No Evangelho das missas deste domingo (Lc 6,27-38), em continuação aos ensinamentos
no Sermão da Montanha, Jesus nos diz: “amai os vossos inimigos” (Lc
6,27). Surgem várias dúvidas: é possível mandar no amor? Alguém pode
ordenar-nos sentir afeto por outro? A manifestação de carinho é espontânea?
Como amar alguém que é nosso inimigo?
Raiz do
problema –
Todo o problema dessa passagem está na tradução das palavras de Jesus. Na
língua portuguesa usamos sempre o mesmo verbo “amar”, para qualquer sentimento
amoroso a que queremos nos referir. Na língua grega (em que foram compostos os
Evangelhos), existem quatro verbos distintos para indicar “amar”, cada um com
sentidos diferentes.
Amor romântico – Em primeiro lugar temos o verbo erao
(de onde vem a palavra eros e seu adjetivo erótico).
Significa amar em seu sentido romântico, carnal, sexual. Emprega-se para a
atração entre um homem e uma mulher em seu aspecto espontâneo e instintivo. Na
Bíblia aparece o verbo “erao” várias vezes: “O rei amou (erao) a Éster mais que
as outras mulheres de sua corte” (Est 2,17). “Vou reunir todos os que te amaram
(erao)” (Ez 16,37).
Amor familiar – Outro verbo
grego que significa amar é stergo. Indica o amor familiar, o
carinho do pai por seu filho e do filho pelo pai. É o amor doméstico, de
família, que brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo, em sua
Carta aos Romanos escreve: “Tenham uma caridade sem fingimento: amem-se
cordialmente (stergo) uns aos outros” (Rom 12,10).
Amor
de amigos – O terceiro
verbo grego usado para designar “amor” é fileo. Expressa o amor
da amizade, o afeto que se sente pelos amigos. Quando Lázaro, o amigo de Jesus,
estava doente, as suas irmãs mandaram dizer: “Senhor, aquele a quem tu amas
(fileo) está enfermo” (Jo 11,3).
Amor
caritativo – O quarto verbo grego para “amar” é agapao.
É utilizado para o amor de caridade, de benevolência, de boa vontade, o amor
capaz de dar sem esperar nada em troca. É o amor totalmente desinteressado,
completamente abnegado, o amor com sacrifício. O autor do Evangelho de João usa
o verbo “agapao” na descrição da Última Ceia: “Sabendo Jesus que havia chegado
a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado (agapao) aos seus, os amou até
o fim” (Jo 13,1).
Jogo de Palavras – Um exemplo interessante é o episódio em que Jesus ressuscitado aparece aos
apóstolos no lago de Tiberíades (Jo 21,15s) e pergunta três vezes a Pedro:
Simão, filho de João, amas-me mais que estes?”. Jesus usa o verbo agapao:
”Simon, agapás me?”. Pedro lhe responde com fileo: “Filo se”. Jesus pergunta a
Pedro se ele o ama com amor total, amor de entrega de serviço, e Pedro lhe
responde humildemente com fileo, menos pretensioso. Na segunda vez, Jesus volta
a perguntar: “Simon, agapás me? E Pedro novamente responde com fileo. Na
terceira vez, Jesus sabendo esperar com paciência o processo de maturidade de cada
um, usa o verbo fileo: “Simon, fileis me? Então Pedro se entristece ao
identificar o sentido da pergunta.
Amar os
inimigos? –
Voltando agora à frase de Jesus, ordenando que se ame os inimigos, Jesus não
utilizou o verbo erao, nem stergo nem fileo.
Usou o verbo agapao. Este
não consiste em um sentimento, nem afeto, nem algo de coração (senão seria
impossível cumprir). O ágape que Jesus pede é uma decisão, uma
atitude, uma determinação que depende da vontade. Não nos obriga a sentir
apreço ou estima, nem devolver a amizade por quem nos tenha ofendido. O que
Jesus pede é a capacidade de ajudar e prestar um serviço de caridade, se algum
dia aquele que nos ofendeu necessitar.
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