segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Deus pode pedir um crime como culto?

 


 A primeira leitura das missas deste domingo apresenta uma das histórias mais corajosas da Bíblia: aquela em que Deus pede a Abraão que mate seu filho Isaac e ofereça-o a ele como um sacrifício.

 O texto – De acordo com Gênesis (22,1-19), uma noite Deus apareceu a Abraão e, para testá-lo, ele disse: “Toma teu filho único, Isaac, a quem tanto amas, dirige-te à terra de Moriá e oferece-o ali em holocausto”. (Holocausto: sacrificá-lo cortando-o e queimando-o totalmente).

 

Obediente – Sem dizer uma palavra, Abraão levantou-se no início da manhã e foi para a região que Deus indicou. Ao chegar no lugar, Abraão construiu um altar, amarrou e colocou no altar seu filho Isaac. Mas quando ele levantou a mão com a faca para sacrificá-lo, um anjo do céu gritou: "Abraão, Abraão, não machuca o filho. Agora eu sei que você é respeitoso com Deus e que não me negou seu único filho ". Olhando para cima, Abraão viu um carneiro enrolado por chifres em um mato. Ele tomou e sacrificou em vez de seu filho, e ambos voltaram para casa.

 

Escândalo – Muitos cristãos, ao ler este capítulo da Bíblia, não podem deixar de se sentir escandalizados. Alguns até se rebelam contra Deus. Como ele poderia pedir a Abraão, um pobre velho com uma esposa estéril, para matar o único filho? Apenas para provar sua fidelidade? Um crime pode ser um dever sagrado para Deus?

 

A Exegese – Esta primeira leitura faz parte de um bloco de textos a que se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (Gn 12-36). Esses capítulos tomam mitos, lendas, e antigas histórias sobre os clãs nômades que circularam pela palestina e apresentam aos israelitas como modelo de vida e fé.

 

Origem – O relato do sacrifício de Isaac (Gn 22) é uma “lenda cultual” (culto a um deus). Nasceu, provavelmente, num santuário do sul do país, muito antes de os patriarcas bíblicos se terem instalado na região. A lenda primitiva contava como num lugar sagrado, o deus aí adorado tinha salvo uma criança destinada a ser oferecida em sacrifício (no mundo dos cananeus, os sacrifícios humanos eram relativamente frequentes). A partir daí, nesse lugar, os sacrifícios de crianças tinham sido substituídos por sacrifícios de animais. Foi essa a primeira etapa da tradição que nos é hoje proposta.

 

Abraão – Numa segunda fase, esta história primitiva foi aplicada à figura de Abraão, quando o clã de Abraão se instalou na região. O pai cananeu da primitiva história, que levava o filho para ser oferecido em sacrifício, foi identificado com o patriarca Abraão. A tradição acabou por englobar um clã ligado ao de Abraão, o clã de Isaac. Isaac tornou-se, assim, o filho destinado ao sacrifício de que falava a velha lenda pré-israelita.

 

Lenda virou Catequese – Numa terceira fase, os teólogos elohistas (séc. VIII a.C.) pegaram a antiga lenda cultual e puseram-na ao serviço da sua catequese. Na reflexão dos catequistas de Israel, a antiga lenda tornou-se uma catequese sobre uma “prova” em que o justo Abraão manifestou a sua obediência radical e a sua confiança em Elohim.

 

Elohistas e Yahistas – A tradição elohista é uma das fontes de redação do livro do Gênesis. É denominada elohista porque denomina o seu Deus de Elohim. A outra fonte é a yahvista, que denomina o Deus de Yahvé. Por esta razão que aparecem duas descrições de criação do mundo no livro do Gênesis: a primeira (Yahista), Deus cria o mundo em sete dias, começando pela luz e terminando pelo homem; na segunda (Elohista) Deus cria o homem do barro e lhe dá a vida com um sopro.

 

No Gênesis – Por fim, um redator pós-elohista acrescentou ao texto outros elementos de caráter teológico. Foi, certamente, ele que ligou a lenda do sacrifício de Isaac com o monte santo dos sacrifícios do Templo de Jerusalém; foi ele, também, que acrescentou à história a ideia de que o comportamento de Abraão para com Deus mereceu uma recompensa e que essa recompensa iria, no futuro, derramar-se sobre todos os descendentes de Abraão.

 

QUER SABER MAIS? – Se você gostou do texto e que saber mais podemos lhe oferecer dois textos escritos por um teólogo católico: “Por que Deus ordenou que Abraão matar seu filho?” (5 páginas) e “O mundo foi criado duas vezes?” (5 páginas). Solicite por E-mail.

 

domingo, 18 de fevereiro de 2024

casa de Jesus

 


Na última semana, descrevemos a cidade onde Jesus morou, durante a sua pregação. Por ter morado na cidade de Cafarnaum, entre o final do ano 27 e abril do ano 30 d.C., esta cidade ficou conhecida como “A cidade de Jesus”. Lembramos que Jesus nasceu na cidade de Belém, na Judéia (no ano 7 a.C.), foi criado em Nazaré (por isso foi chamado de Jesus de Nazaré ou Nazareno e, no ano 27 d.C., com 33 anos de idade, foi morar em Cafarnaum, que se tornou a sede de sua pregação. Jesus morreu crucificado na sexta-feira, 7 de abril do ano 30 (com 36 anos), e ressuscitou no domingo, 9 de abril.

 Pesquisas – Na década de 1970, foram feitas escavações nas ruínas da cidade de Cafarnaum. A primeira constatação foi que a cidade era muito pobre, as paredes das casas eram construídas com grossas pedras de basalto negro, sem polir, postas umas sobre as outras, sem argamassa. Os pisos das casas eram de terra ou estavam cobertos com pequenas pedras lisas. Entre todos aqueles ambientes escavados, apareceu uma estranha habitação. As paredes tinham revestimento interno de argamassa e os pedaços de reboco, que estavam caídos no piso, tinham desenhos geométricos e pinturas florais. O que mais chamou a atenção foram 175 fragmentos das paredes com inscrições (em grego, sírio e aramaico) com as palavras “Senhor”, “Cristo”, “Deus”, “Amém” e “Pedro”.

 Pergunta – O que havia de particular naquela casa de Cafarnaum? Era a única com piso pavimentado e paredes decoradas. Os arqueólogos concluíram que se tratava da casa humilde de um pescador (Pedro), que a havia emprestado para Jesus viver, enquanto se encontrava na cidade. As inscrições nas paredes eram de visitantes cristãos que visitaram Cafarnaum nos primeiros séculos do cristianismo, fazendo da casa local de veneração.

 Pedro – A casa de Simão Pedro estava situada em um dos quarteirões, nas imediações do lago. Em Cafarnaum não existiam casas individuais, mas habitações de famílias ou coletivas: as habitações, construídas em pedra, agrupavam-se ao redor de um único pátio, para várias famílias. As diversas habitações não tinham porta, permanecendo sempre abertas para o pátio. Uma única porta comunicava a rua ao pátio. Ali se amassava e assava o pão, em fornos coletivos; as mulheres moíam o trigo e os artesãos faziam seus trabalhos manuais.

 A casa – O pátio da casa de Pedro tinha aproximadamente 84 m2, totalizando sete habitações. Conforme Marcos (1, 29), na casa moravam Simão (Pedro) e seu irmão André. Devemos considerar que todos tinham mulheres e filhos, além da sogra de Pedro, que podia ter marido e outros membros da família. A primeira vez que Jesus entrou na casa foi para curar a sogra de Pedro, que estava enferma, e os apóstolos “falaram-lhe a respeito dela”. Isso mostra que Jesus não teve a possibilidade de vê-la, pois se encontrava em outra habitação.

 Impostos – Nesta casa, aconteceu o episódio contado em Mateus 17, 24-27: os cobradores de impostos, ao verem Pedro entrar com Jesus na casa, chamaram o apóstolo, dizendo: “O seu Mestre não paga os impostos ao Templo”. Pedro contestou: “Claro que sim”. E entrou silencioso na casa para buscar o dinheiro. Jesus adiantou-se dizendo: “Simão, vai até o lago, lança o anzol e abre a boca do primeiro peixe que pescares. Ali encontrarás uma moeda valendo duas vezes o imposto; pega-a e entrega a eles por mim e por ti”. Por que os cobradores se dirigiram a Pedro para cobrar o imposto? Certamente porque Jesus, como hóspede permanente de Pedro, já era considerado membro da família.

 Teto – Nas casas da cidade não havia cobertura, como nas casas atuais. Devido à raridade de chuvas na região da Galileia, os telhados das casas consistiam em travessões de madeira com um entrelaçado de ramos com folhas e se colocava em cima uma massa de terra e palha. Este sistema de telhado durava um ano e deveria ser reparado antes da estação das chuvas. Para esta manutenção, existia na parte externa da casa uma escada fixa de pedra, que dava acesso ao telhado. Esta descrição permite entender melhor o relato da cura do paralítico, em Mc 2,1-22: os quatro amigos que carregavam o paralítico, ante a impossibilidade de passar pela porta da casa, subiram pela escada externa, removeram a massa de terra e os ramos e abaixaram a maca com o paralítico até Jesus, que estava dentro da casa.

 Recompensa – No final da pregação de Jesus, Pedro pôde ouvir a sua recompensa: “... por ter deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim, dentro de pouco tempo receberás cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras”. E concluiu: “E, no futuro, a vida eterna” (Mc 10, 28-31).

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