A Solenidade
que celebramos neste domingo não é um convite a decifrar o mistério que se
esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um convite a contemplar
o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para
fazê-los comungar nesse mistério de amor. O Evangelho convida-nos a contemplar um
Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu
Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom
total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva.
Nicodemos – O trecho do Evangelho que nos é
proposto faz parte da conversa entre Jesus e um “chefe dos judeus” chamado
Nicodemos. Ele foi visitar Jesus “de noite”, o que parece indicar que não se
queria comprometer e arriscar a posição destacada de que gozava na estrutura
religiosa judaica. Membro do Sinédrio, Nicodemos aparecerá, mais tarde, a
defender Jesus, perante os chefes dos fariseus (Jo 7,48-52); também estará
presente na altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo (Jo
19,39).
Três partes – A conversa
entre Jesus e Nicodemos apresenta três etapas: Na primeira, Nicodemos reconhece
a autoridade de Jesus, graças às suas obras; mas Jesus acrescenta que isso não
é suficiente: o essencial é reconhecer Jesus como o enviado do Pai. Na segunda,
Jesus anuncia a Nicodemos que, para entender a sua proposta, é preciso “nascer
de Deus” e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento “da água e do
Espírito”. Na terceira, Jesus descreve a Nicodemos o projeto de salvação de
Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens
através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O nosso
texto pertence a esta terceira parte.
Explicação – Depois de
explicar a Nicodemos que o Messias tem de “ser levantado ao alto”, como “Moisés
levantou a serpente” no deserto (a referência evoca o episódio da caminhada
pelo deserto em que os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente
de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam – Nm 21,8-9), a fim
de que “todo aquele que n’Ele acredita tenha vida definitiva”, Jesus explica
como é que a cruz se insere no projeto de Deus. A explicação vem em três
passos…
1º Passo – O primeiro refere-se ao significado
último da cruz: esse Homem que vai ser levantado na cruz veio ao mundo, encarnou
na nossa história humana, correu o risco de assumir a nossa fragilidade,
partilhou a nossa humanidade; e, como conseqüência, foi preso, torturado e
morto numa cruz. Ora, esse Homem é o “Filho único” de Deus. A cruz é, portanto,
a expressão suprema do amor de Deus pelos homens. Qual é o objetivo de Deus ao
enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los do egoísmo, da
escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a vida eterna. Com Jesus – o
Filho único que morreu na cruz – os homens aprendem que a vida definitiva está
na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos homens, por amor.
2º Passo – A intenção de Deus, ao enviar ao
mundo o seu Filho único, não era uma intenção negativa. Jesus veio ao mundo
porque o Pai ama os homens e quer salvá-los. O Messias não veio com uma missão
judicial, nem veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio
oferecer aos homens – a todos os homens – a vida definitiva, ensinando-os a
amar sem medida e dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos.
Reparemos neste fato notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de
homens perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens
pecadores, egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta
de vida… E foi o amor de Jesus – bem como o Espírito que Jesus deixou – que
transformou esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os inseriu
numa dinâmica de vida nova e plena.
3º Passo – As duas atitudes que o homem pode
tomar, diante da oferta de salvação que Jesus faz: quem aceita a proposta de
Jesus, adere a Ele, recebe o Espírito, vive no amor e na doação, escolhe a vida
definitiva; mas quem prefere continuar escravo de esquemas de egoísmo e de
auto-suficiência, auto-exclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não
são, nesta perspectiva, um prêmio ou um castigo que Deus dá ao homem pelo seu
bom ou mau comportamento; mas são o resultado da escolha livre do homem, face à
oferta incondicional de salvação que Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida
definitiva ou pela morte eterna não recai assim sobre Deus, mas sobre o homem.
Julgamento – De acordo
com a perspectiva do evangelista, também não existe um julgamento futuro, no
final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para
ver se os há de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende
da atitude que o homem assume diante da proposta de Jesus.
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