelista, pode integrar a comunidade de Jesus quem é capaz de testemunhar Jesus e de anunciá-lo aos outros irmãos. 

Batista e Jesus – Nos Evangelhos, pode-se perceber a íntima relação entre o anúncio de João Batista e o anúncio de Jesus, que assume o caminho aberto pelo Batista, completando-o, como o caminho para a vida eterna em Deus. Nesta narrativa do evangelho de João, a própria formação do discipulado em torno de Jesus se inicia entre os discípulos de João Batista. 

Discípulos – Para os três primeiros discípulos não há um chamado explícito, de forma sumária, como aparece nas narrativas de Marcos e Mateus. Nestas, às margens do Mar da Galileia, Jesus chama os discípulos que pescavam: "Sigam-me...". Em João, a experiência do convívio com Jesus é que estabelece o vínculo do discipulado e leva cada discípulo a comunicá-lo a outros. O breve diálogo que se estabelece é revelador: "O que estão procurando?"... "Onde moras?"... "Venham e verão!". É o encontro com Jesus "onde ele mora", isto é, na intimidade, na sua simplicidade e no seu acolhimento. Firma-se assim, a vocação destes discípulos, que vão comunicar a Pedro o encontro e ele se faz também seguidor de Jesus. 

Chamado – A adesão a Jesus, Filho de Deus encarnado entre nós, se dá a partir de relações pessoais, em um processo comunitário. Este processo se diferencia das tradicionais vocações do Antigo Testamento, onde o chamado de Deus é feito em visões ou aparições individuais. Neste modelo antigo temos, por exemplo, o chamado de Samuel (primeira leitura), consagrado ao santuário de Silo, sob os cuidados do sacerdote Eli.

Nasce a Nova Comunidade – Os discípulos aceitam o convite e fazem a experiência da partilha da vida com Jesus. Essa experiência direta convence-os a ficar com Jesus (“ficaram com Ele nesse dia”). Nasce, assim, a comunidade do Messias, a comunidade da nova aliança. É a comunidade daqueles que encontram Jesus que passa, procuram nele a verdadeira vida e a verdadeira liberdade, identificam-se com Ele, aceitam segui-lo no seu caminho de amor e de entrega, estão dispostos a uma vida de total comunhão com Ele.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Magos do Oriente: inteligência e fé

Magos do Oriente: inteligência e fé



No Evangelho deste domingo (Mt 2,1-12), os “magos” do oriente (representantes de todos os povos da Terra) vêm ao encontro de Jesus. Atentos aos sinais da chegada do Messias, procuram o Menino com esperança, até que O encontram, reconhecendo n’Ele a “salvação de Deus” e aceitando-O como “o Senhor”. 

Papa – Reproduzimos, a seguir, a reflexão realizada pelo Papa Bento XVI, durante o Ângelus do dia 6/1/2010, com os peregrinos reunidos na Praça de São Pedro. 

Sinal – Queridos irmãos e irmãs! Celebramos hoje a grande festa da Epifania, o mistério da manifestação do Senhor a todos os povos, representados pelos Magos, vindos do Oriente para adorar o Rei dos Judeus (cf. Mt 2, 1-2). O evangelista Mateus, que relata o acontecimento, sublinha que estes chegaram a Jerusalém seguindo uma estrela, vista em seu surgimento e interpretada como sinal do nascimento do Rei anunciado pelos profetas, ou seja, o Messias.


Estrelas – Quando chegaram a Jerusalém, no entanto, os Magos precisaram das indicações dos sacerdotes e dos escribas para conhecer exatamente o lugar ao qual deveriam se dirigir, isto é, Belém, a cidade de Davi (Mt 2,5-6; Mq 5,1). A estrela e as Sagradas Escrituras foram as duas luzes que guiaram o caminho dos Magos, que aparecem como modelos dos autênticos buscadores da verdade.


Revelações – Eles eram sábios, que sondavam os astros e conheciam a história dos povos. Eram homens de ciência, em um sentido amplo, que observavam o cosmos, considerando-o quase como um grande livro, cheio de sinais e de mensagens divinas para o homem. Seu saber, portanto, longe de considerar-se autossuficiente, estava aberto a posteriores revelações e chamados divinos. De fato, não se envergonharam de pedir instruções aos chefes religiosos dos judeus. Eles poderiam ter dito: façamos isso sozinhos, não precisamos de ninguém, evitando, segundo nossa mentalidade atual, toda “contaminação” entre a ciência e a Palavra de Deus.


Profecia – No entanto, os Magos escutaram as profecias e as acolheram; e assim que voltaram ao caminho, rumo a Belém, viram novamente a estrela, quase como confirmação de uma perfeita harmonia entre a busca humana e a Verdade divina, uma harmonia que encheu de alegria seus corações de autênticos sábios (Mt 2, 10). O cume do seu itinerário de busca foi quando se encontraram diante do “Menino com Maria, sua mãe” (Mt 2, 11).


Sábios – O Evangelho diz que “ajoelharam-se diante dele e o adoraram”. Eles poderiam ter ficado desiludidos e, mais ainda, escandalizados. No entanto, como verdadeiros sábios, abriram-se ao mistério que se manifesta de forma surpreendente; e, com seus dons simbólicos, demonstraram que reconheciam em Jesus o Rei e o Filho de Deus. Precisamente, neste gesto, se cumprem os oráculos messiânicos que anunciam a homenagem das nações ao Deus de Israel.


Inteligência e fé – Um último detalhe confirma, nos Magos, a unidade entre inteligência e fé: é o fato de que, “avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho” (Mt 2, 12). Teria sido natural voltar a Jerusalém, ao palácio de Herodes e ao Templo, para proclamar sua descoberta. No entanto, os Magos, que escolheram o Menino como soberano, protegeram-nO, escondendo-O, segundo o estilo de Maria, ou melhor, do próprio Deus e, assim como tinham aparecido, desapareceram no silêncio, apagados, mas também transformados, após o encontro com a Verdade. Eles descobriram um novo rosto de Deus, uma nova realeza: a do amor.

Maria – Que a Virgem Maria, modelo de verdadeira sabedoria, nos ajude a sermos autênticos buscadores da verdade de Deus, capazes de viver sempre a profunda sintonia que existe entre a razão e a fé, entre a ciência e a revelação.