sábado, 25 de junho de 2011

O amor a Jesus

No Evangelho deste domingo (Mt 10,37-42), Jesus diz palavras duras, indicando condições para quem quer ser seu discípulo: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim”. 

O texto – Mais do que um discurso histórico que Jesus pronunciou de uma única vez e num único lugar, é uma catequese que Mateus compôs, com base em diversos materiais. O autor combina aqui, relatos de envio, “ditos” de Jesus sobre os “doze” e várias outras “sentenças” que, originalmente, tinham outro contexto. Qual o objetivo de Mateus, ao compor este texto e coloca-lo na boca de Jesus? 

Ambiente – Estamos na década de 80. Mateus escreve para uma comunidade onde a tradição missionária estava bem enraizada (a comunidade cristã de Antioquia da Síria). No entanto, as condições políticas do final do séc. I (reinado de Domiciano e hostilidade crescente do império em relação ao cristianismo) induzem a comunidade a ficar confusa e desorientada. Vale a pena “remar contra a maré”? Não é um risco imprudente continuar a anunciar Jesus? Vale a pena arriscar tudo por causa do Evangelho, quando as condições são tão desfavoráveis? 

Manual – Mateus redige então uma espécie de “manual do missionário cristão”, destinado a revitalizar a opção missionária da sua comunidade. Nele, sugere que a missão dos discípulos é anunciar Jesus e continuar a percorrer o Seu caminho – mesmo que esse caminho leve à doação total da vida. Nesse sentido, apresenta um conjunto de valores e atitudes que devem orientar a ação dos missionários cristãos. 

Reflexão – Apresentamos, a seguir, uma reflexão de Santo Agostinho (sermão 344), sobre esta passagem do Evangelho. Lembramos que Santo Agostinho viveu entre os anos de 354 e 430, foi bispo de Hipona (África do Norte) e Doutor da Igreja. 

“Quem amar o pai ou a mãe mais do que Mim, não é digno de Mim”. O Salvador dirige estas palavras aos que estão abrasados de amor, ou antes, aos que Ele quer abrasar desse amor. Nosso Senhor não destruiu, antes ordenou o amor que se tem aos pais, à esposa, aos filhos. Não disse: “Quem os amar”, mas “Quem os amar mais do que a Mim…”. 

Ama o teu pai, mas ama ainda mais o Senhor; ama aquele que te deu a existência, mas ama ainda mais Aquele que te criou. Teu pai deu-te a existência, mas não te criou, porque ele não sabia, quando te gerou, quem eras ou quem virias a ser. Teu pai alimentou-te, mas não está na origem do pão que sacia a tua fome. Finalmente, é preciso que o teu pai morra para que tu herdes os seus bens, mas tu terás parte na herança que Deus te destina, ficando eternamente com Ele. 

Ama, pois, teu pai, mas não mais do que ao teu Deus; ama tua mãe, mas ama ainda mais a Igreja, que te gerou para a vida eterna… De fato, se deves tanto reconhecimento aos que te geraram para uma vida mortal, quanto amor não deverás aos que te geraram para a eternidade! 

Ama a tua esposa, ama os teus filhos segundo Deus, para levá-los a servir a Deus contigo e quando estiverdes unidos n’Ele, não tereis receio de ficar separados. O teu amor pela tua família seria muito imperfeito se tu não os levasses a Deus. 

Toma a cruz e segue o Senhor. O teu Salvador, embora sendo Deus encarnado, revestido da tua carne, também demonstrou sentimentos humanos ao dizer: “Meu Pai, se é possível afasta de Mim este cálice” (Mt 26, 39)… A natureza de servo, da qual Se revestiu por ti, fez ouvir a voz do homem, a voz da carne. Tomou a tua voz a fim de expressar a tua fraqueza e dar-te força…, e mostrar-te a vontade que deves preferir.

sábado, 18 de junho de 2011

Trindade, escola das relações humanas

Neste domingo, a Igreja comemora a Santíssima Trindade. A Trindade de Deus é modelo para toda comunidade humana, porque mostra como o amor cria a unidade na diversidade. 

Uno e trino – Na liturgia deste domingo, a segunda leitura, da segunda carta de São Paulo aos Coríntios (2Cor 13,11-13), é a que mais diretamente evoca o mistério da Santíssima Trindade: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós”. Mas, por que os cristãos creem na Trindade? Não é bastante difícil já, crer que existe Deus, para acrescentarmos também o enigma de que Ele é “uno e trino”? Há, hoje em dia, alguns que gostariam de deixar a Trindade à parte também, para poder, assim, dialogar melhor com judeus e muçulmanos, que professam a fé em um Deus rigidamente único. 

Deus é amor – Os cristãos creem que Deus é trino, porque creem que Deus é amor! É a revelação de Deus como Amor, feita por Jesus, que obrigou a admitir a Trindade. Não é uma invenção humana. Deus é amor, diz a Bíblia. Assim, está claro que, se é amor deve amar alguém. Não existe um amor ao vazio, não dirigido a alguém. Então nos perguntamos: a quem Deus ama, para ser definido como Amor? Uma primeira resposta poderia ser: ama os homens. Mas os homens existem desde há alguns milhões de anos, não mais. Antes de então, a quem amava Deus? 

Amar quem? – Não pode, de fato, ter começado a ser amor em certo ponto do tempo, porque Deus não pode mudar. Segunda resposta: antes de então, amava o cosmos, o universo. Mas o universo existe desde há alguns bilhões de anos. Antes disso, a quem amava Deus, para poder-se definir Amor? Não podemos dizer: amava a si mesmo, porque amar-se a si mesmo não é amor, mas egoísmo ou, como dizem os psicólogos, narcisismo. 

Três – Eis aqui a resposta da revelação cristã. Deus é amor em si mesmo, antes do tempo, porque desde sempre tem em si mesmo um Filho, o Verbo, a quem ama com um amor infinito, isto é, no Espírito Santo. Em todo amor há sempre três realidades ou sujeitos: um que ama, um que é amado e o amor que os une. 

Um em Três – O Deus da revelação cristã é uno e trino porque é comunhão de amor. A teologia se serviu do termo “natureza” ou “substância” para indicar em Deus a unidade e do termo “pessoa”, para indicar a distinção. Por isso, dizemos que nosso Deus é um Deus único em três pessoas. A doutrina cristã da Trindade não é uma regressão, um compromisso entre monoteísmo e politeísmo. É um passo adiante, que só Deus mesmo podia fazer que viesse à mente humana. 

Comunidade – Passemos agora a algumas considerações práticas. A Trindade é o modelo de toda comunidade humana, desde a mais simples e elementar, que é a família, à Igreja universal. Mostra como o amor cria a unidade na diversidade: unidade de intenções, de pensamento, de vontade; diversidade de sujeitos, de características e, no âmbito humano, de sexo. E vemos, precisamente, o que pode aprender uma família, do modelo trinitário. 

Regra – Se lermos com atenção o Novo Testamento, observamos uma espécie de regra. Cada uma das três pessoas divinas não fala de si, mas da outra; não atrai a atenção sobre si, mas sobre a outra. Cada vez que o Pai fala no Evangelho, o faz sempre para revelar algo do Filho. Jesus, por sua vez, não faz senão falar do Pai. O Espírito Santo, quando chega ao coração de um crente, não ensina a dizer seu nome, que em hebreu é «Rûah», mas ensina a dizer “Abbà”, que é o nome do Pai. 

Família – Tentemos pensar o que produzirá este estilo se for transferido à vida de uma família. O pai, que não se preocupa tanto em afirmar sua autoridade, como a da mãe; a mãe, que antes de ensinar a criança a dizer “mamãe” ensina-a a dizer “papai”. Se este estilo for imitado em nossas famílias e comunidades, todos seremos, verdadeiramente, convertidos em um reflexo da Trindade na Terra, lugares onde a lei que rege tudo é o amor.

sábado, 11 de junho de 2011

O poder do alto

Neste domingo a Igreja comemora a Solenidade de Pentecostes. Publicamos o comentário do Padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia do Vaticano. 

O carro quebrado – Todos vimos em alguma ocasião a cena de um carro quebrado: dentro está o motorista e detrás uma ou duas pessoas empurrando o veículo, tentando inutilmente dar-lhe a velocidade necessária para que funcione. Param, secam o suor, voltam a empurrar... E de repente, um ruído, o motor começa a funcionar, o carro avança e os que o empurravam se erguem com um suspiro de alívio. 

O motor – É uma imagem do que ocorre na vida cristã. Caminha-se à base de impulsos, com fadiga, sem grandes progressos. E pensar que temos à disposição um motor potentíssimo (o poder do alto!) que espera só que o façamos funcionar. A festa de Pentecostes deverá ajudar-nos a descobrir este motor e como colocá-lo em movimento. 

Pentecostes – O relato dos Atos dos Apóstolos começa dizendo: “Ao chegar o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos em um mesmo lugar”. Destas palavras deduzimos que Pentecostes preexistia... a Pentecostes. Em outras palavras: havia já uma festa de Pentecostes no judaísmo e foi durante tal festa que o Espírito Santo desceu. Não se entende o Pentecostes cristão sem levar em conta o Pentecostes judaico que o preparou. No Antigo Testamento houve duas interpretações da festa de Pentecostes. No princípio era a festa das sete semanas, a festa da colheita, quando se ofereciam a Deus as primícias do trigo; mas sucessivamente, e certamente em tempos de Jesus, a festa se havia enriquecido de um novo significado: era a festa da entrega da lei no monte Sinai e da aliança. 

Nova lei – Se o Espírito Santo vem sobre a Igreja precisamente no dia em que em Israel se celebrava a festa da lei e da aliança, é para indicar que o Espírito Santo é a lei nova, a lei espiritual que sela a nova e eterna aliança. Uma lei escrita já não sobre tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, que são os corações dos homens. Estas considerações suscitam de imediato uma interrogação: vivemos sob a antiga lei ou sob a lei nova? Cumprimos nossos deveres religiosos por constrição, por temor e por costume, ou ao contrário por convicção íntima e quase por atração? Sentimos Deus com pai ou como patrão? 

Refeição – Concluo com uma história. No princípio do século XX, uma família do sul da Itália emigra aos Estados Unidos. Como carecem de dinheiro suficiente para pagar as refeições no restaurante, levam consigo alimento pela viagem: pão e queijo. Com o passar dos dias e das semanas, o pão se endurece e o queijo mofa; em certo momento, o filho não o aguenta mais e não para de chorar. Então seus pais tiram os poucos trocados que restam e que dão para desfrutar uma boa refeição no restaurante. O filho vai, come e volta a seus pais banhado em lágrimas. “Como? Gastamos tudo para pagar-lhe um almoço, e você continua chorando?”. 

O bem de Deus – “Choro porque descobri que uma refeição por dia no restaurante estava incluída no preço, e passamos todo o tempo a pão e queijo!”. Muitos cristãos realizam a travessia da vida “a pão e queijo”, sem alegria, sem entusiasmo, quando poderiam, espiritualmente falando, desfrutar cada dia de todo “bem de Deus”, tudo “incluído no preço” de ser cristãos. 

Vinde – O segredo para experimentar aquilo que João XXIII chamava de “um novo Pentecostes” se chama oração. É aí onde se acende a “chama” que liga o motor! Jesus prometeu que o Pai celestial dará o Espírito Santo a quem o pedir (Lc 11,13). Então, vamos pedir! A liturgia de Pentecostes nos oferece magníficas expressões para fazê-lo: “Vinde, Espírito Santo... Vinde, Pai dos pobres; vinde, doador dos dons; vinde luz dos corações. No esforço, descanso; refúgio nas horas de fogo; consolo no pranto. Vinde, Espírito Santo!”.

sábado, 4 de junho de 2011

Ascensão de Jesus

Neste domingo celebramos a Festa da Ascensão de Jesus. Na primeira leitura, repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter apresentado ao mundo o projeto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus. 

Crise – A primeira leitura, tirada do livro dos “Atos dos Apóstolos”, dirige-se a comunidades que vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80, cerca de cinquenta anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa pela vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o “Reino” e há certa desilusão. As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece uma vida cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na mediocridade; falta o entusiasmo e o empenho… O quadro geral é o de certo sentimento de frustração, porque o mundo continua igual e a esperada intervenção vitoriosa de Deus continua adiada. Quando vai concretizar-se, de forma plena e inequívoca, o projeto salvador de Deus?

Igreja – É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que (após a ida de Jesus para junto do Pai) o projeto de salvação e de libertação que Jesus veio apresentar passou para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A construção do “Reino” é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso concretizar na história e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os cristãos são convidados a redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o projeto de Deus, na fidelidade ao “caminho” que Jesus percorreu.
 

Despedida – O texto começa com uma apresentação inicial; logo após, vem o tema da despedida de Jesus. O autor começa por fazer referência aos “quarenta dias” que mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos discípulos “a respeito do Reino de Deus” (o que parece estar em contradição com o Evangelho, onde a ressurreição e a ascensão são apresentadas no próprio dia de Páscoa – Lc 24). O número quarenta é, certamente, um número simbólico: é o número que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e repetir as lições do mestre. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.

Missão – Nas palavras de Jesus, Lucas expressa a sua experiência missionária: o Espírito irá derramar-se sobre a comunidade crente e dará a força para testemunhar Jesus em todo o mundo, desde Jerusalém a Roma. Na realidade, trata-se do programa que Lucas vai apresentar ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar com a sua obra que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus e são impulsionados pelo Espírito.
 

Ascensão – O último tema é o da ascensão. Evidentemente, esta passagem necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade. Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu. Não estamos falando de uma pessoa que, literalmente, descola da terra e começa a elevar-se; estamos falando de um sentido teológico (não é um “repórter”, mas sim o “teólogo” falando): a ascensão é uma forma de expressar, simbolicamente, que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supra-terrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai.

Nuvem – Temos, depois, a nuvem que subtrai Jesus aos olhos dos discípulos. Pairando a meio caminho entre o céu e a terra a nuvem é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do divino. Ao mesmo tempo, simultaneamente, esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto o Povo não pode ver, mas cuja presença adivinha nos acidentes da caminhada.

Expectativa – Temos os discípulos a olhando para o céu. Significa a expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda vinda de Cristo, a fim de levar ao seu termo o projeto de libertação do homem e do mundo. Por fim os dois homens vestidos de branco. Eles convidam a comunidade dos discípulos a continuar na história a obra de Jesus.

Caminho – O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos admirando a elevação de Jesus; mas é convidar-nos a seguir o “caminho” de Jesus, olhando para o futuro e entregando-nos à realização do seu projeto de salvação no meio do mundo.