sábado, 30 de junho de 2012

Tu és Pedro ...

Neste domingo a Igreja celebra a festa dos dois grandes apóstolos, Pedro e Paulo. 

O Evangelho – A passagem do Evangelho deste domingo é Mateus 16, 13-19, mas o relato original está no Evangelho de Marcos, cap. 8. A estrutura do texto de Mateus é diferente de Marcos, mas o relato tem a mesma finalidade, ou seja, clarificar quem é Jesus e o que significa ser discípulo dele.

Perguntas – A pedagogia do relato é interessante. Primeiro, Jesus faz uma pergunta bastante inocente: "quem dizem os homens que é o Filho do Homem?" Assim, as respostas são inúmeras, pois esta pergunta não compromete – é o famoso "diz que...". Mas a segunda pergunta é contundente: "E vocês, quem dizem que eu sou?" Agora não vem muita resposta, pois quem responde em próprio nome, e não dos outros, se compromete! 
 

Pedro – Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: "Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo". Aparentemente, Pedro acertou. E, realmente, em Mateus, Jesus confirma a verdade do que proclamou! Afirmou que foi por uma revelação do Pai que Pedro fez a sua profissão de fé. Mas, para que entendamos bem o trecho, é necessário que continuemos a leitura pelo menos até versículo 25, pois o assunto é mais complicado do que pode parecer.

Messias – Após afirmar que Pedro tinha falado a verdade, Jesus logo explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo. Muito pelo contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, era ser preso, torturado e assassinado, era dar a vida em favor de muitos. 
 

O Servo de Javé – Jesus confirmou que era o Messias, mas não o Messias que Pedro achava ou queria. Conforme as expectativas do povo, esperava-se um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir e levar os seus seguidores até a Cruz! Por isso Pedro replica com Jesus, pedindo que nada disso acontecesse. E como recompensa ganha uma das frases mais duras da Bíblia: "Afasta-se de mim, satanás, você é uma pedra de tropeço para mim, pois não pensa as coisas de Deus, mas dos homens!" (v.23).  

Para seguir Jesus – Pedro, cuja proclamação de fé mereceu ser chamado a pedra fundamental da Igreja (v.18), é agora chamado de satanás e "pedra de tropeço" para Jesus! Pedro tinha os títulos certos, mas a prática errada! E assim Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor dele: "Se alguém quer me seguir, renuncie a se mesmo, tome a sua cruz, e siga-me" (v.24). Ter fé em Jesus não é em primeiro lugar um exercício intelectual ou teologia, mas, uma prática; o seguimento dele, na construção do seu projeto, até as últimas conseqüências.

Pedro e Paulo – Hoje, enquanto celebramos os nossos dois grandes missionários, a segunda pergunta de Jesus ressoa forte. Para nós, quem é Jesus? Não para o catecismo, não para o Papa ou o Bispo, mas para cada de nós pessoalmente? E no fundo, a resposta se dá, não com palavras, mas pela maneira como vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus - ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente!(Jo 10,10). Cuidemos para que não caiamos na tentação do equívoco de Pedro, a de termos a doutrina certa, mas a prática errada!

sábado, 23 de junho de 2012

São João Batista e Herodes

O Evangelho deste domingo relata o nascimento de João Batista, comemorado no dia 24 de junho. Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia é o confronto entre João Batista (o precursor de Cristo) e Herodes Antipas, o filho de Herodes Magno (aquele que aparece no nascimento; recebe os magos e manda assassinar as crianças de Belém).  Vamos detalhar os fatos, usando os textos do Evangelho de Marcos (Mc 6, 17s) e as citações do historiador Flávio Josefo, no livro Antiguidades Judaicas (XVIII, 5, 2). 

Herodes Antipas – Foi o filho caçula de Herodes, o Grande e da samaritana Maltace, uma das dez esposas de seu pai; nasceu por volta do ano 20 a.C. Com a morte de seu pai (4 a.C.), tornou-se tetrarca da Galileia e Pereia (rei de uma das quatro partes do reino) (conforme Lc 3,1).  Frequentou as melhores escolas de seu tempo, alternando o estudo com os divertimentos e a ociosidade de Roma. Casou-se com a filha de Aretas IV, o rei do perigoso povo nabateu (da vizinha Arábia).  Tinha total confiança e simpatia do Imperador Tibério, a ponto de ser transformado em um espião, junto aos magistrados romanos no Oriente. 

O escândalo – Por volta do ano 27 d.C., em uma de suas viagens a Roma, como informante do imperador, Herodes Antipas hospedou-se na casa de seu irmão por parte de pai, Herodes Filipe (veja Mc 6,17).  Este levava uma vida discreta em Roma e havia se casado com sua sobrinha, Herodíades.  A ocasião foi favorável tanto para a ambiciosa Herodíades (que não se conformava com aquela vida obscura), como para o leviano Antipas, que se apaixonou por ela. 

A infidelidade – Os dois juraram-se fidelidade.  A pedido de Herodíades, o tetrarca prometeu repudiar a esposa assim que retornasse à Galileia; Herodíades prometeu-lhe abandonar o marido, Filipe, e acompanhá-lo para a Galileia.  A legítima esposa de Antipas, sabendo dos projetos do marido, preferiu não sofrer a humilhação do repúdio, retirando-se para a casa dos pais.  Os nabateus, vendo a filha do rei Aretas IV humilhada, invadiram as terras de Antipas, fazendo com que este perdesse toda a estima do imperador. 

A união ilegítima – Com o caminho livre, Herodíades viajou para a Galileia, levando a sua filha, a bela jovem Salomé, e passou a viver com Herodes Antipas. 

A denúncia de João Batista – Todo o povo comentava o escândalo do tetrarca, que violara as leis nacionais e religiosas ao contrair aquelas segundas núpcias, que a Lei de Moisés condenava severamente (Lev 20,21).  Todos falavam, indignados, dessa união, mas secretamente, temiam represálias.  Só o profeta do deserto, respeitado pelo povo e por Antipas (Mc 6,20), João Batista, ousou afrontar o tetrarca, denunciando a união ilegítima com Herodíades (Mc 6,18).  Temendo uma revolta popular, Antipas mandou prender João Batista na solitária e majestosa fortaleza de Maqueronte. Herodíades queria silenciar para sempre, com a morte, o austero denunciante. 

O Martírio – No dia do aniversário de Herodes, foi oferecido um banquete aos grandes da corte.  Salomé (filha de Herodíades) dançou e agradou a todos.  O rei, encantado, disse à moça: “Pede o que quiseres e eu te darei, ainda que seja a metade de meu reino”.  Em dúvida, a moça perguntou a sua mãe: “O que hei de pedir?”.  Ela respondeu: “A cabeça de João Batista”.  Salomé pediu ao rei: ”Quero que me dês num prato a cabeça de João Batista”.  Antipas, mesmo contrariado, mandou degolar João, no cárcere, e entregou a sua cabeça num prato para Salomé (veja Mc 6,21-28). 

Lenda – Uma antiga lenda conta que Herodíades ao ter nas mãos a cabeça de João, não pôde conter a satisfação e, com um alfinete de ouro, atravessou a língua que a havia censurado. 

QUER LER MAIS?

Se você se interessou pelo confronto entre João Batista e Herodes nós podemos lhe oferecer um texto com a história completa (10 páginas). Solicite.

sábado, 16 de junho de 2012

Os valores do Reino de Deus

No Evangelho deste domingo (Mc 4, 26-34) Jesus apresenta duas parábolas, comparando o Reino de Deus com a semente que cresce por si só e com o pequeno grão de mostarda. Assim Jesus quer que a gente relembre que é importante começar com ações pequenas e singelas, pois, pela ação do Espírito Santo elas poderão dar frutos grandes. Com imagens tão simples e belas da natureza compreende-se que Deus comunica sua vida a todos, sem discriminações, não havendo ninguém que possa impedi-lo. Ainda mais, o que parece insignificante hoje, está a caminho de sua plena realização. O Reino de Deus é o banquete da celebração da vida plena para todos, e esta vida vai se manifestando até atingir sua plenitude.  

Os primeiros cristãos – A leitura deste domingo é também um lembrete para que não caiamos na tentação de olhar as coisas com os olhos da sociedade dominante, que valoriza muito a prepotência, o poder, a aparência externa. O modelo cristão de sociedade está certamente na comunidade dos primeiros cristãos. Estes eram considerados diferentes, porque viviam em comunidade, desprezavam os bens e não tinham pátria.  

Documento – Em uma carta datada do ano de 150 d.C. conhecida como “Epístola para Diognetus”, provavelmente escrita por Pantanaeus (mestre de Clemente de Alexandria), o autor faz uma impressionante descrição do estilo de vida dos cristãos.  O final da carta deve ter se perdido, pois a cópia que chegou até nossos dias termina abruptamente.  Note que o autor louva a beleza da vida cristã, inserida neste mundo e compartilhando o que a sociedade tem de honesto, não perdendo de vista os valores definitivos.  Será que os cristãos de hoje (após 1860 anos) continuamos a viver no mesmo estilo das primeiras comunidades cristãs?  Vejamos a carta: 

“Meu caro Diognetus, desde que o conheço você se mostra ansioso para entender a religião dos cristãos. Eles confiam em Deus e o adoram, têm um desprezo pelos bens e menosprezam a morte, não acreditam nos deuses gregos nem na superstição dos judeus, e dão grande importância ao afeto entre eles.

Os cristãos não diferem dos demais homens pela terra, pela língua, ou pelos costumes. Não habitam cidades próprias, não se distinguem por idiomas estranhos, não levam vida extraordinária. Além disso, sua doutrina, não a encontraram em pensamento ou cogitação de homens desorientados. Também não patrocinam, como fazem alguns, dogmas humanos. Mas, habitando, conforme a sorte de cada um, cidades gregas e bárbaras, é acompanhando os usos locais em matéria de roupa, alimentação e costumes, que manifestam a admirável natureza de sua vida, a qual todos reputam extraordinária.

Habitam suas pátrias, mas como estrangeiros. Participam de tudo como cidadãos, mas tudo suportam como estrangeiros. Qualquer terra estranha é pátria para eles; qualquer pátria, terra estranha. Casam-se e procriam, mas nunca lançam fora o que geraram. Têm a mesa em comum, não o leito. Existindo na carne, não vivem segundo a carne. Na terra vivem, participando da cidadania do céu. Obedecem às leis, mas as ultrapassam em sua vida. Amam a todos, sendo por todos perseguidos. Desconhecidos, são assim mesmo condenados. Mas quando entregues à morte, são vivificados. Na pobreza, enriquecem a muitos; desprovidos de tudo, sobram-lhes os bens. São desprezados, mas no meio das desonras sentem-se glorificados. Difamados, mas justos; ultrajados, mas benditos. Injuriados, prestam honra. Fazendo o bem, são punidos como malfeitores; castigados, rejubilam-se como revivificados. Os judeus hostilizam-nos como alienígenas, os gregos os perseguem, mas nenhum de seus inimigos pode dizer a causa de seu ódio.

Para resumir numa palavra, o que é a alma no corpo, são os cristãos no mundo: como por todos os membros do corpo está difundida a alma, assim os cristãos por todas as cidades do universo. Habita a alma no corpo, mas não procede do corpo; assim os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível é enclausurada num corpo visível; os cristãos, conhecidos enquanto estão no mundo, têm uma religião que permanece invisível. A carne odeia a alma sem ter recebido injúria, mas apenas porque não a deixa gozar os prazeres; aos cristãos odeia o mundo sem ter sido injuriado por eles e só porque renunciam aos prazeres. A alma ama o corpo e os membros que a odeiam; também os cristãos amam os que os odeiam.

A alma está encerrada no corpo, mas é ela que o sustenta. Os cristãos, por sua vez, estão encerrados no mundo como num cárcere; mas são eles que o sustentam. A alma habita um tabernáculo mortal. Os cristãos peregrinam através de bens corruptíveis, na expectativa da celeste incorruptibilidade.

Maltratada quanto a alimentos e bebidas, a alma se aperfeiçoa; também os cristãos, afligidos por castigo, cada dia mais aumentam em número. Deus colocou-os num posto tal que não lhes é lícito desertar.

Não foi, como já disse, invenção terrestre o que se lhes transmitiu; nem julgam ter sob sua vigilante guarda uma concepção mortal. Não lhes foi confiada a dispensação de mistérios humanos.

Mas foi o próprio Deus invisível, verdadeiramente Senhor e Criador de tudo, que do alto dos céus colocou entre os homens a Verdade, o Logos santo e incompreensível, e o inseriu firmemente nos seus corações”.

sábado, 9 de junho de 2012

O pecado contra o Espírito Santo

No Evangelho das missas deste domingo (Mc 3, 20-35), Jesus está em sua casa com os discípulos e uma multidão que queria ouvir sua pregação. Então disse: “Tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e blasfêmias que tiverem proferido; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: será réu de pecado eterno”. 

João Paulo II – Para refletir sobre este ensinamento, vamos transcrever o item 46 da Encíclica “Dominum et vivificantem”, escrita por João Paulo II. 

Blasfêmia – Por que é que a “blasfêmia” contra o Espírito Santo é imperdoável? Em que sentido se deve entender esta “blasfêmia”? São Tomás de Aquino responde que se trata de um pecado “imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é concedida a remissão dos pecados”. 

Vinda do Espírito – Segundo tal exegese, a “blasfêmia” não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa em aceitar a salvação que Deus oferece ao homem mediante o mesmo Espírito Santo, que age em virtude do sacrifício da Cruz. Se o homem rejeita o deixar-se “convencer quanto ao pecado”, que provém do Espírito Santo e tem carácter salvífico, ele rejeita contemporaneamente a “vinda” do Consolador: aquela “vinda” que se efetuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do Sangue de Cristo: o Sangue que “purifica a consciência das obras mortas”. 

Recusa – Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem rejeita o Espírito e o Sangue permanece nas “obras mortas”, no pecado. E a “blasfêmia contra o Espírito Santo” consiste exatamente na recusa radical de aceitar esta remissão, de que Ele é o dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira, por Ele operada na consciência. 

Recusa radical – Se Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, é porque esta “não-remissão” está ligada, como à sua causa, à “não-penitência”, isto é, à recusa radical a converter-se. Isto equivale a uma recusa radical de ir até às fontes da Redenção; estas, porém, permanecem “sempre” abertas na economia da salvação, na qual se realiza a missão do Espírito Santo. Este tem o poder infinito de haurir destas fontes: “receberá do que é meu”, disse Jesus. Deste modo, Ele completa nas almas humanas a obra da Redenção, operada por Cristo, distribuindo os seus frutos.  

Recusa a redenção – Ora a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica o seu pretenso “direito” de perseverar no mal — em qualquer pecado — e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida. É uma situação de ruína espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou e abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências e da remissão dos pecados.

sábado, 2 de junho de 2012

Solenidade da Santíssima Trindade

A Solenidade que celebramos neste domingo não é um convite para decifrar o mistério que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas", mas um convite a contemplar o Deus que é Amor, que é Família, que é Comunidade e que criou os homens para que comungassem nesse mistério de amor. 

Convite – No Evangelho, Jesus dá a entender que ser seu discípulo é aceitar o convite para se vincular com a Comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar a sua proposta de vida no meio do mundo e são enviados a apresentar a todas as pessoas, sem exceção, o convite de Deus para integrar a comunidade trinitária. No dia em que fomos batizados, comprometemo-nos com Jesus e vinculamo-nos com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. 

Sermão – Apresentamos a seguir o prefácio do sermão de Santo Antonio de Lisboa (1195-1231), franciscano, Doutor da Igreja, sobre a Santíssima Trindade: “Um só Deus, um só Senhor, na trindade das pessoas e na unidade da natureza”. 

“O Pai, o Filho e o Espírito Santo são de uma só substância e de uma inseparável igualdade. A unidade está na essência, a pluralidade nas pessoas. O Senhor indica abertamente a unidade da essência divina e a trindade das pessoas quando diz: “Batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Não diz “nos nomes”, mas “em nome”, mostrando assim a unidade da essência. Em seguida, porém, emprega três nomes, para mostrar que há três pessoas. 

Nesta trindade se encontra a origem suprema de todas as coisas, a beleza perfeita, a alegria bem-aventurada. A origem suprema, afirma Santo Agostinho no seu livro sobre a verdadeira religião, é Deus Pai, de quem provêm todas as coisas, de quem procedem o Filho e o Espírito anto. A beleza perfeita é o Filho, a verdade do Pai, que em nada se distingue dele, que veneramos com o Pai e no Pai, que é o modelo de todas as coisas, porque tudo foi feito por Ele e tudo se refere a Ele. A alegria bem-aventurada, a soberana bondade, é o Espírito Sant o, que é o dom do Pai e do Filho; e devemos crer e manter que este dom é exatamente como o Pai e o Filho. 

Ao contemplar a criação, concluímos pela Trindade de uma só substância. Apreendemos um só Deus: Pai, de quem somos; Filho, por quem somos; Espírito Santo, em quem somos. Príncipe, a quem recorremos; modelo, que seguimos; graça, que nos reconcilia.”

sábado, 26 de maio de 2012

O Início da Igreja

Este domingo é uma grande festa missionária. Marca a transformação da Igreja de uma seita judaica a uma comunidade universal, missionária, mas não proselitista, comprometida com a construção do Reino de Deus "até os confins da terra". A liturgia deste final de semana nos apresenta a descida do Espírito Santo sobre a comunidade dos discípulos, em duas tradições: a de Lucas (Atos 2,1-11) e de João (João 20, 19-23).

Atos – O livro “Atos dos Apóstolos” descreve o dia de Pentecostes, quando os discípulos estavam reunidos. De repente, veio do céu um barulho como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. Então apareceram línguas como de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava.

Evangelho – O Evangelho de João descreve o anoitecer, o primeiro da semana, quando estavam reunidos com as portas fechadas, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: "A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos".

Diferença – Uma leitura fundamentalista da bíblia nos leva a um beco sem saída, pois, em João, a Ressurreição, a Ascensão e a descida do Espírito se deram no mesmo dia (Páscoa), enquanto o evangelista Lucas separa os três eventos em um período de cinquenta dias. Assim, devemos ler os textos dentro dos interesses teológicos dos diversos autores: os 40 dias de Lucas, por exemplo, entre a Ressurreição e a Ascensão, correspondem aos 40 dias da preparação de Jesus no deserto, para a sua missão. Da mesma maneira como Jesus ficou "repleto do Espírito Santo" e se lançou na sua missão "com a força do Espírito", a comunidade cristã se preparou durante o mesmo período e na festa judaica de Pentecostes também experimentou que "todos ficaram repletos do Espírito Santo".
 

Lucas – Em Atos, o relato é mais apocalíptico e missionário. Nos primeiros versículos, o ambiente onde os discípulos se reuniram é uma casa. Atos dos Apóstolos nos faz lembrar que estavam reunidos três grupos distintos: os Onze, as mulheres (entre as quais Maria, a mãe de Jesus) e os “irmãos” do Senhor. Lucas usa imagens apocalípticas, símbolos da teofania ou da manifestação da presença de Deus: o som de um vendaval e as línguas de fogo. A expressão externa da descida do Espírito é o "falar em outras línguas" (e não o "falar em línguas" – glossolalia – tão valorizado por muitos grupos de cunho neopentecostal). 

Ainda Lucas – Na segunda descrição, muda o enfoque. O ambiente muda – da casa para um lugar público, provavelmente o pátio do Templo. O sinal visível da presença do Espírito não é mais o “falar em outras línguas”, mas o fato de que todos os presentes pudessem "ouvir, na sua própria língua, os discípulos falarem". O termo "ouvir" aqui implica também, "compreender". Por três vezes, o relato destaca o fato de os presentes poderem "ouvir" em sua própria língua. Com isso, Lucas quer enfatizar que o dom do Espírito Santo tem um objetivo missionário e profético. O texto é uma releitura da Torre de Babel, onde a língua única era o instrumento de um projeto de dominação (uma torre até o céu), que foi destruído por Deus, pela diversidade de línguas.  

João – No Evangelho de João é o próprio Jesus quem aparece aos Apóstolos. Não há reprovação nem queixa nas suas palavras, apesar da infidelidade de todos eles, mas, somente a alegria e a paz que já tinha prometido no último discurso. Por duas vezes, Jesus proclama o seu desejo para a comunidade dos seus discípulos: "A paz esteja com vocês". O nosso termo "paz" procura traduzir – embora de uma maneira inadequada – o termo hebraico "Shalom!", que é muito mais do que "paz" conforme o nosso mundo a compreende. 

Shalom – O "Shalom" é a paz que vem da presença de Deus, da justiça do Reino. Como disse o Papa Paulo VI, "A justiça é o novo nome da paz!". Jesus não promete a paz do comodismo, pelo contrário, envia os seus discípulos na missão árdua em favor do Reino e promete o shalom, pois este nunca abandonará a quem procura viver na fidelidade o projeto de Deus. Jesus soprou sobre os discípulos, como Deus fez sobre Adão (é o mesmo termo) quando infundiu nele o espírito de vida; Jesus os recria com o Espírito Santo. 

Igreja – Normalmente, imaginamos o Espírito Santo descendo sobre os discípulos em Pentecostes, mas, aquela era a descida oficial e pública do Espírito para dirigir a missão da Igreja no mundo. Para João, o dom do Espírito, que da sua natureza é invisível, flui da glorificação de Jesus, da sua volta ao Pai. O dom do Espírito neste texto tem a ver com o perdão dos pecados. 

Reino – Que a celebração deste domingo nos anime a ir em busca da criação de um mundo onde o Shalom realmente possa reinar; não a paz falsa da opressão e injustiça, mas, do Reino de Deus, fruto de justiça, solidariedade e fraternidade. Jesus nos deu o Espírito Santo – agora depende de nós usarmos essa Força que temos, na construção do mundo que Deus quer.

sábado, 19 de maio de 2012

As aparições de Cristo Ressuscitado

No Evangelho deste domingo (Mc 16,15-20), Jesus aparece aos Doze apóstolos com a seguinte mensagem: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado. Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem: expulsarão os demônios em meu nome; falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem veneno, não sofrerão nenhum mal; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados”. Depois de ter dito isso, foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus. 

Aparições – Esta foi uma das aparições de Jesus. Você sabe dizer quantas vezes Jesus apareceu para as pessoas? Mas, primeiro, nós temos que definir o que é aparição. 

O que é aparição? – A resposta foi orientada pela afirmação de Lucas em At 1,3: "É a eles que Jesus se apresentava vivo após a sua Paixão; tiveram mais de uma prova disso, enquanto, durante quarenta dias, Ele lhes aparecera e mantivera conversação com eles sobre o Reino de Deus". Portanto, foram consideradas as aparições em que Jesus conversou, respondeu perguntas, comeu, instruiu, foi tocado; estas aparições aconteceram nos 40 dias seguintes a sua Paixão, ou seja, entre os dias 7 de abril e 17 de maio do ano 30. Após a ascensão aos céus, ocorreram apenas visões, expressadas de diversas formas (clarão de luz, em sonho, etc.). 

Pegue sua bíblia e confira – Foram 11 aparições (nove nos Evangelhos e duas nas cartas de São Paulo). Note que uma mesma aparição pode ser descrita por mais de um livro do Novo Testamento. 

Descritas nos Evangelhos: 

1- a Madalena e às mulheres no túmulo no domingo - Mt 28,9-11; Jo 20,13-18; Mc 16,9-11;

2- aos 11 apóstolos na montanha da Galileia - Mt 28,16-20; Mc 16,15 (talvez 1Cor 15,5);

3- aos dois discípulos de Emaús - Lc 24,13-35; Mc 16,12;

4- aos 11 apóstolos em Jerusalém durante uma refeição – Lc 24,36-43; Mc 16,14; At 1,4-5; At 10,41 (talvez 1Cor 15,5);

5- aos discípulos sem Tomé - Jo 20,19-23 (talvez 1Cor 15,5);

6- aos discípulos com Tomé - Jo 20,24-29; (talvez 1Cor 15,5);

7- à margem do lago de Tiberíades, quando comeu peixe - Jo 21,1-23 (talvez At 10,41);

8- a Simão - Lc 24,34; 1 Cor 15,5;

9- na ascensão aos céus, em Betânia - Lc 24,50-53; Mc 16,19; At 1,8


Descritas nas cartas de Paulo: 

10- a mais de quinhentas pessoas - 1Cor 15,6;

11- a Tiago - 1Cor 15,7; 

Algumas Visões (não consideradas como aparições):

1- Visão de Paulo no caminho para Damasco no ano 37 – At 9,3; At 22,6; At 26, 12; 1Cor 15,8; 1Cor 9,1; Gal 1,12;

2- A visão de Ananias no ano 37 – At 9, 10-16;

3- A visão de Paulo no Templo em Jerusalém em abril do ano 58 – At 22,18;

4- Outra visão de Paulo em Jerusalém em abril do ano 58 – At 23, 11;

5- A visão de João citada em Ap 1,9s, escrito entre os anos 95 e 100. 

Algumas observações – As citações em Mt 28,5; Mc 16,5; Lc 24,4 são apenas aparições de anjos.