domingo, 29 de junho de 2014

Pedro e a cátedra do primeiro Papa


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 16,13-19), Pedro reconhece Jesus como Messias, é proclamado como base (pedra fundamental) da Igreja e recebe as chaves do Reino dos Céus.

Época – Mateus escreve na década de 80, quando os discípulos de Jesus oriundos do judaísmo estavam sendo expulsos das sinagogas e os cristãos começavam a estruturar-se em uma instituição religiosa própria, na qual a figura de referência era Pedro, já martirizado em Roma. Pedro era lembrado pelo seu testemunho corajoso diante da perseguição do Império Romano.

O que é cátedra? A “cátedra” quer dizer a sede fixa do bispo, colocada na igreja matriz de uma diocese, que por este motivo é chamada “catedral”. É o símbolo da autoridade do bispo e de seu “magistério” (ensinamento evangélico transmitido à comunidade cristã) como sucessor dos apóstolos. Quando o bispo toma posse da Igreja particular que lhe foi confiada, com a mitra e o báculo, senta-se em sua cátedra. Dessa sede guiará, como mestre e pastor, o caminho dos fiéis, na fé, na esperança e na caridade!

Qual foi a “cátedra” de São Pedro? Ele foi escolhido por Cristo como “rocha” sobre a qual edificaria a Igreja (Mt 6,18) e começou seu ministério em Jerusalém, depois da Ascensão do Senhor e de Pentecostes. A primeira “sede” da Igreja foi o Cenáculo e é provável que naquela sala (onde estava presente Maria Santíssima), se reservasse um posto especial a Simão Pedro. Depois, a sede de Pedro foi Antioquia (na Síria, hoje Turquia), cidade evangelizada por Barnabé e Paulo. Nela, “pela primeira vez os discípulos receberam o nome de ‘cristãos’” e Pedro foi o primeiro bispo. De Antioquia a Providência levou Pedro a Roma.

Caminho – Portanto, de Jerusalém (Igreja nascente), Pedro passa pela Antioquia (primeiro centro da Igreja que agrupava pagãos e judeus), chegando a Roma, centro do Império, onde concluiu com o martírio sua carreira ao serviço do Evangelho. Por este motivo, a sede de Roma, que havia recebido a maior honra, recebeu também a tarefa confiada por Cristo a Pedro, de estar ao serviço de todas as Igrejas particulares, para a edificação e a unidade de todo o Povo de Deus.

Roma – A sede de Roma, depois destas migrações de São Pedro, foi reconhecida como a sede do sucessor de Pedro e a “cátedra” de seu bispo representou a do apóstolo encarregado por Cristo de apascentar todo seu rebanho. Testificam isso os mais antigos Padres da Igreja, como Santo Irineu, Tertuliano e São Jerônimo.

Santo Irineu – Irenaeus (130 a 202, bispo de Lyon), em seu livro “Contra as heresias” (ano 180), descreve a Igreja de Roma como a “maior e mais antiga, conhecida por todos, fundada e constituída em Roma pelos dois gloriosos apóstolos Pedro e Paulo”, e acrescenta: “Com esta Igreja, por sua exímia superioridade, deve estar em acordo a Igreja universal, ou seja, os fiéis que estão por toda parte”.

Tertuliano – Tertuliano (160 a 220) foi um dos maiores escritores cristãos. No livro “Prescrições contra todas as heresias”, afirma: “Esta Igreja de Roma é bem-aventurada! Os apóstolos derramaram nela, com seu sangue, toda a doutrina”. A cátedra do bispo de Roma representa, portanto, não só seu serviço à comunidade romana, mas também sua missão de guia de todo o Povo de Deus.

São Jerônimo – São Jerônimo (347 a 420), doutor da Igreja, fez a tradução da Bíblia para o latim. Em seu livro “As Cartas”, dá um testemunho particularmente interessante, porque menciona explicitamente a “cátedra” de Pedro, apresentando-a como porto seguro de verdade e de paz. Assim escreve: “Decidi consultar a cátedra de Pedro, onde se encontra essa fé que a boca de um apóstolo exaltou; venho agora pedir alimento para minha alma ali, onde recebi a veste de Cristo. Não sigo outro primado senão o de Cristo; por isso, ponho-me em comunhão com tua beatitude, ou seja, com a cátedra de Pedro. Sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja”.


Vaticano – No altar principal da basílica de São Pedro encontra-se o monumento à cátedra do apóstolo Pedro (obra do artista Bernini): é um grande trono de bronze, sustentada pelas estátuas de quatro doutores da Igreja – dois do Ocidente (Santo Agostinho e Santo Ambrósio) e dois do oriente (São João Crisóstomo e Santo Atanásio).

domingo, 22 de junho de 2014

São João Batista e Herodes


O Evangelho deste domingo relata o nascimento de João Batista, comemorado no dia 24 de junho. Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia é o confronto entre João Batista (o precursor de Cristo) e Herodes Antipas, o filho de Herodes Magno (aquele que aparece no nascimento; recebe os magos e manda assassinar as crianças de Belém).  Vamos detalhar os fatos, usando os textos do Evangelho de Marcos (Mc 6, 17s) e as citações do historiador Flávio Josefo, no livro Antiguidades Judaicas (XVIII, 5, 2).

Herodes Antipas – Foi o filho caçula de Herodes (o Grande) e da samaritana Maltace, uma das dez esposas de seu pai; nasceu por volta do ano 20 a.C. Com a morte de seu pai (4 a.C.), tornou-se tetrarca da Galileia e Pereia (rei de uma das quatro partes do reino) (conforme Lc 3,1).  Frequentou as melhores escolas de seu tempo, alternando o estudo com os divertimentos e a ociosidade de Roma. Casou-se com a filha de Aretas IV, o rei do perigoso povo nabateu (da vizinha Arábia).  Tinha total confiança e simpatia do Imperador Tibério, a ponto de ser transformado em um espião, junto aos magistrados romanos no Oriente.

O escândalo – Por volta do ano 27 d.C., em uma de suas viagens a Roma, como informante do imperador, Herodes Antipas hospedou-se na casa de seu irmão por parte de pai, Herodes Filipe (veja Mc 6,17).  Este levava uma vida discreta em Roma e havia se casado com sua sobrinha, Herodíades.  A ocasião foi favorável tanto para a ambiciosa Herodíades (que não se conformava com aquela vida obscura), como para o leviano Antipas, que se apaixonou por ela.

A infidelidade – Os dois juraram-se fidelidade.  A pedido de Herodíades, o tetrarca prometeu repudiar a esposa assim que retornasse à Galileia; Herodíades prometeu-lhe abandonar o marido, Filipe, e acompanhá-lo para a Galileia.  A legítima esposa de Antipas, sabendo dos projetos do marido, preferiu não sofrer a humilhação do repúdio, retirando-se para a casa dos pais.  Os nabateus, vendo a filha do rei Aretas IV humilhada, invadiram as terras de Antipas, fazendo com que este perdesse toda a estima do imperador.

A união ilegítima – Com o caminho livre, Herodíades viajou para a Galileia, levando a sua filha, a bela jovem Salomé, e passou a viver com Herodes Antipas.

A denúncia de João Batista – Todo o povo comentava o escândalo do tetrarca, que violara as leis nacionais e religiosas ao contrair aquelas segundas núpcias, que a Lei de Moisés condenava severamente (Lev 20,21).  Todos falavam, indignados, dessa união, mas secretamente, temiam represálias.  Só o profeta do deserto, respeitado pelo povo e por Antipas (Mc 6,20), João Batista, ousou afrontar o tetrarca, denunciando a união ilegítima com Herodíades (Mc 6,18).  Temendo uma revolta popular, Antipas mandou prender João Batista na solitária e majestosa fortaleza de Maqueronte. Herodíades queria silenciar para sempre, com a morte, o austero denunciante.

O Martírio – No dia do aniversário de Herodes, foi oferecido um banquete aos grandes da corte.  Salomé (filha de Herodíades) dançou e agradou a todos.  O rei, encantado, disse à moça: “Pede o que quiseres e eu te darei, ainda que seja a metade de meu reino”.  Em dúvida, a moça perguntou a sua mãe: “O que hei de pedir?”.  Ela respondeu: “A cabeça de João Batista”.  Salomé pediu ao rei: ”Quero que me dês num prato a cabeça de João Batista”.  Antipas, mesmo contrariado, mandou degolar João, no cárcere, e entregou a sua cabeça num prato para Salomé (veja Mc 6,21-28).

Lenda – Uma antiga lenda conta que Herodíades ao ter nas mãos a cabeça de João, não pôde conter a satisfação e, com um alfinete de ouro, atravessou a língua que a havia censurado.

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Santíssima Trindade


A Solenidade que celebramos neste domingo não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para fazê-los comungar nesse mistério de amor. O Evangelho convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva.

Nicodemos – O trecho do Evangelho que nos é proposto faz parte da conversa entre Jesus e um “chefe dos judeus” chamado Nicodemos. Ele foi visitar Jesus “de noite”, o que parece indicar que não se queria comprometer e arriscar a posição destacada de que gozava na estrutura religiosa judaica. Membro do Sinédrio, Nicodemos aparecerá, mais tarde, a defender Jesus, perante os chefes dos fariseus (Jo 7,48-52); também estará presente na altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo (Jo 19,39).

Três partes – A conversa entre Jesus e Nicodemos apresenta três etapas: Na primeira, Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às suas obras; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente: o essencial é reconhecer Jesus como o enviado do Pai. Na segunda, Jesus anuncia a Nicodemos que, para entender a sua proposta, é preciso “nascer de Deus” e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento “da água e do Espírito”. Na terceira, Jesus descreve a Nicodemos o projeto de salvação de Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O nosso texto pertence a esta terceira parte.

Explicação – Depois de explicar a Nicodemos que o Messias tem de “ser levantado ao alto”, como “Moisés levantou a serpente” no deserto (a referência evoca o episódio da caminhada pelo deserto em que os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam – Nm 21,8-9), a fim de que “todo aquele que n’Ele acredita tenha vida definitiva”, Jesus explica como é que a cruz se insere no projeto de Deus. A explicação vem em três passos…

1º Passo – O primeiro refere-se ao significado último da cruz: esse Homem que vai ser levantado na cruz veio ao mundo, encarnou na nossa história humana, correu o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e, como conseqüência, foi preso, torturado e morto numa cruz. Ora, esse Homem é o “Filho único” de Deus. A cruz é, portanto, a expressão suprema do amor de Deus pelos homens. Qual é o objetivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a vida eterna. Com Jesus – o Filho único que morreu na cruz – os homens aprendem que a vida definitiva está na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos homens, por amor.

2º Passo – A intenção de Deus, ao enviar ao mundo o seu Filho único, não era uma intenção negativa. Jesus veio ao mundo porque o Pai ama os homens e quer salvá-los. O Messias não veio com uma missão judicial, nem veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens – a todos os homens – a vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos. Reparemos neste fato notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens pecadores, egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta de vida… E foi o amor de Jesus – bem como o Espírito que Jesus deixou – que transformou esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os inseriu numa dinâmica de vida nova e plena.

3º Passo – As duas atitudes que o homem pode tomar, diante da oferta de salvação que Jesus faz: quem aceita a proposta de Jesus, adere a Ele, recebe o Espírito, vive no amor e na doação, escolhe a vida definitiva; mas quem prefere continuar escravo de esquemas de egoísmo e de auto-suficiência, auto-exclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta perspectiva, um prêmio ou um castigo que Deus dá ao homem pelo seu bom ou mau comportamento; mas são o resultado da escolha livre do homem, face à oferta incondicional de salvação que Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida definitiva ou pela morte eterna não recai assim sobre Deus, mas sobre o homem.


Julgamento – De acordo com a perspectiva do evangelista, também não existe um julgamento futuro, no final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para ver se os há de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende da atitude que o homem assume diante da proposta de Jesus.

sábado, 7 de junho de 2014

Pentecostes


O tema deste domingo é, evidentemente, o Espírito Santo. Dom de Deus a todos os crentes, o Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Homem Novo. O Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, ao receber o dom do Espírito, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, nova. É o Espírito que permite aos crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que Jesus viveu até às últimas conseqüências.

Comunidade de Jesus – Este texto situa-nos no Cenáculo, no mesmo dia da ressurreição. Apresenta-nos a comunidade da Nova Aliança, nascida da ação criadora e vivificadora do Messias. No entanto, essa comunidade ainda não se encontrou com Cristo ressuscitado e ainda não tomou consciência das implicações da ressurreição. É uma comunidade fechada, insegura, com medo… Precisa fazer a experiência do Espírito; só depois, estará preparada para assumir a sua missão no mundo e dar testemunho do projeto libertador de Jesus.

A 1ª Leitura – Nos “Atos dos Apóstolos” (primeira leitura da missa), Lucas narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do Pentecostes, cinqüenta dias após a Páscoa (sem dúvida por razões teológicas e para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do Pentecostes, a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus); mas, João situa a recepção do Espírito pelos discípulos no anoitecer do dia de Páscoa.

Desorientados – João começa colocando em relevo a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo” delineiam o quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar.

Jesus – Entretanto, Jesus aparece “no meio deles”. João indica desta forma que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.

Paz – Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz” (“shalom”, em hebraico). A “paz” é um dom messiânico; mas, neste contexto, significa, sobretudo, a transmissão da serenidade, da tranqüilidade, da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a insegurança: a partir desse momento, nem o sofrimento, nem a morte, nem a hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado está “no meio deles”.

Sinais – Em seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”, “sinais” que evocam a entrega de Jesus, o amor total expresso na cruz. É nesses “sinais” (na entrega da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue) que os discípulos reconhecem Jesus. O fato de esses “sinais” permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.

Sopro – Vem, depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila (João utiliza, aqui, precisamente o mesmo verbo do texto grego de Gn 2, 7). Com o “sopro” de Deus de Gn 2, 7, o homem tornou-se um “ser vivente”; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o Homem Novo. Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados – como Jesus – para fazerem da sua vida um dom de amor aos homens. Animados pelo Espírito, eles formam a comunidade da Nova Aliança e são chamados a testemunhar – com gestos e com palavras – o amor de Jesus.

Sem pecado – Finalmente, Jesus explica claramente qual a missão dos discípulos: a eliminação do pecado. As palavras de Jesus i, que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos os homens. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte (isto é, de pecado). A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta de salvação.