segunda-feira, 23 de setembro de 2019

As riquezas são para o bem de todos



 A liturgia da missa deste domingo (Lc 16,1-13) faz uma reflexão sobre o lugar que o dinheiro e os outros bens materiais devem assumir na nossa vida: os discípulos de Jesus devem evitar que a ganância ou o desejo imoderado do lucro manipulem as suas vidas; em contrapartida, são convidados a procurar os valores do “Reino”.

O administrador astuto – à primeira vista, a história contada por Jesus parece um elogio à pessoa desonesta: um administrador é denunciado ao patrão porque está gerenciando mal os negócios; é chamado e sumariamente demitido, sendo-lhe solicitado que prestasse contas da sua administração. O administrador sabe que naquele momento o seu futuro está em jogo: pergunta-se o que fazer, pesa os prós e contras. Tem a idéia de chamar os devedores e perdoar-lhes parte das dívidas, desde que atestem ter uma dívida menor do que a real, pois desta forma, quando perdesse seu emprego, teria amigos que o receberiam de braços abertos em suas casas. E o próprio Jesus elogia a esperteza do administrador! 

Elogio ao desonesto? – A interpretação popular dessa história traz muitos problemas para os pregadores, pois, aparentemente, Jesus está elogiando quem agisse de maneira desonesta. Tal interpretação é moralmente inaceitável, por isso temos que olhar bem a história. Também é preciso levar em consideração que ninguém que tivesse sido trapaceado de uma forma tão gritante, iria elogiar o trapaceiro: a dívida do primeiro homem era correspondente a 3.650 litros de azeite e ficou reduzida a 1.825 litros; o segundo homem devia 27,5 toneladas de trigo e a redução da dívida fez com que ele pagasse 5,5 toneladas a menos! Se o patrão faz um elogio é porque não foi prejudicado nessa operação. Ou seja, certamente o administrador é que deixou de ganhar o que estava acostumado a lucrar com as comissões sobre os negócios.

Juros e ágio – Para entender melhor esse contexto, é bom saber que os documentos da época atestam que, frequentemente, se usava o sistema aqui relatado. Como a cobrança de juros era proibida pela Lei, o administrador embutia o ágio na "nota promissória". Na verdade, os administradores deviam entregar ao patrão uma determinada quantia; o que conseguissem a mais ficava com eles. O administrador da história, em vez de se transformar em agiota dos devedores, renunciou à parte que lhe cabia no negócio. Ou seja, foi esperto, porque percebeu que no futuro, mais do que dinheiro, precisaria de amigos. Renunciou ao dinheiro para conquistar amigos.

Esperteza – O patrão "elogiou" o administrador desonesto, por sua esperteza! A palavra grega aqui traduzida por "esperteza" significa uma estratégia prática, visando alcançar um fim determinado. Nada tem a ver com a virtude de agir com justiça. Assim, embora possa parecer que a desonestidade estivesse sendo valorizada no relato do evangelista, a interpretação mais exegética diz que o que deve ser imitado não é a desonestidade, mas o bom senso na administração dos bens materiais.

Escolha prudente - “Usem o dinheiro injusto para fazer amigos, e assim, quando o dinheiro faltar, os amigos receberão vocês nas moradas eternas”. Jesus ensina o caminho para transformar a riqueza desonesta em uma riqueza boa; aconselha a fazer uma escolha prudente, pois ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro.

Embora seja possível discutir e debater sobre interpretações minuciosas desse trecho do Evangelho de Lucas, uma coisa é inegável: Jesus quer advertir os seus seguidores sobre a tentação de escravizar-se com o dinheiro e, ao mesmo tempo, exigir que a partilha material seja ponto marcante da vivência dos seus discípulos!

sábado, 14 de setembro de 2019

As parábolas da misericórdia


  
No Evangelho das missas deste domingo (Lc 15, 1-32) Jesus apresenta três parábolas: “A Ovelha Perdida”, “A Moeda Perdida” e “O Filho Pródigo”. São as chamadas “Parábolas da Misericórdia”, pois, de forma privilegiada, expressam o amor de Deus que se derrama sobre os pecadores.

Desafio – O discurso de Jesus é apresentado numa situação concreta. Naquela época, os cobradores de impostos eram tidos como ladrões; os fariseus e escribas, por sua vez, eram cumpridores rigorosos da Lei, não admitiam qualquer contato com pecadores e desclassificados. Sua rigidez moral era tanta, que ao perceberem a aproximação de alguém reconhecidamente pecador, mudavam o seu rumo de direção para evitar cruzar com a pessoa. Assim, ao verem que alguns cobradores de impostos se aproximavam de Jesus e que eram acolhidos, expressaram a sua admiração por verem que Jesus se sentava à mesa com pecadores (isso expressava familiaridade, comunhão de vida e de destinos). É essa crítica que provoca o discurso do Mestre sobre a atitude misericordiosa de Deus.

Ovelha Perdida – É nesse sentido que podemos interpretar a parábola conhecida como a “Ovelha Perdida”. Jesus, diante da intransigência dos fariseus, pergunta: “Se um de vocês tem cem ovelhas e perde uma, será que não deixa as noventa e nove no campo para ir atrás da ovelha que se perdeu, até encontrá-la?”. A resposta razoável é “não” – nenhum pastor, com a cabeça no lugar, deixaria noventa e nove ovelhas à deriva para tentar encontrar uma perdida. Seria loucura! Mas é exatamente aqui que está o sentido da parábola: Deus faz loucuras por amor a nós!! Ele é capaz de fazer o que nenhuma pessoa humana faria – ir atrás da ovelha perdida, custe o que custar, até a encontrar e trazer de volta! Aqui a parábola funciona não por comparação, mas por contraste – Deus é o oposto dos homens, que só agem de maneira calculista; faz loucura – e a loucura do amor consegue o que a razão jamais conseguiria: a volta da ovelha perdida! Assim, se faz contraste entre a atitude de Deus e a dos fariseus e doutores da Lei! Essa parábola nos questiona sobre as nossas atitudes diante das “ovelhas perdidas” das nossas comunidades e famílias! Agimos como os fariseus, com censuras e moralismos, ou como Deus, com a loucura do amor???

Moeda Perdida – A mesma mensagem é retomada na segunda parábola – a da “moeda perdida”. Não que uma dracma (a moeda perdida) fosse de tão grande valor. Mas para o pobre, até uma moeda pequena faz falta! Então, a mulher faz questão de virar a casa (as casas não tinham janelas, por isso precisava acender uma lâmpada) até achá-la. É assim com Deus – talvez a gente ache que uma pessoa não tenha grande valor, mas para Deus ela faz falta e Ele é capaz de “exagerar” para recuperar a pessoa perdida, por tão insignificante que nos possa parecer. Mais uma vez, um contraste com a atitude elitista dos fariseus – e quem sabe, de muitos cristãos hoje!!!

Filho Pródigo – Por fim chegamos à parábola do “Filho Pródigo”, ou do “Pai que perdoa”, ou dos “Dois Irmãos”. Esta parábola pode ser lida sob o ponto de vista de cada um dos personagens: do filho perdido, do Pai ou do irmão mais velho.

Tradicional – O título tradicional implica uma leitura feita na ótica do “filho pródigo”. Assim, ressaltaria o processo de conversão – sentir que está numa situação perdida, decidir pedir perdão ou se reconciliar, ser aceito pelo Pai, reativar os relacionamentos perdidos e estragados. Outra possibilidade é de ler a história sob a ótica do pai. Assim, o pai representa o próprio Deus, que em primeiro lugar, respeita a liberdade de decisão do filho, não impedindo que ele seja “sujeito” da sua própria vida; depois não espera a volta do “pródigo”, mas, corre ao seu encontro – numa atitude pouco “digna” de um patriarca oriental idoso – preocupado mais com a reconciliação do que com o prejuízo, e se alegrando com a volta de quem estava “morto”!

Leitura diferente – O contexto do capítulo quinze, à luz dos primeiros versículos, sugere uma leitura diferente – sob a ótica do irmão mais velho. Jesus conta a parábola para contestar a atitude dos fariseus e dos doutores da Lei, que o reprovam porque ele acolhera os pecadores! Então o filho mais velho é imagem dos fariseus – “gente boa”, fiel na observância da Lei, mas cujos corações estavam fechados, ao ponto de serem incapazes de alegrar-se com a volta de um irmão perdido. Assim, embora observassem minuciosamente todas as prescrições da Lei, a sua atitude contradizia claramente a atitude de Deus!

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Revolução social da humildade


No Evangelho deste domingo (Lc 14, 1.7-14) Jesus participa de um banquete na casa de um fariseu. Para a explicação deste texto, vamos recorrer ao texto do Pe. Cantalamessa (Pregador do Papa).

Preconceito – O início do Evangelho deste domingo nos ajuda a corrigir um preconceito sumamente difundido. “Num sábado, Jesus entrou para comer na casa de um dos principais fariseus. Eles o observavam atentamente”. Ao ler o Evangelho desde um certo ponto de vista, acabou-se fazendo dos fariseus o modelo de todos os vícios: hipocrisia, falsidade; os inimigos por antonomásia de Jesus. Semelhante ideia dos fariseus não é correta. Nem todos eram assim. Nicodemos, que vai ver Jesus de noite e que depois o defende ante o Sinédrio, era um fariseu (Jo 3,1;7). Também Saulo era fariseu antes da conversão, e era certamente uma pessoa sincera e zelosa, ainda que não estivesse bem iluminado. Outro fariseu era Gamaliel, que defendeu os apóstolos ante o Sinédrio (At 5,34).

Fariseus – As relações de Jesus com os fariseus não foram só de conflito. Compartilhavam muitas vezes as mesmas convicções, como a fé na ressurreição dos mortos, no amor de Deus e no compromisso como primeiro e mais importante mandamento da lei. Alguns, como neste caso, inclusive o convidam para uma refeição em sua casa. Hoje se considera que mais que os fariseus, quem queria a condenação de Jesus eram os saduceus, a quem pertencia a casta sacerdotal de Jerusalém. Por todos estes motivos, seria sumamente desejável deixar de utilizar o termo “fariseu” em sentido depreciativo.

Durante a refeição – Naquele sábado, Jesus ofereceu dois ensinamentos importantes: um dirigido aos “convidados” e outro para o “anfitrião”. Ao dono da casa, Jesus disse (talvez diante dele ou só em presença de seus discípulos): “Quando deres um almoço ou um jantar, não convides seus amigos, nem seus irmãos, nem seus parentes, nem os vizinhos ricos...”. É o que o próprio Jesus fez, quando convidou ao grande banquete do Reino os pobres, os aleijados, os humildes, os famintos, os perseguidos (as categorias de pessoas mencionadas nas Bem-aventuranças).

Banquete – Mas nesta ocasião quero deter-me a meditar no que Jesus diz aos “convidados”. “Se te convidam a um banquete de bodas, não te coloques no primeiro lugar...”. Jesus não quer dar conselhos de boa educação. Nem sequer pretende alentar o sutil cálculo de quem se põe em uma fila, com a escondida esperança de que o dono lhe peça que se aproxime. A parábola nisso pode dar pé ao equívoco, se não se levar em consideração o banquete e o dono dos quais Jesus está falando. O banquete é o universal do Reino e o dono é Deus.

Modéstia – Na vida, quer dizer Jesus, escolhe o último lugar, procura contentar os demais mais que a ti mesmo; sê modesto na hora de avaliar seus méritos, deixa que sejam os demais quem os reconheçam e não tu (“ninguém é bom juiz em causa própria”), e já desde esta vida Deus te exaltará. Ele te exaltará com sua graça, te fará subir na hierarquia de seus amigos e dos verdadeiros discípulos de seu Filho, que é o que realmente importa.

Humildade – Ele te exaltará também na estima dos demais. É um fato surpreendente, mas verdadeiro. Não só Deus “se inclina ante o humilde e rejeita o soberbo” (Sl 107,6); também o homem faz o mesmo, independentemente do fato de ser crente ou não. A modéstia, quando é sincera, não artificial, conquista, faz que a pessoa seja amada, que sua companhia seja desejada, que sua opinião seja desejada. A verdadeira glória foge de quem a persegue.

Sociedade – Vivemos em uma sociedade que tem suma necessidade de voltar a escutar esta mensagem evangélica sobre a humildade. Correr para ocupar os primeiros lugares, talvez pisoteando, sem escrúpulos, a cabeça dos demais, são características desprezadas por todos e, infelizmente, seguidas por todos. O Evangelho tem um impacto social, inclusive quando fala de humildade e modéstia.