sábado, 28 de janeiro de 2017

Quantos eram os apóstolos? – conclusão



Na semana passada, vimos que o Novo Testamento nos apresenta quatro listas dos apóstolos (Mc 3, 16-19; Mt 10, 2-4; Lucas 6, 14-16 e At 1, 13). Quando estas listas são comparadas, elas apresentam alguns problemas, com nomes diferentes e até mesmo uma mulher recebe o título de apóstolo.

Quantos eram, afinal, os apóstolos? A esta altura, já é evidente que não eram doze. Por que, então, nós falamos sempre em doze apóstolos?

Porque Doze – Antigamente, o povo de Israel era formado por doze tribos. Mas, no século 8 a.C., ao sofrer uma invasão por parte dos assírios, dez delas desapareceram. No século 6 a.C., as tribos que restavam também sofreram a invasão dos babilônicos, mas uma delas se salvou: a tribo de Judá (de onde vem o nome atual de “judeus”). Os profetas predisseram que chegaria um dia em que Deus voltaria a reunir as doze tribos de Israel. Recordando essas profecias, Jesus buscou entre seus seguidores doze homens, um de cada tribo perdida, e os fez seus discípulos imediatos. Era uma maneira de dizer que Deus estava começando um novo povo. As profecias, pois, se haviam cumprido em Jesus. Os novos tempos haviam chegado.

Apóstolos? – Mas os doze homens eleitos por Jesus nunca se chamaram “apóstolos”, mas simplesmente os “Doze”. Por quê? Porque a palavra “apóstolo” significa “enviado”. E, enquanto Jesus viveu, os doze não se separaram dele. Estavam ao seu lado, o acompanharam em suas viagens, o ajudaram em seus milagres e curas e, de vez em quando, iam pregar em seu nome; mas não os “enviou” de um modo permanente a nenhum lugar. Sempre voltavam a ele. Por isso, a maioria das vezes nos Evangelhos não se diz “os doze apóstolos”, mas somente os “Doze”: Jesus elegeu os Doze (Mc 3, 14); perguntaram-lhe os Doze (Mc 4, 10); tomou os Doze (Mc 10, 32), saiu com os Doze (Mc 11, 11); reuniu os Doze (Mt 20, 17); o acompanhavam os Doze (Lc 8, 1); acercaram-lhe os Doze (Lc 9, 12); Judas, um dos Doze (Jo 6, 71).

Enviados – A partir da ressurreição de Jesus, os Doze compreenderam que o Senhor os mandava pregar o Evangelho a todos os povos. Então se sentiram “enviados” e decidiram criar o título de apóstolo (enviado) para designar essa nova missão que tinham. Por isso os “Doze” receberam também o título de “apóstolos”, que nunca haviam recebido durante a vida de Jesus.

Outros – Além dos Doze, muitas outras pessoas também se sentiram “enviadas” e quiseram sair a pregar o Evangelho de Jesus (ex-leprosos, cegos curados, discípulos, gente que o havia conhecido e escutado). Que fazer com toda essa gente?

Critérios para ser Apóstolo – Os Doze pensaram que não era qualquer um que podia ser um enviado oficial de Jesus Cristo, já que existia o perigo de que a doutrina se desviasse. Então resolveram colocar duas condições para que alguém mais, além dos Doze, pudesse ser chamado de apóstolo: a) ter visto Jesus Ressuscitado; e, b) ter recebido de Jesus a missão de pregar.

Os primeiros apóstolos – Dessa maneira foi se formando um grupo mais amplo de apóstolos, dedicados principalmente ao anúncio e pregação do Evangelho. Os “Doze” constituíam um grupo distinto ao dos “apóstolos”. Vejam as palavras de Paulo: “Apareceu a Cefas, logo aos Doze..., logo a todos os apóstolos, e em último lugar a mim” (1Cor 15, 5-8).

Os Doze e os apóstolos – Pouco a pouco os Doze foram desaparecendo. A última vez em que são citados no Novo Testamento é em Atos (6, 2), na eleição dos sete diáconos. Depois não são mencionados nunca mais. Então os “apóstolos” passaram a ser os de maior prestígio e autoridade dentro da Igreja. Com o transcorrer do tempo, desapareceram também os apóstolos, esse grupo privilegiado de testemunhas de Jesus Cristo, e surgiram outros ministros novos, como os presbíteros, os diáconos, os bispos. Mas ninguém voltou a ter o título oficial de apóstolo.

As listas – Quando, a partir do ano 70, se escreveram os Evangelhos, os nomes de alguns dos Doze que acompanharam Jesus foram se perdendo, pois não se teve mais notícias deles e se mesclaram com os outros apóstolos posteriores. Por isso, ao confeccionar as diversas listas, colocaram nomes diferentes. E como fazia muito tempo que os “Doze” também eram chamados “apóstolos”, em algumas partes do Evangelho se misturaram ambos os títulos e puseram “os doze apóstolos” (Mt 10,2; Lc 6, 13), como se houvessem sido os únicos apóstolos. Daí procede nossa confusão atual.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Quantos eram os apóstolos?



No Evangelho das missas deste domingo (Mt 4,12-23), Jesus chama os primeiros apóstolos. É comum falar dos “doze apóstolos” de Jesus. Pinturas, quadros e esculturas fizeram famosa a cena do Mestre rodeado por seus doze amigos íntimos e contribuíram para imortalizar esse número, que hoje ninguém mais discute. Mas, os apóstolos de Jesus eram realmente doze? No Novo Testamento aparecem quatro vezes a lista com os nomes dos doze apóstolos (Mc 3, 16-19; Mt 10, 2-4; Lucas 6, 14-16 e At 1, 13). Delas, podemos observar alguns dados.

Os mais próximos – Se tomarmos em primeiro lugar a lista de Mateus, veremos que começa com Simão Pedro. É um dos apóstolos de quem mais dados temos. Sabemos que era oriundo de Betsaida (Jo 1, 44), mas tinha sua moradia em Carfanaum (Mt 8, 14), onde ganhava a vida como pescador no Lago da Galileia. Era casado (1 Cor 9,5) e vivia com seu irmão André e sua sogra (Mc 1, 29-30). O segundo da lista é André, irmão de Simão Pedro. Como este, era oriundo de Betsaida e vivia em Carfanaum, dedicando-se à pesca. Tiago e João eram igualmente pescadores do lago da Galileia (Mc 1, 19) e parece que gozavam de boa posição econômica, já que o pai de ambos, Zebedeu, era dono de uma pequena empresa pesqueira. Pedro, Tiago e João (sem André) constituíam um grupo especial dentro dos doze apóstolos e eram, de alguma forma, os preferidos de Jesus, já que lhes concedeu alguns privilégios. E unicamente a eles colocou um nome novo: a Simão chamou “Pedro”, e a Tiago e João, “Boanerges”, que significa “filhos do trovão” (Mc 3, 17).

Os menos famosos – Os outros oito apóstolos são menos conhecidos. De Felipe, o quinto da lista, só sabemos que era também de Betsaida e, ao que parece, muito amigo de André (Jo 12, 20-22). De Bartolomeu, o sexto, não sabemos nada. De Tomé, o sétimo, sabemos que tinha como apelido "Gêmeo", mas não se conta de quem. Foi ele quem convenceu os demais apóstolos a acompanharem Jesus, por ocasião da morte de Lázaro (Jo 11, 6-16); e foi ele quem duvidou das aparições do Senhor Ressuscitado (Jo 20, 24-29), pelo que foi chamado de incrédulo. De Mateus sabemos que era um cobrador de impostos. Dos três apóstolos que seguem – Tiago, filho de Alfeu; Tadeu e Simão, o zelote – não temos nenhum detalhe de suas vidas. E ao final da lista aparece Judas Iscariotes, o que entregou Jesus às autoridades judaicas que o mataram.

Problemas – Esta lista de Mateus coincide com a de Marcos. O problema aparece ao compará-la com as outras duas (de Lucas e Atos), porque nestas aparecem um apóstolo novo: um tal Judas, filho de Tiago (Lc 6, 16, At 1, 13). Quem é este Judas? Como nestas duas listas não há Tadeu, a solução que se encontrou foi que este Judas (de Lucas e Atos) é a mesma pessoa que Tadeu (de Mateus e Marcos). E o chamam Judas Tadeu. Mas, essa identificação carece de fundamento bíblico.

Mais problemas – Se prosseguirmos lendo os Evangelhos, veremos que Marcos narra a vocação de outro apóstolo, chamado Levi, cobrador de impostos. Por que ele tampouco aparece na lista dos doze? Aqui a tradição solucionou o problema do mesmo modo: identificando Levi com Mateus. O que não é possível, porque Marcos apresenta Levi e Mateus como pessoas claramente distintas: uma em uma lista dos nomes (Mc 3, 18) e outra no relato de sua vocação (Mc 2, 13-14). Por sua vez, o Evangelho de João relata a vocação de um apóstolo chamado Natanael (1, 45-51), que não está em nenhuma das quatro listas. Para poder seguir mantendo o número doze, a tradição o identificou com Bartolomeu, sem nenhuma razão válida.

Mais apóstolos? Vemos, pois, como os Evangelhos mencionam mais de doze apóstolos. Porém, se continuarmos buscando no Novo Testamento, encontraremos que Paulo e Barnabé eram também apóstolos (Atos 14, 14); que Silvano e Timóteo figuram como apóstolos (1 Ts 2, 5-7); que “Tiago, irmão do Senhor” é chamado apóstolo (Gálatas 1, 19); que Apolo é apóstolo (1 Cor 4, 6.9); e inclusive Andrônico e Júnia (uma mulher!) têm o título de apóstolos (Rm 16, 7).

Quantos eram, afinal, os apóstolos? A esta altura, já é evidente que não eram doze. Por que, então, nós falamos sempre em doze apóstolos? Bem ....  Isto nós veremos na próxima semana.