A primeira leitura das missas deste domingo apresenta uma das histórias mais corajosas da Bíblia: aquela em que Deus pede a Abraão que mate seu filho Isaac e ofereça-o a ele como um sacrifício.
Obediente – Sem dizer uma palavra, Abraão levantou-se no início da manhã
e foi para a região que Deus indicou. Ao chegar no lugar, Abraão construiu um
altar, amarrou e colocou no altar seu filho Isaac. Mas quando ele levantou a
mão com a faca para sacrificá-lo, um anjo do céu gritou: "Abraão, Abraão,
não machuca o filho. Agora eu sei que você é respeitoso com Deus e que não me
negou seu único filho ". Olhando para cima, Abraão viu um carneiro
enrolado por chifres em um mato. Ele tomou e sacrificou em vez de seu filho, e
ambos voltaram para casa.
Escândalo – Muitos cristãos, ao ler este capítulo da Bíblia, não podem
deixar de se sentir escandalizados. Alguns até se rebelam contra Deus. Como ele
poderia pedir a Abraão, um pobre velho com uma esposa estéril, para matar o
único filho? Apenas para provar sua fidelidade? Um crime pode ser um dever
sagrado para Deus?
A Exegese – Esta primeira leitura faz parte de um bloco de textos a que
se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (Gn 12-36). Esses capítulos tomam
mitos, lendas, e antigas histórias sobre os clãs nômades que circularam pela
palestina e apresentam aos israelitas como modelo de vida e fé.
Origem – O relato do sacrifício de Isaac (Gn 22) é uma “lenda
cultual” (culto a um deus). Nasceu, provavelmente, num santuário do sul do
país, muito antes de os patriarcas bíblicos se terem instalado na região. A
lenda primitiva contava como num lugar sagrado, o deus aí adorado tinha salvo
uma criança destinada a ser oferecida em sacrifício (no mundo dos cananeus, os
sacrifícios humanos eram relativamente frequentes). A partir daí, nesse lugar,
os sacrifícios de crianças tinham sido substituídos por sacrifícios de animais.
Foi essa a primeira etapa da tradição que nos é hoje proposta.
Abraão – Numa segunda fase, esta história primitiva foi aplicada à
figura de Abraão, quando o clã de Abraão se instalou na região. O pai cananeu
da primitiva história, que levava o filho para ser oferecido em sacrifício, foi
identificado com o patriarca Abraão. A tradição acabou por englobar um clã
ligado ao de Abraão, o clã de Isaac. Isaac tornou-se, assim, o filho destinado
ao sacrifício de que falava a velha lenda pré-israelita.
Lenda virou Catequese – Numa terceira fase, os teólogos elohistas (séc. VIII a.C.)
pegaram a antiga lenda cultual e puseram-na ao serviço da sua catequese. Na
reflexão dos catequistas de Israel, a antiga lenda tornou-se uma catequese
sobre uma “prova” em que o justo Abraão manifestou a sua obediência radical e a
sua confiança em Elohim.
Elohistas e Yahistas – A tradição elohista é uma das fontes de redação do livro do
Gênesis. É denominada elohista porque denomina o seu Deus de Elohim. A outra
fonte é a yahvista, que denomina o Deus de Yahvé. Por esta razão que aparecem
duas descrições de criação do mundo no livro do Gênesis: a primeira (Yahista),
Deus cria o mundo em sete dias, começando pela luz e terminando pelo homem; na
segunda (Elohista) Deus cria o homem do barro e lhe dá a vida com um sopro.
No Gênesis – Por fim, um redator pós-elohista acrescentou ao texto outros
elementos de caráter teológico. Foi, certamente, ele que ligou a lenda do
sacrifício de Isaac com o monte santo dos sacrifícios do Templo de Jerusalém;
foi ele, também, que acrescentou à história a ideia de que o comportamento de
Abraão para com Deus mereceu uma recompensa e que essa recompensa iria, no
futuro, derramar-se sobre todos os descendentes de Abraão.
QUER SABER MAIS? – Se você gostou do texto e que saber mais podemos lhe
oferecer dois textos escritos por um teólogo católico: “Por que Deus ordenou
que Abraão matar seu filho?” (5 páginas) e “O mundo foi criado duas vezes?” (5
páginas). Solicite por E-mail.