sábado, 28 de abril de 2012

Eu sou o Bom Pastor

O 4º Domingo da Páscoa é considerado o “Domingo do Bom Pastor”. Para uma reflexão do Evangelho (Jo 10, 11-18), reproduzimos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia do Vaticano. 

Pastor e rebanho – Chama-se o IV domingo do tempo pascal de “domingo do Bom Pastor”. Para compreender a importância que tem na Bíblia o tema do pastor, há que se remontar à história. Os beduínos do deserto dão-nos hoje uma ideia da que foi, em um tempo passado, a vida das tribos de Israel. Nesta sociedade, a relação entre pastor e rebanho não é só de tipo econômico, baseada no interesse. Desenvolve-se uma relação quase pessoal entre o pastor e o rebanho. Passam dias e dias juntos em lugares solitários, sem ninguém mais ao redor. O pastor acaba conhecendo tudo de cada ovelha; a ovelha reconhece e distingue entre todas as vozes a voz do pastor, que frequentemente fala com as ovelhas. 

Símbolo – Isto explica por que Deus serviu-se deste símbolo para expressar sua relação com a humanidade. Um dos salmos mais belos do saltério descreve a segurança do crente em ter Deus como pastor: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará...”. 

Bom e mau Pastor – Posteriormente, dá-se o título de pastor, por extensão, também aos que fazem às vezes de Deus na terra: os reis, os sacerdotes, os chefes em geral. Mas, neste caso, o símbolo divide-se: já não evoca somente imagens de proteção, de segurança, mas também as de exploração e opressão. Junto à imagem do bom pastor faz sua aparição a do mau pastor, a do mercenário. No profeta Ezequiel encontramos uma terrível acusação contra os maus pastores, que apascentam só a si mesmos, e em seguida a promessa de Deus de ocupar-se Ele mesmo de seu rebanho (Ez 34, 1). 

Cristo – Jesus no Evangelho retoma este esquema do bom e mau pastor, mas com uma novidade: “Eu sou o Bom Pastor!”. A promessa de Deus fez-se realidade, superando qualquer expectativa. Cristo faz o que nenhum pastor, por bom que seja, estará disposto a fazer: “Eu dou minha vida pelas ovelhas”. 

O homem de hoje – rejeita com desdém o papel de ovelha e a ideia de rebanho, mas não nota que está completamente dentro. Um dos fenômenos mais evidentes de nossa sociedade é a massificação. Deixamo-nos guiar de maneira indiferente por todo tipo de manipulação e de persuasão oculta. Outros criam modelos de bem-estar e de comportamento, ideais e objetivos e progresso, e nós os seguimos; vamos detrás, temerosos de perder o passo, condicionados e sequestrados pela publicidade. Comemos o que nos dizem, vestimos como nos ensinam, falamos como ouvimos falar, por slogan. O critério pelo que a maioria se deixa guiar nas próprias opções é o “Così fan tutti” (Todos são assim). 

Rebanho moderno – Olhai como se desenvolve a vida da multidão em uma grande cidade moderna: é a triste imagem de um rebanho que sai junto, agita-se e se amontoa em hora fixa nos vagões do trem e do metrô, e depois, pela tarde, regressa, junto ao redil, vazio de si e de liberdade. Sorrimos divertidos quando vemos uma filmagem em câmera rápida com as pessoas que se movem aos altos, velozmente, como marionetes, mas é a imagem que teríamos de nós mesmos se nos olhássemos com olhos menos superficiais. 

Libertação – O Bom Pastor que é Cristo propõe-nos fazer com Ele uma experiência de libertação. Pertencer a seu rebanho não é cair na massificação, mas sermos preservados dela. “Onde está o Espírito do Senhor, ali está a liberdade” (2 Coríntios 3, 17), diz São Paulo. Ali surge a pessoa com sua única riqueza e com seu verdadeiro destino. Surge o filho de Deus ainda escondido, do que fala a segunda carta deste domingo: “Queridos, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que seremos”.

sábado, 21 de abril de 2012

A CAMINHO DE EMAÚS...

No Evangelho das missas deste domingo será lido o trecho da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús.  Vamos examinar a descrição de Lucas. 

A Aparição – Era o domingo da ressurreição. Dois discípulos caminhavam de Jerusalém para a aldeia de Emaús, distante 12 quilômetros. Durante as duas horas de caminhada, comentavam os fatos ocorridos naquele dia. Jesus se aproxima, passa a caminhar com eles e, puxando a conversa, pergunta sobre o que discutem.  Eles não reconhecem Jesus. Cléofas, admirado, lhe diz que ele deve ser a única pessoa em Jerusalém que não sabe o que aconteceu com Jesus Nazareno. Jesus lhes descreve toda a história da salvação, começando por Moisés, passando por toda a Escritura. Ao chegar à casa de um deles, Jesus distribuiu o pão, sendo reconhecido por eles. Os discípulos voltaram para Jerusalém para contar aos apóstolos o que tinha acontecido.

Jerusalém – O relato vai da Jerusalém do desalento e, percorrendo um caminho de diálogo, termina na Jerusalém da alegria. O momento negativo do episódio não é a ausência de Jesus, mas a impossibilidade de reconhecê-lo. O companheiro desconhecido de viagem havia provocado nos dois caminhantes uma reflexão que tinha como base a experiência da convivência com Jesus. Essa reflexão levara-os a constatar duas contradições: Jesus fora profeta poderoso, mas isso não impedira que fosse julgado, condenado e crucificado; além do mais, como ele demonstrara ser tão poderoso, os dois discípulos confiaram na redenção de Israel, mas, transcorridos três dias desde a morte do Mestre sem que nada acontecesse, sepultaram suas esperanças.  

Jesus ensina – Jesus lembra os desanimados; por sua pouca perspicácia e pela lerdeza de seus corações, não souberam interpretar os acontecimentos à luz dos Profetas, razão pela qual empenha-se ele próprio em evocar as profecias e interpretá-las. Aquele que os discípulos chamavam “profeta” agora é “o Cristo”, e quem fora condenado à morte pela cruz agora entra em sua glória. Os discípulos, entretanto, pedem àquele que lhes parecera ser um “forasteiro” em Jerusalém, que “fique” com eles quando chegam ao final da jornada.  

Ritual Eucarístico – O último ato dessa longa passagem é uma acurada descrição do comportamento de Jesus: como se senta à mesa, toma o pão, abençoa-o, parte-o e o distribui. Por fim os discípulos reconhecem Jesus, que desaparece repentinamente. E o momento positivo daquela experiência, cuja conclusão não é a presença visível de Jesus, mas uma ação que tem todas as características de um ritual, é acompanhada pelo fervor do coração e pela revelação do sentido das Escrituras, tendo um epílogo em Jerusalém, onde vão prestar testemunho aqueles que haviam visto Jesus ressuscitado. 

Jesus Presente – O episódio de Emaús é uma grandiosa síntese de ausência e presença, morte e vida, cruz e glória, solidão e encontro, fuga renunciadora e retorno anuncia­dor. Emaús é uma cena de presença de Jesus. Não tem como resultado nenhuma missão específica, porque, logo depois, ocorre outra grande aparição a todos os apóstolos reunidos (Lc 24,36-49). O episódio de Emaús tem implícito, porém, um grande ensinamento: os dois discípulos simbolizam, para Lucas, toda a comunidade cristã. Tal como os discípulos, a comunidade experimenta a ausência de Jesus — uma ausência misteriosa, porque na realidade Jesus caminha ao lado de seus discípulos, embora se mantenha incógnito. As Escrituras — interpretadas pelo próprio Jesus — e a Igreja prestam testemunho de sua existência.

Escrituras e Eucaristia – As Escrituras não são, entretanto, o elemento conclusivo: reconfortam o coração, mas o reconhecimento só se dá quando o pão é parti­do. O encontro no rito não restabelece a presença física como durante a vida terrena de Jesus porque se resolve com uma nova ausência. É exatamente o que acontece na Igreja, beneficiada pela Comunhão no mistério e afligida por uma ausência que só se resolve na Eucaristia.

sábado, 14 de abril de 2012

TOMÉ, SÍMBOLO DA INCREDULIDADE

Quem era Tomé – Homem de personalidade marcante, obstinado, teimoso e até certo ponto, incrédulo. O Evangelho de João nos dá a maior parte das informações que temos desse que é conhecido como o discípulo da incredulidade. O termo hebraico Tomé significa Gêmeo, assim como a palavra grega Dídimo, pela qual o apóstolo também era chamado (Jo 11,16; 20,24; 21,2). Tudo faz crer (Jo 21,1-4) que ele era pescador, como tantos outros apóstolos de Jesus. Eusébio, notável historiador cristão do 4º século, afirma que o nome do apóstolo era Judas Tomé. 

Tomé, homem de coragem – A coragem e altruísmo (amor ao próximo) de Tomé podem ser vistos em Jo 11,1-16. Lázaro, o grande amigo de Jesus, estava enfermo. Jesus declara que essa enfermidade era para a glória de Deus, como de fato o foi. Depois de dois dias, Jesus mostrou seu desejo de ir à Judéia. Os discípulos reagiram. “Rabi, ainda agora os judeus procuraram apedrejar-te e tornas para lá?”. “Disse então Tomé, chamado Dídimo: Vamos nós também, para morrermos com Ele”. Foi um rasgo de bravura, coragem, altruísmo, lealdade. Nem sempre lembramos esse episódio lindo, na vida marcante do apóstolo Tomé.  

Tomé e suas dúvidas – Em Jo 14,5 Tomé questiona: “Senhor, não saberemos para onde vais, como saber o caminho?”. Não só Tomé, como os discípulos, de um modo geral, não sabiam o destino do Mestre. A franqueza de Tomé permitiu um dos pronunciamentos mais fortes e contundentes de Jesus. “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim”. 

Apóstolos incrédulos – O demérito da incredulidade na ressurreição não foi exclusivo de Tomé, embora os séculos assim o tenham consolidado. Vejam-se como os discípulos reagiram à notícia de Maria Madalena: “Estes, ouvindo que Ele vivia e que fora visto por ela, não acreditaram.” (Mc. 16,11); “Tais palavras lhes pareciam delírio, e não acreditaram nelas” (Lc 24,11); “Finalmente, apareceu Jesus aos onze, quando estavam à mesa e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, porque não deram crédito aos que o tinham visto já ressuscitado” (Mc 16,14). 

Incredulidade e Medo – Realmente, não era fácil aceitar, de pronto, a ressurreição de Jesus. Veja-se o caso dos discípulos de Emaús (Lc 24,13). Tudo faz crer que os discípulos, de um modo geral, não creram na ressurreição do Mestre. A descrença de Tomé não era diferente dos outros discípulos. Todos estavam mergulhados na incerteza, no medo e no desamparo.  O pavor era tal que os apóstolos estavam em uma casa fechada, confusos (Jo 20,19), tomados pelo pavor de uma potencial perseguição dos líderes religiosos judaicos (Jo 18,19). 

A aparição sem Tomé – João deixa claro que a aparição do Senhor foi miraculosa, sem qualquer explicação lógica. “As portas estavam cerradas” e Jesus se lhes apresentou, de surpresa. Tomé estava ausente do grupo, quando Jesus apareceu. Foi incisivo nas suas declarações: “Se eu não vir os sinais dos cravos em suas mãos e não meter o dedo no lugar dos cravos e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei.” (Jo 20,25). Mais forte do que isso, impossível.

Aparição com Tomé – É curioso notar que a incredulidade de Tomé permitiu se registrassem duas notáveis declarações, uma de Jesus e outra do próprio Tomé: “Não sejas incrédulo, mas crente” (Jo 20,27); “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28). Ela se assemelha às de Pedro: “Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo” (Mt 16,16) e “Senhor, para quem iremos nós? ... bem sabemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 67-69). 

Profissão de fé – As palavras com que Tomé expressa seu júbilo e sua confiança no Cristo ressurreto estão impregnadas de um profundo conteúdo teológico.

sábado, 7 de abril de 2012

RESSURREIÇÃO OU REENCARNAÇÃO ?

É muito importante entender bem a ressurreição de Jesus, porque esta é a verdade fundamental de nossa fé. 

Jesus ressuscitou - Em primeiro lugar, dizer que Jesus ressuscitou, não significa que ele não morreu, ou só morreu aparentemente, porque era Filho de Deus. Não. Jesus morreu de verdade, como todos nós devemos morrer. É verdade que, enquanto Deus, ele não podia morrer, mas, enquanto homem, filho de Maria, seguiu o destino comum de toda a humanidade: foi crucificado, morto e sepultado, como dizemos no Credo. 

Jesus não reencarnou – Jesus ressuscitado não pertence mais a este mundo, nem pode morrer outra vez. Por isso, a ressurreição não tem nada a ver com a reencarnação, ensinada pelos espíritas. Para nós cristãos, não existe reencarnação. Jesus não se reencarnou noutro corpo, para começar outra vida na Terra. 

Isso significa que ... – esse homem que morreu na cruz vive agora duma maneira nova, cheia de glória e felicidade na presença de Deus. A ressurreição é a prova de que o caminho que ele seguiu até a morte é o caminho verdadeiro. Ressuscitando-o dos mortos, Deus atesta que Jesus é o seu Filho querido, o único que cumpriu sempre a sua vontade. A fé na ressurreição é a fé na vitória de Deus sobre a maldade humana. Significa que o pecado, o sofrimento e a morte, não têm a última palavra: o amor é mais forte que o ódio, a vida vence a morte. 

Ressurreição, centro do cristianismo - A ressurreição revela o sentido da existência humana. Mostra que só em Deus encontraremos a plenitude de nossa vida. O destino de Jesus antecipa o nosso destino. Todos os que crêem nele e seguem o seu caminho são chamados a viver com Ele, para além da morte, uma vida nova de amor e de alegria em comunhão com Deus. Por isso a ressurreição de Jesus é a verdade central do cristianismo, o fundamento de nossa esperança, a mensagem que somos chamados a anunciar a todos os que buscam um sentido para a sua vida. 

E as provas? - Como diz S.Paulo: Se Jesus não ressuscitou, nossa fé não vale, não tem sentido (cf. ICor 15,17). É verdade que ninguém viu a ressurreição de Jesus. Os Evangelhos não contam como ela aconteceu. Mas eles proclamam que o mesmo Jesus que morreu na cruz, está vivo atualmente. Se ele está vivo, é porque Deus, seu Pai, o ressuscitou dos mortos. Não se trata, porém, da volta à mesma vida de antes. O que os discípulos anunciam é que Jesus venceu a morte e entrou na vida eterna, inaugurando um mundo novo. Ele é assim o Messias e Salvador de toda a humanidade. Esta afirmação não é a pura constatação dum fato histórico.  

Ilusão? - A fé na ressurreição de Jesus que os apóstolos transmitiram à Igreja, não é arbitrária. Existe uma série de fatos e de testemunhos que a fundamentam. O primeiro fato historicamente incontestável é que umas mulheres, amigas de Jesus, e também os seus apóstolos, como Pedro e João, foram ao túmulo, onde Jesus tinha sido depositado, e o encontraram vazio. Mais importante ainda é que todas estas testemunhas viram, depois, são e salvo, o mesmo Jesus que tinham conhecido antes de sua morte. No princípio duvidam, porque tinham perdido toda a esperança no seu Mestre, depois de assistir ao fracasso total da sua missão. Mas finalmente se deixam convencer: acreditam que Deus não abandonou o seu Filho querido, mas revelou nele e por ele a grandeza de seu amor por nós; compreenderam também que o nosso destino, como o de Jesus, só se realiza na comunhão com Deus; por meio do amor, que vence a morte e toda a maldade humana. 

Autossugestão? – Estes fatos não são uma prova absoluta da ressurreição de Jesus. Desde o princípio correu a versão que os discípulos haviam roubado o seu corpo. E sempre se poderá alegar que as aparições do ressuscitado foram uma autossugestão coletiva. Só a fé nos dá a certeza de que Jesus ressuscitou. Mas, mesmo historicamente, é difícil atribuir a uma trapaça ou ilusão a existência do cristianismo; é difícil explicar a transformação dos discípulos em testemunhas ousadas da ressurreição de Jesus sem uma experiência autêntica de sua vitória final. 

Questão de fé - Os discípulos de Jesus tiveram dificuldade em acreditar na Sua ressurreição, apesar do seu anúncio de que ressuscitaria ao terceiro dia, porque isso significa aceitar que aquele mesmo Homem que foi crucificado é o Salvador do mundo. E isso não é um fato que se apresenta a todos como evidente. É uma verdade que se deve crer. Porque viram, ninguém duvidou da volta de Lázaro à vida. Nem tampouco os chefes dos judeus. Era incontestável. Mas nem por isso todos creram em Jesus. Ao contrário, decidiram eliminá-lo, porque a sua mensagem se opunha a muitos interesses. O seu modo de ser era diferente do Messias que esperavam. Até o fim contavam com algum milagre grandioso, que revelasse que Ele era o enviado de Deus. Mas nada disso aconteceu. A própria ressurreição de Jesus não foi um prodígio espetacular. Ninguém o viu saindo do túmulo. Ele não apareceu no meio do templo de Jerusalém, vestido de luz, para ser aclamado pelo povo como o Messias-Rei.  

O amor é mais forte - Por isso, quando Jesus veio ao encontro dos discípulos na sua nova existência de ressuscitado, eles pensaram que estavam vendo um fantasma. A manifestação de Jesus era clara, mas não era nada claro para eles que um crucificado podia ser o Messias, o Salvador do mundo. Só pouco a pouco compreenderam que a vitória de Jesus não era como eles imaginavam. Era muito mais completa, porque era uma vitória do jeito de Deus. Não se tratava de salvar o mundo pela força das armas, mas pelo poder do amor. Não se tratava simplesmente de melhorar a situação do seu povo, derrotando os seus inimigos, mas de vencer de uma vez por todas o pecado e a própria morte, amando até o fim. Não se tratava de fundar um reino aqui na Terra, mas de oferecer aos que crêem no seu Nome a vida eterna no Reino de Deus.
(Fonte: João A. Mac Dowell, S.J.)