domingo, 4 de outubro de 2015

E os dois serão uma só carne


O texto do Evangelho das missas deste domingo acontece durante a última viagem de Jesus a Jerusalém. Estamos em fevereiro do ano 30. Em pouco mais de um mês, Jesus será preso, condenado e crucificado. Alguns fariseus, tentando obter uma prova para condenar Jesus, perguntam: “Um homem pode mandar a sua esposa embora?”

Matrimônio – O tema deste domingo é o matrimônio. Em nossos dias, o que ameaça o matrimônio é a separação e o divórcio, enquanto que, nos tempos de Jesus, era o repúdio. Este, certamente, um mal pior, porque implicava uma injustiça contra a mulher, pois somente o homem tinha o direito de repudiar a esposa. Lamentavelmente, esse costume ainda persiste em certas culturas...

Judaísmo – No judaísmo, duas correntes de opiniões se contrapunham: para uma delas, era lícito repudiar a própria mulher por qualquer motivo (até se “o feijão queimasse”), e a decisão do marido era soberana, conforme o seu julgamento ou vontade; para a outra, ao contrário, era preciso um motivo grave, previsto pela Lei. Os fariseus submeteram esta questão a Jesus, esperando que adotasse uma postura a favor de uma ou outra tese. Mas, receberam uma resposta que não esperavam: “Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento.  Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar”.

Moisés – A lei de Moisés sobre o repúdio é vista por Cristo como algo não desejado, mas tolerado por Deus (como a poligamia ou outras desordens) por causa da dureza de coração e da imaturidade humana. Jesus não critica Moisés pela concessão feita; reconhece que, nesta matéria, o legislador humano não pode deixar de levar em conta a realidade. Mas, volta a propor a todos o ideal originário da união indissolúvel entre o homem e a mulher (uma só carne) que, ao menos para seus discípulos, deverá ser a única forma possível de matrimônio.

Sacramento – Contudo, Jesus não se limita a reafirmar a lei; acrescenta-lhe a graça. Ou seja, os esposos cristãos não só têm o dever de se manterem fiéis até a morte, como têm também a ajuda necessária para fazê-lo. Da morte redentora de Cristo vem uma força – o Espírito Santo – que permeia todo aspecto da vida do crente, inclusive o matrimônio. Este, inclusive, é elevado à dignidade de sacramento e de imagem viva de sua união com a Igreja na cruz (Ef 5, 31-32). Dizer que o matrimônio é um sacramento significa que ele se converte em um modo de unir-se a Cristo, por meio do amor ao outro, tornando-se um verdadeiro caminho de santificação.

Crise - O ideal de fidelidade conjugal nunca foi fácil (adultério é uma palavra que ressoa sinistramente até na Bíblia) e hoje, mais difícil ainda. A crise que a instituição do matrimônio atravessa em nossa sociedade é visível e as legislações civis que permitem o divórcio apenas poucos meses depois de vida em comum, indiretamente, o estimulam. Palavras como: “estou farto desta vida”, “se é assim, cada um por si!”, “vou embora”, são pronunciadas entre cônjuges na primeira dificuldade.

Descartável – Vive-se também, no matrimônio, a mentalidade comum do “usar e jogar fora”. Se um aparelho ou uma ferramenta sofre algum dano ou uma pequena avaria, não se pensa em repará-lo, pensa-se só em substituir. Essa mentalidade, no matrimônio, é mortífera. O que se pode fazer para conter esta tendência, causa de tanto mal para a sociedade e de tanta tristeza para os filhos? Substituir a mentalidade do “usar e jogar fora” pela do “usar e remendar”. Quase ninguém faz remendos mais. Mas se não se fazem na roupa, deve-se praticar esta arte na vida a dois (Veja Ef 4, 26-27; Col 3, 13; Ga 6, 2).

Santidade – O importante a compreender é que o matrimônio não se gasta com crises e superações, mas se aperfeiçoa e melhora. Se olharmos para a vida dos santos, perceberemos que o caminho que leva à santidade é feita de vazios, aridez e muita força de vontade e cansaço. Muitos chegaram a duvidar de que estivessem no caminho certo. Seguiram adiante só por fé e só depois de passar por crises, entenderam o quanto é mais profundo e mais desinteressado o amor a Deus. Os casais também atravessam, frequentemente, crises em seu matrimônio. Se, com boa vontade e ajuda, conseguem supera-las, percebem que, se antes ambos se amavam pela satisfação que isso lhes proporcionava, hoje talvez se amem um pouco mais com um amor de ternura, livre de egoísmo e capaz de compaixão; amam-se pelas coisas que passaram e sofreram juntos.


Acolhimento – Apesar de tudo, a vida dos homens e das mulheres é marcada pela fragilidade própria da condição humana. Nem sempre, apesar do esforço e boa vontade, as pessoas conseguem ser fiéis aos ideais que Deus propõe. A vida de todos nós está cheia de fracassos, de infidelidades, de falhas. Nessas circunstâncias, a comunidade cristã deve usar de muita compreensão para os que, muitas vezes sem culpa, não conseguiram a vivência desse projeto de amor. Em nenhuma circunstância os divorciados devem ser marginalizadas ou afastados da comunidade cristã, que deve acolher, integrar, compreender, ajudar a quem as circunstâncias da vida impediram de viver o projeto ideal de Deus. Não se trata de renunciar ao “ideal” proposto; trata-se de testemunhar a bondade e a misericórdia de Deus para com todos aqueles a quem a partilha de um projeto comum fez sofrer e que, por diversas razões, não puderam realizar esse ideal que um dia, diante de Deus e da comunidade, se comprometeram a viver.

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