sábado, 28 de dezembro de 2013

Foi Jesus desobediente aos 12 anos?


O Evangelho das missas deste domingo (Lc 2, 42-51) apresenta Jesus com 12 anos no Templo entre os doutores. José e Maria foram à Jerusalém na festa da Páscoa e levaram Jesus, que tinha 12 anos. A regressarem para Nazaré, depois de um dia de viagem, notaram que Jesus não estava na caravana. Voltaram à Jerusalém e, depois de três dias, o encontraram no Templo, sentado entre os doutores. Ao ser perguntado da razão de ter permanecido no Templo, Jesus respondeu: “Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?”

Midrash – O Evangelho que nos é proposto é o final do “Evangelho da infância” de Lucas. Como já comentamos em artigos anteriores, estes textos foram escritos para se desenvolver um conceito teológico ou uma doutrina, criando-se uma história fictícia ou uma narração figurada (uma lenda, um mito). Portanto, a narração de Lucas não pretende ser um relato jornalístico ou uma informação histórica, mas sobretudo, uma catequese (texto escrito para o ensino) sobre Jesus.

Texto inacreditável – A “história” criada por Lucas, além de ser incrível, apresenta detalhes difíceis de ser sustentada como real: é inacreditável que o menino Jesus tenha decidido ficar sozinho em Jerusalém, sem dizer nada aos seus pais; como puderam José e Maria fazer a viagem de regresso de Jerusalém para Nazaré sem se certificarem de que o seu filho, apenas com 12 anos, estava na caravana?; é possível que os seus pais caminhassem durante um dia inteiro (30 km) sem sentirem a falta de Jesus?; é imaginável que José e Maria fizessem as refeições sem se darem conta de que Jesus não estava com eles? por que demoraram três dias para encontrá-lo, se o mais natural era que o procurassem no Templo, onde tinham ido em peregrinação?; onde e com quem passou Jesus as duas noites que esteve só e perdido em Jerusalém? como se atreve Maria a repreender a quem ela sabia ser o Filho do Altíssimo?

Qual a razão do texto? – Qual teria sido a razão de Lucas ter criado este texto? Para isso, devemos ter em conta que, nos primeiros tempos, os pregadores quando comunicavam o Evangelho, começavam sempre contando a vida de Jesus a partir do seu batismo no rio Jordão (como se este fosse o primeiro episódio importante da sua vida), e terminavam com a sua morte e ressurreição em Jerusalém. Um exemplo disso ocorre na eleição do substituto de Judas Iscariotes: puseram como condição que o sucessor conhecesse bem a vida de Jesus “a partir do batismo de João até dia em que nos foi arrebatado para o Alto” (At 1,21-22). Quer dizer que a vida completa do Senhor abrangia este período.

Um problema – Como a pregação da vida de Jesus começava com o seu batismo, alguns cristãos pensaram que Jesus tinha “começado” a ser Filho de Deus a partir do batismo. Isto é, julgavam que Jesus tinha sido um homem comum e normal até os 33 anos e que, a partir do batismo, foi “adotado” por Deus como seu Filho. Por isso, após ser batizado, uma voz do céu lhe dizia pela primeira vez: “Tu és meu Filho”. Esta perigosa crença, começou a espalhar-se pouco a pouco em algumas comunidades (desta crença surgiram várias heresias, como o Adocionismo e Nestorianismo).

Evangelhos da Infância – Quando foram escritos os evangelhos, Marcos (o primeiro a escrever) começou o seu relato de maneira tradicional, isto é, com o batismo de Jesus (Mc 1). Mas Lucas (e Mateus), para evitar a possível interpretação de que Jesus tinha “começado” a ser Filho de Deus a partir do batismo, decidiu acrescentar os “relatos da infância” de Jesus, que mostravam a sua filiação divina desde o nascimento.

Jesus cresceu duas vezes – Quando Lucas já tinha terminado de escrever a infância de Jesus (a anunciação do anjo, a visita de Maria a Isabel, a apresentação do menino recém-nascido no Templo), e tinha escrito a conclusão (“E o menino crescia, e fortalecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele” – Lc 2,40), tomou conhecimento da história de Jesus adolescente perdido no Templo aos doze anos. Resolveu incluí-lo no texto da infância que já havia escrito. Mas se esqueceu que já havia colocado uma frase final no texto e voltou a colocá-la outra vez mais à frente. Assim, o capítulo 2 de Lucas “termina” duas vezes, com a repetição dos versículos 40 e 52.


QUER SABER MAIS? – Esta história de “Jesus no Templo” é contada em detalhes em alguns textos apócrifos (não reconhecidos pela Igreja). No “Evangelho apócrifo de Tomé – narrações da infância de Jesus” e no “Evangelho apócrifo de Pedro sobre a infância do Senhor” são descritas todas as conversas de Jesus com os doutores do Templo e a conversa dos fariseus com Maria. Se você quiser receber estes textos solicite por E-mail que lhe enviaremos o arquivo gratuitamente.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Quando nasceu Jesus?


Hoje vamos apresentar detalhes sobre o nascimento de Jesus com informações tiradas dos Evangelhos Canônicos e de textos históricos.

Cronologia – A cronologia do nascimento de Jesus não é encontrada, diretamente, nos Evangelhos.  No entanto, é possível a reconstrução do quadro cronológico a partir de alguns dados evangélicos, históricos e astronômicos.
         
O que dizem os Evangelhos – O ano em que Jesus nasceu pode ser calculado em função de dois dados evangélicos: alguns anos antes da morte de Herodes (Mt 2,1-19) e por ocasião de um recenseamento, quando Públio Sulpício Quirino era governador da província romana da Síria (Lc 2,2).

Um pouco de História – De acordo com o historiador judeu Flávio Josefo, Herodes governou 37 anos (desde o 714º ano do calendário romano, que conta os anos a partir da fundação de Roma – ou 40 a.C. – até a sua morte no ano 750º, ou 4 a.C.).   Herodes morreu alguns dias após um eclipse lunar e cerca de 10 dias antes da Páscoa.  A astronomia confirma um eclipse lunar visível em Jerusalém na noite de 12 de março de 4 a.C. e a Páscoa daquele ano ocorreu em 11 de abril.  Portanto, Herodes morreu no final de março do ano 4 a.C.

Herodes – Sabe-se também, que no princípio do inverno do ano de 5 a.C. Herodes, já doente (problemas pulmonares), se transferiu para Jericó e, depois, para as termas de Calliroe, no Mar Morto.  Portanto, a visita dos magos a Jesus e a Herodes em Jerusalém se deu antes dessa data (Mt 2).  Por outro lado, Herodes, calculando a época desde o nascimento de Jesus, fez matar todos os meninos com menos de dois anos.  Isso nos leva a concluir que Jesus deveria ter nascido pelo menos dois anos antes da morte de Herodes.

O ano do nascimento de Jesus – Essas considerações nos levam a situar o nascimento de Jesus nos anos 7 (mais provável) ou 6 antes de nossa era e, portanto, se não fosse um paradoxo, poderíamos dizer em 7 ou 6 "antes de Cristo".

Jesus não nasceu em dezembro – Quanto ao mês do nascimento de Jesus, a única informação está em Lc 2,8: "na mesma região havia uns pastores que estavam nos campos e que durante as vigílias montavam guarda a seu rebanho".   Sabe-se que, em dezembro, quando comemoramos o Natal, a temperatura na região de Belém é abaixo de zero e, normalmente, há geadas.   Portanto, certamente não haveria gado, no mês de dezembro, nos pastos próximos a Belém.   Atualmente, naquela região, os rebanhos são levados para o campo em março e recolhidos no fim de outubro.

A época mais provável – Portanto, o nascimento de Jesus se deu antes do inverno (do hemisfério norte), talvez no mês de setembro ou outubro do ano 7 (talvez 6) antes de nossa era.

25 de dezembro – Nada sabemos sobre o dia do nascimento de Jesus. Os romanos comemoravam em 25 de dezembro o ‘Dia do Sol Invencível’ pois, os dias começavam a ficar mais longos.  No século IV, os cristãos adotaram esta data para proclamar o nascimento de Cristo.


QUER SABER MAIS? – Flávio Josefo foi um escritor e historiador judeu que viveu entre 37 e 103 d.C. No primeiro século escreveu a obra “A História dos Hebreus” que, depois da Bíblia, é a maior fonte de informações sobre os impérios da Antiguidade, o povo judeu e o Império Romano. Se você quiser receber o texto completo deste livro (1.627 páginas) solicite por E-mail que lhe enviaremos o arquivo gratuitamente.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Tu és mesmo o Messias?


No Evangelho das missas deste domingo, João Batista manda os seus discípulos irem até Jesus e perguntar-lhe: “És Tu Aquele que há de vir ou devemos esperar outro?”. João Batista, como todo o povo judeu, aguardava a chegada de um Messias (o Cristo, o Ungido de Deus), como estava prometido no Antigo Testamento. Por essa razão, ele manda seus discípulos perguntarem a Jesus se Ele realmente o Messias esperado, ou devemos esperar por outro.


Messias – Nos primeiros séculos, uma das dificuldades do cristianismo era provar aos judeus que Jesus era o Messias, o Cristo esperado pelos judeus. Conforme o Antigo Testamento, este personagem deveria ter três características prometidas por Deus para o final dos tempos: um profeta, um rei e um sacerdote. Para Jesus ser o Messias, ele deveria ter as três qualidades.
 
Profeta, rei, sacerdote – A vinda de um profeta no final dos tempos foi comunicada por Deus a Moisés no livro do Deuteronômio (18,18): “Suscitarei um profeta como tu entre teus irmãos”. A promessa de um rei está no 2º Livro de Samuel (7,12), onde Deus diz a Davi: “Quando tu morreres eu mandarei um descendente teu e manterei o seu trono para sempre”. Finalmente, a promessa de um futuro sacerdote santo foi para Eli: “Mandarei um sacerdote fiel, que atue segundo a minha vontade” (1Sam 2, 35).

Jesus: Profeta e Rei – Cristo foi reconhecido como “profeta” (Mc 9,8), como “grande profeta” (Lc 7,16) e como “o profeta” (Jo 6,14). Também foi reconhecido como “rei” (Mt 21,9), como “o rei que vem em nome do Senhor” (Lc 19,38), como “o rei de Israel” (Jo 12,13).  O próprio Pedro reconhece Jesus como o profeta prometido (Hb 3,22) e como rei esperado (Hb 2,36).

Por que a pergunta de João? – João Batista e os judeus esperavam um Messias que viesse lançar fogo à terra, castigar os maus e os pecadores, dar início ao “juízo de Deus” (Mt 3,11-12). Ao contrário, Jesus aproximou-Se dos pecadores, dos marginais, dos impuros, estendeu-lhes a mão, mostrou-lhes o amor de Deus, ofereceu-lhes a salvação (Mt 8-9). João e os seus discípulos ficaram desconcertados: Jesus será o Messias esperado, ou é preciso esperar um outro que venha atuar de uma forma mais decidida, mais lógica e mais justiceira?

Jesus Sacerdote – Porém jamais, em nenhuma ocasião, Jesus foi reconhecido como sacerdote. Isto por uma clara razão: para ser sacerdote ele deveria pertencer a tribo de Levi, e Jesus pertencia à tribo de Judá. Portanto, para os judeus, Jesus era um leigo. Explicando melhor: Quando os Hebreus chegaram à Terra Prometida, se dividiram em 12 tribos. Só poderiam ser sacerdotes os descendentes da tribo de Levi (chamados levitas). Jesus pertencia à tribo de Judá, portanto nunca poderia ser aceito como sacerdote.

Solução – Por volta do ano 80 d.C. apareceu na cidade de Roma um personagem de grande cultura e grande conhecimento da língua grega. Este autor, que para nós permanece anônimo, escreveu a Carta aos Hebreus, esclarecendo que Jesus poderia ser sacerdote. Nos capítulos 7 a 10 da Carta, ele desenvolve o seguinte raciocínio: interpretando o Salmo 110 (vers. 4), em que Deus diz “tu és sacerdote para sempre, segundo a Ordem de Melquisedec”, ele afirma que Deus criou uma nova ordem de sacerdotes, distinta da ordem dos levitas. Jesus Cristo desceu dos céus para ser o sumo sacerdote desta nova ordem.
 
Quem era? – Melquisedec é proclamado como “rei de Salém” e “sacerdote do Deus Altíssimo” (Gn 14). Foi ao encontro de Abrão, abençoou-o, entregando-lhe pão e vinho. Trata-se de um personagem estranho, pois o texto não indica as suas origens nem a sua ordem sacerdotal.


Nova ordem – Portanto Cristo é o primeiro sacerdote, protagonista e iniciador de uma nova ordem de sacerdotes. Pela interpretação do Salmo (110, 4) e da Carta aos Hebreus (cap.7 a 10) a Igreja Católica proclama Jesus como “sacerdote para sempre, segundo a Ordem de Melquisedec”.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Anunciação do Anjo à Virgem Maria


O Evangelho das missas deste domingo descreve a Anunciação da Virgem Maria (Lc 1, 26-38). A Anunciação é a celebração cristã do anúncio pelo Arcanjo Gabriel para a Virgem Maria, de que ela seria a mãe de Jesus Cristo. Apesar da virgindade, Maria milagrosamente conceberia uma criança, que seria chamada de Filho de Deus. Gabriel disse a Maria ainda que deveria chamar a criança de Jesus ("Salvador"). A Igreja Católica celebra este evento na festa da Anunciação, em 25 de março, exatamente nove meses antes do Natal.

Nazaré – A cena situa-nos numa aldeia da Galileia, chamada Nazaré. A Galileia, região a norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus uma terra longínqua e estranha, em permanente contato com as populações pagãs e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que “da Galileia não pode vir nada de bom”. Quanto a Nazaré, era uma aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e completamente à margem dos caminhos de Deus e da salvação.

Maria – A jovem de Nazaré que está no centro deste episódio era “uma virgem desposada por um homem chamado José”. O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os “esponsais”); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (matrimônio propriamente dito). Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum, mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um carácter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (Dt 22,23-27). José e Maria estavam na situação de prometidos (esponsais), não tendo ainda celebrado o matrimônio.

Evangelho da Infância – O texto da Anunciação pertence ao “Evangelho da Infância”, na versão de Lucas. Os capítulos 1 e 2 dos Evangelhos de Mateus e Lucas são chamados de “Evangelhos da Infância”, pois descrevem o nascimento de Jesus. O texto da Anunciação, que será lido neste domingo, pertence ao “Evangelho da Infância” na versão de Lucas.

Midrash – Estes textos foram escritos na forma de midrash: para se desenvolver um conceito teológico ou uma doutrina, cria-se uma história fictícia ou uma narração figurada (uma lenda, um mito). Portanto, a narração da Anunciação de Lucas não pretende ser um relato jornalístico ou uma informação histórica; mas é, sobretudo, uma catequese (texto escrito para o ensino) destinada a proclamar certas realidades salvíficas.

Homologese – É outra característica do texto de Lucas. A homologese faz com que a história fictícia que está sendo contada se utilize de fatos e pessoas já conhecidas (do Antigo Testamento) e aparições apocalípticas (anjos, aparições, sonhos). Desta forma a narração se torna mais real.

Diálogo repetido – Desta forma, a narrativa torna-se uma construção artificial. Isto pode ser constatado pelos elementos do diálogo entre o anjo e Maria, que são copiados do Antigo Testamento. A saudação “alegra-te” (v. 28) foi tirada do profeta Sofonias (3,14). A expressão “O Senhor está contigo” é do livro dos Juízes (6,12), quando o anjo aparece a Gedeão. “Não temas” é a frase do anjo a Daniel (Dn 10,12). O “nada é impossível a Deus” (v. 37) nós o encontramos em Gn 18,14, quando o anjo anuncia o nascimento de um filho a Abraão.

Mais repetições – A mensagem “conceberás em teu seio e darás à luz um filho, e lhe darás o nome de Jesus...” (v. 31) é a frase do anjo a Agar, escrava de Abraão (Gn 16,11). E a continuação — “ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai. Ele reinará na casa de Jacó pelos séculos e seu reino não terá fim” (v. 32-33) – é uma clara alusão à profecia de Natã ao rei Davi, prometendo-lhe, em nome de Deus, um sucessor em sua casa e o reinado eterno de sua linhagem (2Sm 7,12-16).


Anunciação – Lucas recolheu frases importantes do Antigo Testamento, todas elas referentes a intervenções de Deus na história e com elas escreveu um conto sobre a maior das intervenções divinas na humanidade.