sábado, 31 de maio de 2014

Ascensão de Jesus




Neste domingo celebramos a Festa da Ascensão de Jesus. Na primeira leitura, repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter apresentado ao mundo o projeto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus.

Crise – A primeira leitura (At 1,1-11), tirada do livro dos “Atos dos Apóstolos”, dirige-se a comunidades que vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80, cerca de cinquenta anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa pela vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o “Reino” e há certa desilusão. As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece uma vida cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na mediocridade; falta o entusiasmo e o empenho… O quadro geral é o de certo sentimento de frustração, porque o mundo continua igual e a esperada intervenção vitoriosa de Deus continua adiada. Quando vai concretizar-se, de forma plena e inequívoca, o projeto salvador de Deus?

Igreja – É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que (após a ida de Jesus para junto do Pai) o projeto de salvação e de libertação que Jesus veio apresentar passou para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A construção do “Reino” é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso concretizar na história e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os cristãos são convidados a redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o projeto de Deus, na fidelidade ao “caminho” que Jesus percorreu.

Despedida – O texto começa com uma apresentação inicial; logo após, vem o tema da despedida de Jesus. O autor começa por fazer referência aos “quarenta dias” que mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos discípulos “a respeito do Reino de Deus” (o que parece estar em contradição com o Evangelho, onde a ressurreição e a ascensão são apresentadas no próprio dia de Páscoa – Lc 24). O número quarenta é, certamente, um número simbólico: é o número que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e repetir as lições do mestre. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.

Missão – Nas palavras de Jesus, Lucas expressa a sua experiência missionária: o Espírito irá derramar-se sobre a comunidade crente e dará a força para testemunhar Jesus em todo o mundo, desde Jerusalém a Roma. Na realidade, trata-se do programa que Lucas vai apresentar ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar com a sua obra que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus e são impulsionados pelo Espírito.

Ascensão – O último tema é o da ascensão. Evidentemente, esta passagem necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade. Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu. Não estamos falando de uma pessoa que, literalmente, descola da terra e começa a elevar-se; estamos falando de um sentido teológico (não é um “repórter”, mas sim o “teólogo” falando): a ascensão é uma forma de expressar, simbolicamente, que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supra-terrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai.

Nuvem – Temos, depois, a nuvem que subtrai Jesus aos olhos dos discípulos. Pairando a meio caminho entre o céu e a terra a nuvem é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do divino. Ao mesmo tempo, simultaneamente, esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto o Povo não pode ver, mas cuja presença adivinha nos acidentes da caminhada.

Expectativa – Temos os discípulos a olhando para o céu. Significa a expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda vinda de Cristo, a fim de levar ao seu termo o projeto de libertação do homem e do mundo. Por fim os dois homens vestidos de branco. Eles convidam a comunidade dos discípulos a continuar na história a obra de Jesus.


Caminho – O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos admirando a elevação de Jesus; mas é convidar-nos a seguir o “caminho” de Jesus, olhando para o futuro e entregando-nos à realização do seu projeto de salvação no meio do mundo.

sábado, 24 de maio de 2014

Os mandamentos de Jesus


No Evangelho deste domingo (Jo 14,15-21) será lido um trecho do longo discurso de despedida de Jesus na última ceia, onde é retomado o tema dos mandamentos de Jesus e sua observância.

Ambiente – Estamos na noite de 6 de abril do ano 30, quinta-feira, na véspera da morte de Jesus na cruz, durante a “Ultima Ceia”, com todos os apóstolos. A decisão de matar Jesus já está tomada pelas autoridades judaicas e Jesus sabe-o. A morte na cruz é mais do que uma probabilidade: é o cenário imediato.

Discurso – Durante a Ceia, Jesus despediu-Se dos discípulos e fez-lhes as últimas recomendações. As palavras de Jesus soam a um “testamento final”: Ele sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos vão continuar no mundo. Jesus fala-lhes, então, do caminho que percorreu (e que ainda tem de percorrer, até à consumação da sua missão e até chegar ao Pai); e convida os discípulos a seguir o mesmo caminho de entrega a Deus e de amor radical aos irmãos.

Caminho – É seguindo esse “caminho” que eles se tornarão Homens Novos e que chegarão a ser “família de Deus”. Os discípulos, no entanto, estão inquietos e desconcertados. Será possível percorrer esse “caminho” se Jesus não caminhar ao lado deles? Como é que eles manterão a comunhão com Jesus e como receberão d’Ele a força para doar, dia a dia, a própria vida?

Presente – No entanto, Jesus garante aos discípulos que não os deixará sós no mundo. Ele vai para o Pai; mas vai encontrar forma de continuar presente e de acompanhar, a par e passo, a caminhada dos seus discípulos. É preciso, no entanto, que os discípulos continuem a seguir Jesus, a manifestar a sua adesão a Ele, a amá-l’O. A consequência desse amor é o cumprir os mandamentos que Jesus deixou.

Paráclito – Como é que Jesus vai estar presente ao lado dos discípulos, dando-lhes a coragem para percorrer “o caminho” do amor e do dom da vida? Jesus fala no envio do “Paráclito”, que estará sempre com os discípulos. A palavra grega “paráklêtos”, utilizada por João, pertence ao vocabulário jurídico e designa, nesse contexto, aquele que ajuda ou defende o acusado. Pode, portanto, traduzir-se como “advogado”, “auxiliar”, “defensor”. A partir daqui, pode deduzir-se, também, quer o sentido de “consolador”, quer o sentido de “intercessor”.

Espírito – No Novo Testamento, a palavra só aparece em João, onde é usada quer para designar o Espírito (Jo 14,26; 15,26; 16,7), quer o próprio Jesus (que no céu, cumpre uma missão de intercessão - cf. 1 Jo 2,1). O “Paráclito” que Jesus vai enviar é o Espírito Santo. Enquanto esteve com os discípulos, Jesus ensinou-os, protegeu-os, defendeu-os; mas, a partir de agora, será o Espírito que ensinará e cuidará da comunidade de Jesus.

Duplo papel – O Espírito desempenhará um duplo papel: em termos internos, conservará a memória da pessoa e dos ensinamentos de Jesus, ajudando os discípulos a interpretar esses ensinamentos à luz dos novos desafios; por outro, dará segurança aos discípulos, guiá-los-á e defendê-los-á quando eles tiverem de enfrentar a oposição e a hostilidade do mundo.

Órfãos – Depois de garantir aos discípulos o envio do “Paráclito”, Jesus reafirma aos discípulos que não os deixará “órfãos” no mundo. A palavra utilizada (“órfãos”) é muito significativa: no Antigo Testamento, o “órfão” é o protótipo do desvalido, do desamparado, do que está totalmente à mercê dos poderosos e que é a vítima de todas as injustiças. Jesus é claro: os seus discípulos não vão ficar indefesos, pois Ele vai estar ao lado deles.


Comunhão – No dia em que Jesus for para o Pai e os discípulos receberem o Espírito, a comunidade descobrirá que faz parte da família de Deus (v. 20-21). Jesus identifica-Se com o Pai, por ter o mesmo Espírito; os discípulos identificam-se com Jesus, por ação do Espírito. A comunidade cristã está unida com o Pai, através de Jesus, numa experiência de unidade e de comunhão de vida entre Deus e o homem. Nesse dia, a comunidade será a presença de Deus no mundo: ela e cada membro dela convertem-se em morada de Deus, o espaço onde Deus vem ao encontro dos homens. Na comunidade dos discípulos e através dela, realiza-se a ação salvadora de Deus no mundo.

domingo, 18 de maio de 2014

O Caminho de Jesus


A liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre a Igreja: é a comunidade dos discípulos que seguem o “caminho” de Jesus – “caminho” de obediência ao Pai e de dom da vida aos irmãos.

Despedida – O ambiente em que este trecho nos coloca é o de uma ceia de despedida. Nessa ceia (realizada na quinta-feira à noite, pouco tempo antes da prisão, na véspera da morte), estão Jesus e os discípulos. Durante a ceia, Jesus despede-Se dos discípulos e faz-lhes as suas últimas recomendações. As palavras de Jesus soam a “testamento” final: Ele sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos vão continuar no mundo.

Incertezas – Os discípulos, por sua vez, já perceberam que o ambiente é de despedida e que, daí a poucas horas, o Mestre vai ser tirado deles. Estão inquietos e preocupados. A aventura que eles começaram com Jesus, na Galiléia, terá chegado ao fim? Essa relação que eles construíram com o Mestre irá morrer? Os discípulos não sabem o que vai acontecer nem que caminho vão, a partir daí, percorrer. Sobretudo, não sabem como é que manterão, após a partida de Jesus, a sua relação com Ele e com o Pai.

Comunhão – A catequese desenvolvida pelo autor do Quarto Evangelho, neste diálogo de Jesus com os discípulos, é de uma impressionante densidade teológica. Vamos tentar esmiuçar o conteúdo e pôr em relevo os pontos fundamentais. O plano de salvação de Deus passa por estabelecer com os homens uma relação de comunhão, de familiaridade, de amor. Por isso Jesus veio ao mundo: para tornar os homens “filhos de Deus”.

Método – Como é que Jesus concretizou esse projeto? Ele “montou a sua tenda no meio dos homens” (Jo 1,14) e ofereceu aos homens um “caminho” de vida em plenitude: mostrou aos homens, na sua própria pessoa, como é que eles podem ser Homens Novos – isto é, homens que vivem na obediência total aos planos do Pai e no amor aos irmãos. Viver desse jeito é viver numa dinâmica divina, entrar na intimidade do Pai, tornar-se “filho de Deus”.

Homem Novo – Na ceia de despedida, Jesus sente que está começando o último ato da missão que o Pai lhe confiou (criar o Homem Novo). Falta oferecer aos discípulos a última lição – a lição do amor que se dá até à morte; falta também o dom do Espírito, que capacitará os homens para viverem como Jesus, na obediência a Deus e na entrega aos homens. Para que esse último ato se cumpra, Jesus tem que passar pela morte: tem que “ir para o Pai”. Ao dizer “vou preparar-vos um lugar”, Jesus sugere que tem que ir ao encontro do Pai, para que os homens possam fazer parte da família de Deus.

Família – Nessa família há lugar para todos os homens (“na casa de meu Pai há muitas moradas”): basta que sigam “o caminho” de Jesus” – isto é, que escutem as suas propostas e que aceitem viver como Homens Novos, no amor e no dom da vida. A “casa do Pai” é a comunidade dos seguidores de Jesus (a Igreja). Qual é o “caminho” para chegar a fazer parte dessa família de Deus?

Caminho – A resposta é simples… O “caminho” é Jesus: é a sua vida, os seus gestos de amor e de bondade, a sua morte (dom da vida por amor) que mostram aos homens o itinerário que eles devem percorrer. Ao aceitarem percorrer esse “caminho” de identificação com Jesus, os homens estão indo ao encontro da verdade e da vida em plenitude. Quem aceita percorrer esse “caminho” de amor, de entrega, de dom da vida, chega até ao Pai e torna-se – como Jesus – “filho de Deus”.

Pai e Jesus – Ao identificarem-se com Jesus, os discípulos estabelecem uma relação íntima e familiar com o Pai, porque o Pai e Jesus são um só. O Pai está presente em Jesus. Quem adere a Jesus e estabelece com Ele laços de amor, já faz parte da família do Pai, porque Jesus é Deus que veio ao encontro dos homens: as obras de Jesus são as obras do Pai; o seu amor é o amor do Pai; a vida que Ele oferece é a vida que o Pai dá aos homens.


Conclusão – Os discípulos de Jesus têm que percorrer um “caminho”, até chegarem a ser família de Deus. Esse “caminho” foi traçado por Jesus, na obediência a Deus e no amor aos homens. É no final desse “caminho” que os discípulos – tornados Homens Novos – encontrarão o Pai e serão integrados na família de Deus.

O Bom Pastor




O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.

Símbolo – A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida.

Partes – O texto do Evangelho, que hoje nos é proposto, está dividido em duas partes, ou em duas parábolas. Na primeira parábola (Jo 10,1-6), Jesus apresenta-se preferencialmente como “o Pastor”, cuja ação se contrapõe a esses dirigentes judeus que se arrogam o direito de pastorear o “rebanho” do Povo de Deus, mas sem serem “pastores”.

Judeus – Jesus não usa meias palavras: os dirigentes judeus são ladrões e bandidos, que se servem das suas prerrogativas para explorar o Povo (ladrões) e usam a violência para o manter sob a sua escravidão (bandidos). Aproximam-se do Povo de Deus de forma abusiva e ilegítima, porque Deus não lhes confiou essa missão (“não entram pela porta”): foram eles que a usurparam. O seu objetivo não é o bem das “ovelhas”, mas o seu próprio interesse.

Jesus – Ao contrário, Jesus é “o Pastor” que entra pela porta: ele tem um mandato de Deus e a sua missão foi-Lhe confiada pelo Pai. Em Ezequiel, o papel do “pastor” correspondia, em primeiro lugar, a Deus e ao enviado de Deus, o “Messias” descendente de David. Ao apresentar-se como Aquele “que entra pela porta”, com autoridade legítima, Jesus declara-Se o “Messias” enviado por Deus para conduzir o seu Povo e para guiá-lo para as pastagens onde há vida em plenitude. Ele entra no redil das “ovelhas” para cuidar delas, não para explorá-las.

Pastor – Como é que Jesus exercerá a sua missão de “pastor”? Em primeiro lugar, irá chamar as “ovelhas”. “Chama-as pelo seu nome”, porque conhece cada uma e com cada uma quer ter uma relação pessoal. Não obrigará ninguém a responder-Lhe; mas os que responderem ao seu chamamento farão parte do seu “rebanho”. Depois, o “pastor” caminhará “diante das ovelhas” e estas  lhe seguirão. Ele indica-lhes o caminho, pois Ele próprio é “o caminho” (Jo 14,6) que leva à vida plena.

Porta – Na segunda parábola (Jo 10,7-9), Jesus apresenta-Se como “a porta”. Aqui, Ele já não é o pastor legítimo que passa pela porta, mas “a porta”. Significa que Jesus é o único lugar de acesso para que as “ovelhas” possam encontrar as pastagens que dão vida. “Passar pela porta” que é Jesus significa aderir a Ele, segui-lo, acolher as suas propostas. As “ovelhas” que passam pela porta que é Jesus (isto é, que aderem a Ele) podem passar para a terra da liberdade (onde não mandam os dirigentes que exploram e roubam), onde encontrarão “pastos” (vida em plenitude).


Vida – O nosso texto termina com a reafirmação do contraste entre Jesus e os dirigentes: os líderes religiosos judaicos utilizam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios interesses egoístas, despojam e exploram o povo; mas Jesus só procura que o seu “rebanho” encontre vida em plenitude.

sábado, 3 de maio de 2014

A CAMINHO DE EMAÚS...




No Evangelho das missas deste domingo será lido o trecho da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús.  Vamos examinar a descrição de Lucas.

A Aparição – Era o domingo da ressurreição. Dois discípulos caminhavam de Jerusalém para a aldeia de Emaús, distante 12 quilômetros. Durante as duas horas de caminhada, comentavam os fatos ocorridos naquele dia. Jesus se aproxima, passa a caminhar com eles e, puxando a conversa, pergunta sobre o que discutem.  Eles não reconhecem Jesus. Cléofas, admirado, lhe diz que ele deve ser a única pessoa em Jerusalém que não sabe o que aconteceu com Jesus Nazareno. Jesus lhes descreve toda a história da salvação, começando por Moisés, passando por toda a Escritura. Ao chegar à casa de um deles, Jesus distribuiu o pão, sendo reconhecido por eles. Os discípulos voltaram para Jerusalém para contar aos apóstolos o que tinha acontecido.

Jerusalém – O relato vai da Jerusalém do desalento e, percorrendo um caminho de diálogo, termina na Jerusalém da alegria. O momento negativo do episódio não é a ausência de Jesus, mas a impossibilidade de reconhecê-lo. O companheiro desconhecido de viagem havia provocado nos dois caminhantes uma reflexão que tinha como base a experiência da convivência com Jesus. Essa reflexão levara-os a constatar duas contradições: Jesus fora profeta poderoso, mas isso não impedira que fosse julgado, condenado e crucificado; além do mais, como ele demonstrara ser tão poderoso, os dois discípulos confiaram na redenção de Israel, mas, transcorridos três dias desde a morte do Mestre sem que nada acontecesse, sepultaram suas esperanças.

Jesus ensina – Jesus lembra os desanimados; por sua pouca perspicácia e pela lerdeza de seus corações, não souberam interpretar os acontecimentos à luz dos Profetas, razão pela qual empenha-se ele próprio em evocar as profecias e interpretá-las. Aquele que os discípulos chamavam “profeta” agora é “o Cristo”, e quem fora condenado à morte pela cruz agora entra em sua glória. Os discípulos, entretanto, pedem àquele que lhes parecera ser um “forasteiro” em Jerusalém, que “fique” com eles quando chegam ao final da jornada.

Ritual Eucarístico – O último ato dessa longa passagem é uma acurada descrição do comportamento de Jesus: como se senta à mesa, toma o pão, abençoa-o, parte-o e o distribui. Por fim os discípulos reconhecem Jesus, que desaparece repentinamente. E o momento positivo daquela experiência, cuja conclusão não é a presença visível de Jesus, mas uma ação que tem todas as características de um ritual, é acompanhada pelo fervor do coração e pela revelação do sentido das Escrituras, tendo um epílogo em Jerusalém, onde vão prestar testemunho aqueles que haviam visto Jesus ressuscitado.

Jesus Presente – O episódio de Emaús é uma grandiosa síntese de ausência e presença, morte e vida, cruz e glória, solidão e encontro, fuga renunciadora e retorno anuncia­dor. Emaús é uma cena de presença de Jesus. Não tem como resultado nenhuma missão específica, porque, logo depois, ocorre outra grande aparição a todos os apóstolos reunidos (Lc 24,36-49). O episódio de Emaús tem implícito, porém, um grande ensinamento: os dois discípulos simbolizam, para Lucas, toda a comunidade cristã. Tal como os discípulos, a comunidade experimenta a ausência de Jesus — uma ausência misteriosa, porque na realidade Jesus caminha ao lado de seus discípulos, embora se mantenha incógnito. As Escrituras — interpretadas pelo próprio Jesus — e a Igreja prestam testemunho de sua existência.

Escrituras e Eucaristia – As Escrituras não são, entretanto, o elemento conclusivo: reconfortam o coração, mas o reconhecimento só se dá quando o pão é parti­do. O encontro no rito não restabelece a presença física como durante a vida terrena de Jesus porque se resolve com uma nova ausência. É exatamente o que acontece na Igreja, beneficiada pela Comunhão no mistério e afligida por uma ausência que só se resolve na Eucaristia.