O Evangelho das missas deste domingo (Lc 2, 42-51) apresenta Jesus com
12 anos no Templo entre os doutores. José e Maria foram à Jerusalém na festa da
Páscoa e levaram Jesus, que tinha 12 anos. A regressarem para Nazaré, depois de
um dia de viagem, notaram que Jesus não estava na caravana. Voltaram à
Jerusalém e, depois de três dias, o encontraram no Templo, sentado entre os
doutores. Ao ser perguntado da razão de ter permanecido no Templo, Jesus
respondeu: “Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu
Pai?”
Midrash – O Evangelho que nos é proposto é o final do
“Evangelho da infância” de Lucas. Como já comentamos em artigos anteriores, estes
textos foram escritos para se desenvolver um conceito teológico ou uma
doutrina, criando-se uma história fictícia ou uma narração figurada (uma lenda,
um mito). Portanto, a narração de Lucas não pretende ser um relato jornalístico
ou uma informação histórica, mas sobretudo, uma catequese (texto escrito para o
ensino) sobre Jesus.
Texto inacreditável – A “história” criada por Lucas, além de ser
incrível, apresenta detalhes difíceis de ser sustentada como real: é inacreditável
que o menino Jesus tenha decidido ficar sozinho em Jerusalém, sem dizer nada
aos seus pais; como puderam José e Maria fazer a viagem de regresso de
Jerusalém para Nazaré sem se certificarem de que o seu filho, apenas com 12
anos, estava na caravana?; é possível que os seus pais caminhassem durante um
dia inteiro (30 km) sem sentirem a falta de Jesus?; é imaginável que José e
Maria fizessem as refeições sem se darem conta de que Jesus não estava com
eles? por que demoraram três dias para encontrá-lo, se o mais natural era que o
procurassem no Templo, onde tinham ido em peregrinação?; onde e com quem passou
Jesus as duas noites que esteve só e perdido em Jerusalém? como se atreve Maria
a repreender a quem ela sabia ser o Filho do Altíssimo?
Qual a razão do texto? – Qual teria sido a razão de Lucas ter
criado este texto? Para isso, devemos ter em conta que, nos primeiros tempos,
os pregadores quando comunicavam o Evangelho, começavam sempre contando a vida
de Jesus a partir do seu batismo no rio Jordão (como se este fosse o primeiro
episódio importante da sua vida), e terminavam com a sua morte e ressurreição
em Jerusalém. Um exemplo disso ocorre na eleição do substituto de Judas
Iscariotes: puseram como condição que o sucessor conhecesse bem a vida de Jesus
“a partir do batismo de João até dia em que nos foi arrebatado para o Alto” (At
1,21-22). Quer dizer que a vida completa do Senhor abrangia este período.
Um problema – Como a pregação da vida de Jesus começava com o seu
batismo, alguns cristãos pensaram que Jesus tinha “começado” a ser Filho de
Deus a partir do batismo. Isto é, julgavam que Jesus tinha sido um homem comum
e normal até os 33 anos e que, a partir do batismo, foi “adotado” por Deus como
seu Filho. Por isso, após ser batizado, uma voz do céu lhe dizia pela primeira
vez: “Tu és meu Filho”. Esta perigosa crença, começou a espalhar-se pouco a
pouco em algumas comunidades (desta crença surgiram várias heresias, como o Adocionismo
e Nestorianismo).
Evangelhos da Infância – Quando foram escritos os evangelhos,
Marcos (o primeiro a escrever) começou o seu relato de maneira tradicional,
isto é, com o batismo de Jesus (Mc 1). Mas Lucas (e Mateus), para evitar a
possível interpretação de que Jesus tinha “começado” a ser Filho de Deus a
partir do batismo, decidiu acrescentar os “relatos da infância” de Jesus, que
mostravam a sua filiação divina desde o nascimento.
Jesus cresceu duas vezes – Quando Lucas já tinha terminado de
escrever a infância de Jesus (a anunciação do anjo, a visita de Maria a Isabel,
a apresentação do menino recém-nascido no Templo), e tinha escrito a conclusão
(“E o menino crescia, e fortalecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de
Deus estava com Ele” – Lc 2,40), tomou conhecimento da história de Jesus
adolescente perdido no Templo aos doze anos. Resolveu incluí-lo no texto da
infância que já havia escrito. Mas se esqueceu que já havia colocado uma frase
final no texto e voltou a colocá-la outra vez mais à frente. Assim, o capítulo
2 de Lucas “termina” duas vezes, com a repetição dos versículos 40 e 52.
QUER SABER MAIS? – Esta história de “Jesus no Templo” é contada em
detalhes em alguns textos apócrifos (não reconhecidos pela Igreja). No
“Evangelho apócrifo de Tomé – narrações da infância de Jesus” e no “Evangelho
apócrifo de Pedro sobre a infância do Senhor” são descritas todas as conversas
de Jesus com os doutores do Templo e a conversa dos fariseus com Maria. Se você
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