sábado, 23 de fevereiro de 2019

AMAR OS INIMIGOS?



No Evangelho das missas deste domingo (Lc 6,27-38), em continuação aos ensinamentos no Sermão da Montanha, Jesus nos diz: “amai os vossos inimigos” (Lc 6,27). Surgem várias dúvidas: é possível mandar no amor? Alguém pode ordenar-nos sentir afeto por outro? A manifestação de carinho é espontânea? Como amar alguém que é nosso inimigo?

Raiz do problema – Todo o problema dessa passagem está na tradução das palavras de Jesus. Na língua portuguesa usamos sempre o mesmo verbo “amar”, para qualquer sentimento amoroso a que queremos nos referir. Na língua grega (em que foram compostos os Evangelhos), existem quatro verbos distintos para indicar “amar”, cada um com sentidos diferentes.
 
Amor romântico – Em primeiro lugar temos o verbo erao (de onde vem a palavra eros e seu adjetivo erótico). Significa amar em seu sentido romântico, carnal, sexual. Emprega-se para a atração entre um homem e uma mulher em seu aspecto espontâneo e instintivo. Na Bíblia aparece o verbo “erao” várias vezes: “O rei amou (erao) a Éster mais que as outras mulheres de sua corte” (Est 2,17). “Vou reunir todos os que te amaram (erao)” (Ez 16,37).  

Amor familiar – Outro verbo grego que significa amar é stergo. Indica o amor familiar, o carinho do pai por seu filho e do filho pelo pai. É o amor doméstico, de família, que brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo, em sua Carta aos Romanos escreve: “Tenham uma caridade sem fingimento: amem-se cordialmente (stergo) uns aos outros” (Rom 12,10).

Amor de amigos – O terceiro verbo grego usado para designar “amor” é fileo. Expressa o amor da amizade, o afeto que se sente pelos amigos. Quando Lázaro, o amigo de Jesus, estava doente, as suas irmãs mandaram dizer: “Senhor, aquele a quem tu amas (fileo) está enfermo” (Jo 11,3).

Amor caritativo – O quarto verbo grego para “amar” é agapao. É utilizado para o amor de caridade, de benevolência, de boa vontade, o amor capaz de dar sem esperar nada em troca. É o amor totalmente desinteressado, completamente abnegado, o amor com sacrifício. O autor do Evangelho de João usa o verbo “agapao” na descrição da Última Ceia: “Sabendo Jesus que havia chegado a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado (agapao) aos seus, os amou até o fim” (Jo 13,1). 
 
Jogo de Palavras – Um exemplo interessante é o episódio em que Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos no lago de Tiberíades (Jo 21,15s) e pergunta três vezes a Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais que estes?”. Jesus usa o verbo agapao: ”Simon, agapás me?”. Pedro lhe responde com fileo: “Filo se”. Jesus pergunta a Pedro se ele o ama com amor total, amor de entrega de serviço, e Pedro lhe responde humildemente com fileo, menos pretensioso. Na segunda vez, Jesus volta a perguntar: “Simon, agapás me? E Pedro novamente responde com fileo. Na terceira vez, Jesus sabendo esperar com paciência o processo de maturidade de cada um, usa o verbo fileo: “Simon, fileis me? Então Pedro se entristece ao identificar o sentido da pergunta.

Amar os inimigos? – Voltando agora à frase de Jesus, ordenando que se ame os inimigos, Jesus não utilizou o verbo erao, nem stergo nem fileo. Usou o verbo agapao. Este não consiste em um sentimento, nem afeto, nem algo de coração (senão seria impossível cumprir). O ágape que Jesus pede é uma decisão, uma atitude, uma determinação que depende da vontade. Não nos obriga a sentir apreço ou estima, nem devolver a amizade por quem nos tenha ofendido. O que Jesus pede é a capacidade de ajudar e prestar um serviço de caridade, se algum dia aquele que nos ofendeu necessitar.

QUER SABER MAIS – Gostou dos termos em grego? Se você quer conhecer o Novo Testamento em grego (na forma original em que foi escrito), solicite por E-mail.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Os primeiros discípulos



No trecho do Evangelho lido neste domingo, Jesus chama os primeiros apóstolos. E começa com Simão, Tiago e João, convidando-os a serem pescadores de homens.

Época – Estamos na Galiléia, no início do ministério de Jesus, por volta do mês de maio/junho do ano 28 d.C.. Jesus já apresentou o seu programa na Sinagoga de Nazaré, como anúncio da Boa Nova aos pobres e proposição da libertação para os prisioneiros… Agora, já é possível notar os primeiros resultados da atividade de Jesus: à sua volta começa a formar-se o grupo dos que foram sensíveis a essa proposta de salvação e seguiram Jesus.

Hebreus – No Antigo Testamento, as narrativas de vocação são feitas em estilo literário próprio, com sinais extraordinários e visões, como vemos na vocação de Isaías (veja a primeira leitura da missa). No Novo Testamento, a vocação de Paulo, descrita em Atos, também é narrada em estilo semelhante. Não tendo sido chamado diretamente por Jesus em sua vida, Paulo – a partir da visão de Jesus ressuscitado (veja segunda leitura da missa) – reivindica para si o título de apóstolo.

Lago – Jesus adota um estilo próprio, convocando as pessoas para fazerem parte de seu grupo. O evangelista Lucas apresenta o chamado destes discípulos no contexto do ensino de Jesus. Jesus inicia seu ministério em Cafarnaum, à beira do "mar" (aí o Rio Jordão forma um grande lago, conhecido na região como "Mar da Galileia"). Lucas o chama de "Lago de Genesaré". O centro desta narrativa é o anúncio de Jesus.

Ensino – Jesus estava na margem do Lago de Genesaré e a multidão apertava-se ao seu redor, para ouvir a palavra de Deus. Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago e, subindo na barca de Simão, pediu que se afastasse um pouco. Depois se sentou e, da barca, ensinava as multidões. A barca (instrumento de pesca para Simão) passa a ser usada por Jesus para anunciar a Palavra da Boa-Nova à multidão. E é na adesão a esta Palavra que se obtêm bons resultados, imprevisíveis, como mostra a pescaria abundante.

Pesca – Jesus disse a Simão: "Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes". Simão respondeu: "Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes". Assim fizeram e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Então, fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram e encheram as duas barcas. Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: "Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!" A pesca imprevista e abundante, sob a orientação de Jesus, é uma confirmação da força de sua palavra.

Pescadores de homens – Tiago e João, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados. Jesus, porém, disse a Simão: "De hoje em diante tu serás pescador de homens". Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus. Na pessoa de Simão, estes pescadores são também chamados por Jesus a assumirem o anúncio da Boa-Nova.