sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Ainda hoje estarás comigo no Paraíso


INRI – O Evangelho deste domingo (Lucas 23,35-43) apresenta uma cena da Paixão de Cristo. Situa-nos no “lugar do Crânio” (Gólgota, forma de crânio), diante de uma cruz. A cena apresenta-nos Jesus crucificado, dois “malfeitores” crucificados também, os chefes dos judeus que “zombavam de Jesus”, os soldados que zombavam dos condenados e o povo silencioso, perplexo, observando. Acima da cruz de Jesus havia uma inscrição: “Yehoshuah Nazoreus, Rex Youdeus - Jesus Nazareno, rei dos judeus”, de onde vem a abreviatura INRI (Jo 19,19). 

Rei do Universo – Como é de costume, na Igreja Católica, no último domingo do Ano Litúrgico celebra-se a festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. A festa foi estabelecida na época dos governos totalitários nazistas, fascistas e comunistas, nos anos antes da Segunda Guerra, para enfatizar que o único poder absoluto é o de Deus.

Os dois ladrões – Vamos dar enfoque para o final da leitura do Evangelho de Lucas. Jesus estava sendo crucificado ao lado de dois ladrões. Um deles insultava Jesus, dizendo: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” O outro, o repreendia, dizendo: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação?”.

Os nomes – Os Evangelhos canônicos não citam os nomes dos dois ladrões crucificados ao lado de Jesus. Precisamos recorrer ao Evangelho de Nicodemus (apócrifo) para encontrarmos os nomes de Dimas (“bom” ladrão, santo da Igreja Católica) e Gestas (“mau” ladrão).

Quem era o “bom” ladrão – Pouco se sabe sobre a vida real ou lendária de São Dimas. Conta-se que era filho de um casal piedoso, que perdeu a mãe quando era pequeno e foi criado pelo pai, com muito carinho, temor a Deus e acreditando que tinha um espírito que continuaria vivendo após a morte deste corpo. Acreditava que essa vida espiritual dependia dos bálsamos, mortalha, sepultura digna, tudo o que fosse dispensado aos corpos após a morte, pois todo corpo abandonado e insepulto teria seu espírito vagando, sem nunca conseguir o repouso eterno.

Vingança – Dimas estava com 18 anos quando seu pai morreu e surgiu um cobrador confiscando todos os seus bens.  Não deixou nem o suficiente para o sepultamento, ficando o corpo insepulto durante seis dias, sendo depois atirado numa vala comum, destinada aos leprosos, que eram os proscritos da sociedade. Dimas, arrasado, jurou vingar-se.

Ladrão – Precisou implorar uma arma a um vendedor, prometendo que voltaria algum dia para pagá-lo. Após matar o cobrador do pai, tornando-se um fora da lei, passou a roubar viajantes e caravanas. Conseguindo dinheiro, pagou o punhal comprado, mas, agora, era um assassino e ladrão, assim, passou a viver nas montanhas e chefiou bandidos dos Montes da Samaria.

José e Maria Diz a lenda que, apesar de bandido, acolhia e ajudava os pobres viajantes e, certa vez, deu pernoite a viajantes que fugiam para o Egito: José, Maria e o Menino Jesus, abrigando-os de uma tempestade.

Jesus – Os anos foram passando, Dimas escutou algumas pregações e milagres de Jesus e resolveu abandonar a vida de criminoso. Enquanto Dimas estava foragido, Barrabás, um assassino feroz que estava preso, em troca de melhor comida na prisão, delatou Dimas, que foi preso e condenado à crucificação.

Ressurreição – A promessa que Jesus faz a Dimas (“Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” – Lc 23,43) revela esta vitória e é a garantia de nossa esperança cristã. A partir da morte e ressurreição de Jesus, que é também a sua glorificação, estão abertas as portas do Paraíso. Foi inaugurado o reino da Ressurreição dos mortos. Jesus reina a partir da cruz e não a partir do poder, e quer realizar seu reino numa sociedade de irmãos entre si e de filhos de Deus.


Dimas em Bauru – Em nossa cidade existe uma paróquia que tem Dimas como padroeiro. É a Paróquia de São Judas Tadeu e São Dimas, localizada nos altos da cidade.  A festa comemorativa de São Dimas acontece no dia 25 de março.

sábado, 12 de novembro de 2016

Quem não quer trabalhar, também não deve comer


O Evangelho das missas deste domingo apresenta o texto de Lucas (21, 5-19) em que Jesus profetiza a destruição do Templo. Esse trecho faz parte dos famosos discursos sobre o fim do mundo, característicos dos últimos domingos do ano litúrgico. E, na segunda leitura, vemos a Carta de Paulo, dirigida aos cristãos de Tessalônica, que haviam deixado de trabalhar, a espera do fim do mundo anunciado por Jesus. Sobre este comportamento, Paulo escreve sua segunda carta aos Tessalonicenses.

Trabalhar para que? – Em Tessalônica, uma das primeiras comunidades cristãs, havia crentes que tiravam desses discursos de Cristo uma conclusão errônea: é inútil agitar-se, trabalhar e produzir, já que tudo está a ponto de acabar; é melhor viver cada dia, sem assumir compromissos no longo prazo, talvez vivendo um pouco de brisa.

Quem não trabalha não deve comer – A estes, São Paulo responde: “Ora, ouvimos dizer que entre vós há alguns que vivem à toa, muito ocupados em não fazer nada. Em nome do Senhor Jesus Cristo, ordenamos e exortamos a estas pessoas que, trabalhando, comam na tranquilidade o seu próprio pão”. No começo da passagem, São Paulo lembra a regra dada aos cristãos de Tessalônica: “Quem não quer trabalhar, também não deve comer”.

O trabalho na origem da criação – Esta era uma novidade para os homens da época. A cultura à qual pertenciam desprezava o trabalho manual; considerado degradante para a pessoa, como se fosse exclusivo de escravos e incultos. Mas a Bíblia tem uma visão diferente. Desde a primeira página, ela apresenta Deus trabalhando durante seis dias e descansando no sétimo. Tudo isso, antes ainda que se fale do pecado na Bíblia. Podemos concluir, portanto, que o trabalho faz parte da natureza original do homem; não é resultado da culpa nem do castigo. O trabalho manual é tão digno como o intelectual e o espiritual. O próprio Jesus dedicou vinte anos ao trabalho manual (supondo que tenha começado a trabalhar por volta dos 13 anos) e somente dois anos ao intelectual.

Quer valor tem o trabalho para Deus? – Conta um padre, que um leigo lhe escreveu perguntando: “Que sentido e que valor tem nosso trabalho de leigos diante de Deus? É verdade que nós, leigos, nos dedicamos também a muitas obras de bem (caridade, apostolado, voluntariado); mas a maior parte do tempo e das energias da nossa vida é dedicada ao trabalho. Assim, se o trabalho não vale para o céu, teremos bem pouco para a eternidade. Todas as pessoas às quais perguntamos sobre isso não souberam nos dar respostas satisfatórias. Elas nos dizem: ‘Ofereçam tudo a Deus!’. Mas isso é suficiente?”.

Trabalho como participação na obra de Deus – Respondendo ao leigo, assim se pronunciou o padre: “Não, o trabalho não vale somente pela “boa intenção” que temos ao realizá-lo, ou pelo oferecimento que se faz dele a Deus pela manhã; vale também por si mesmo, como participação da obra criadora e redentora de Deus e como serviço aos irmãos. É através do trabalho humano – diz um texto do Concílio – ‘que o homem sustenta de ordinário a própria vida e a dos seus; por meio dele se une e serve aos seus irmãos, pode exercitar uma caridade autêntica e colaborar no acabamento da criação divina. Mais ainda: sabemos que, oferecendo a Deus o seu trabalho, o homem se associa à obra redentora de Cristo’ (Gaudium et spes, 67).”


Colocar o coração no que as mãos fazem – Vemos, portanto, que não importa tanto que trabalho a pessoa realiza, mas como o realiza. Isso restabelece certa igualdade, deixando de lado todas as diferenças (às vezes injustas e escandalosas) de categoria e remuneração. Uma pessoa que desempenhou tarefas muito humildes pode “valer” muito mais que quem ocupou cargos de grande prestígio. O trabalho, como foi dito, é participação na ação criadora de Deus e na ação redentora de Cristo, e é fonte de crescimento pessoal e social, mas também, sabemos, é fadiga, suor, dor. Pode enobrecer, mas igualmente pode esvaziar e consumir. O segredo é colocar o coração no que as mãos fazem. O que cansa não é tanto a quantidade ou o tipo de trabalho que se faz, mas a falta de entusiasmo ou de motivação. Como nos diz o Apocalipse (14, 13), “nossas obras nos acompanharão” Que essa fé possa ser nossa motivação terrena para o trabalho. 

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A riqueza dos pobres de espírito



 O Evangelho deste domingo (Mt 5,1-12) propõe a passagem das Bem-aventuranças.  Propomos, a seguir, uma reflexão do padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia de Roma.

Compaixão pelos ingênuos? - O Evangelho deste domingo começa com a célebre frase: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”. A afirmação “bem-aventurados os pobres de espírito”, com frequência, é mal-entendida hoje ou, inclusive, se cita com algum sentimento de compaixão, como se fosse uma expressão que faz referência à credulidade dos ingênuos.

Frase completa – Mas Jesus jamais disse simplesmente: “Bem-aventurados os pobres de espírito!”; nunca sonhou pronunciar algo assim. Disse: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”, que é muito distinto. Deturpa-se completamente o pensamento de Jesus, banalizando-o, quando se cita sua frase pela metade, pois, assim, separa-se a bem-aventurança de seu motivo. Seria, suponhamos, o mesmo que dizer: “O que semeia...”. O que se entende disso? Nada! Mas se acrescentarmos: “colhe”, imediatamente tudo se esclarece. Se Jesus tivesse dito apenas: “Bem-aventurados os pobres!”, isso também soaria absurdo, mas quando acrescenta: “porque deles é o Reino dos Céus”, tudo se faz compreensível.

Reino que subverte – Mas que bendito Reino dos Céus é este, que realizou uma verdadeira “inversão de todos os valores?” É a riqueza que não passa, que os ladrões não podem roubar nem a traça consumir. É a riqueza que não se deve deixar para outros com a morte, mas que se leva consigo. É o “tesouro escondido” e a “pérola preciosa”, aquilo que, para se possuir, vale a pena deixar tudo, – diz o Evangelho. O Reino de Deus, em outras palavras, é o próprio Deus.

Que Reino é esse? – A chegada do Reino de Deus produziu uma espécie de “crise de governo” de alcance mundial, uma mudança radical. Abriu horizontes novos, em alguma medida, como no século XV, quando, se descobriu que existia um outro mundo, a América, e as potências que ostentavam o monopólio do comércio com o Oriente, como Veneza, se viram surpreendidas de repente e entraram em crise.

Quem é rico hoje? – Os velhos valores do mundo – dinheiro, poder, prestígio – mudaram, ficaram relativos e inclusive foram rejeitados por causa da chegada do Reino. E agora, quem é o rico? Talvez um homem tenha uma enorme soma em dinheiro; durante a noite ocorre uma desvalorização total; pela manhã se levanta sem nada ter, mesmo que não saiba ainda.

O “investimento” do pobre – Os pobres, pelo contrário, estão em vantagem com a vinda do Reino de Deus, porque ao não terem nada que perder estão mais dispostos a acolher a novidade e não temem a mudança. Podem investir tudo na nova moeda. Estão mais preparados para crer.

Mudança social ou de fé? – Acredita-se, hoje, que as mudanças que contam são aquelas visíveis e sociais e não as que ocorrem na fé. Mas quem tem razão? No século passado, vimos acontecer muitas revoluções sociais; contudo, também vimos depois de algum tempo, que tais mudanças acabam por reproduzir, com outros protagonistas, a mesma situação de injustiça que pretendiam eliminar.


Vendo com o Evangelho – Há planos e aspectos da realidade que não se percebem à primeira vista, só com a ajuda de uma luz especial. Atualmente, com os satélites artificiais, são feitas inúmeras fotografias, com raios infra-vermelhos, de regiões inteiras da Terra, e podemos ver quão diferente é o panorama com esta luz! O Evangelho e, em particular, nossa bem-aventurança dos pobres, nos dá uma imagem do mundo “com raios infra-vermelhos”. Permite captar o que está por baixo ou mais além da aparência. Permite distinguir o que passa e o que fica. A riqueza do pobre é o Reino de Deus.