sábado, 26 de março de 2016

Os últimos dias da vida de Jesus

Apresentamos hoje, em preparação à semana que antecede a Páscoa, os acontecimentos que marcaram a última semana e a Paixão de Jesus.

Março do ano 30 – No final de março do ano 30, Jesus fez a sua última viagem para Jerusalém. Ele e seus discípulos viajaram da Galiléia, passando pela Peréia (além Jordão), evitando a região da Samaria. Durante essa viagem, curou dez leprosos (Lc 17,11), discutiu com os fariseus sobre o casamento (Mt 19,3) e ensinou os companheiros com as parábolas da viúva e do juiz, do fariseu e do publicano (Lc 18,9) e dos operários da vinha. Falou sobre o juízo final, recebeu as crianças e conversou com o jovem rico (Lc 18, 15-30).

Em Betânia – Jesus chegou a Betânia na sexta-feira (Jo 12,1), dia 31 de março do ano 30, e foi jantar na casa de seu amigo Lázaro (que havia revivido) e das irmãs Marta e Maria. Betânia era uma aldeia a Leste do monte das Oliveiras, a cerca de três quilômetros de Jerusalém. Nesta noite, Maria lavou os pés de Jesus com um perfume caro e os enxugou com os cabelos; foi repreendida por Judas Iscariotes. Nesta mesma noite, Jesus fez (pela terceira vez) a predição de sua Paixão, recebeu o pedido dos filhos de Zebedeu e contou a parábola das minas e dos talentos.

Sábado – 1º de abril – No sábado, Jesus e seus discípulos seguiram de Betânia para Jerusalém. Quando passavam por Betfagé, perto do Monte das Oliveiras, Jesus pediu que dois discípulos fossem ao povoado e trouxessem um jumentinho que estava amarrado. Montado no jumentinho, Jesus fez a entrada triunfal em Jerusalém, aclamado pelo povo, que o saudava com ramos. Neste mesmo sábado, Jesus visitou o Templo, expulsando os vendedores, derrubando as mesas e cadeiras dos cambistas. Voltou para Betânia, onde passou a noite (Mt, 21,17). No domingo (2 de abril), Jesus descansou. Em uma de suas caminhadas, encontrou uma figueira estéril e proclamou o ensinamento sobre a fé (Mt 21,18).

3 e 4 de abril – Na segunda e terça-feira, Jesus voltou a Jerusalém. No Templo, foi interrogado pelos fariseus sobre a sua missão, sobre a sua autoridade (Mt 21,23) e sobre o tributo a César (Mt 22,15). Conversando com os discípulos, Jesus contou as parábolas dos dois filhos (Mt 21,28) e dos vinhateiros (Mt 21,33) e apresentou a oferta da viúva pobre (Mc 12,41). Ao sair, mostrou a grandiosa obra do Templo, fazendo um discurso (conhecido como Apocalipse sinótico) sobre a sua destruição, a grande tribulação e a vigília (Mt 24). A quarta-feira (5 de abril) foi marcada pela traição de Judas (Mt 26,14; Lc 22,1).

Quinta-feira – O dia 6 de abril começou com a preparação para a Páscoa (Mt 26,17). Os discípulos foram até a cidade e prepararam a Páscoa na casa de um conhecido deles. Ao cair da tarde, Jesus se reuniu com os doze apóstolos e, enquanto comiam, anunciou que seria traído. Judas deixou o cenáculo (Mt 26,20). Em seguida, Jesus lavou os pés dos apóstolos (Jo 13,1), instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio (Mt 26,28), entregou o novo mandamento (Jo 13,33), predisse as negações de Pedro (Mt 26,31) e fez o sermão da despedida (Jo 14,16). Em seguida, Jesus e os apóstolos saíram do Cenáculo, deixando a cidade, em direção a Betânia, até um horto chamado Getsêmani. Ali Jesus agonizou, enquanto os apóstolos dormiam (Mt 26,36).

Sexta-feira, 7 de abril – De madrugada, no Getsêmani, Jesus foi preso e conduzido ao palácio de Caifás (Sumo Sacerdote). Em seguida, Jesus foi conduzido ao Sinédrio (tribunal religioso judaico, composto de 71 membros), onde os escribas e anciãos estavam reunidos. Pedro negou conhecer Jesus (Mt 26,47). Na manhã, como o Sinédrio não tinha o poder de condenar as pessoas, levaram Jesus para Pilatos (governador da Judéia, representante do Império Romano), pedindo a sua condenação à morte.

Indecisão – Pilatos interrogou Jesus e não encontrou nenhuma causa de condenação. Sabendo que Jesus era galileu, Pilatos encaminhou-o para Herodes Antipas, que se encontrava na cidade. Herodes também, não encontrou nenhuma causa para condenação de Jesus (Lc 23,6). Novamente foi levado para Pilatos que, lavou as mãos, condenando Jesus e soltando Barrabás. Jesus recebeu uma coroa de espinhos e foi condenado à crucificação, caminhando até um lugar chamado Gólgota.

Crucificação – Ao meio-dia do dia 7 de abril do ano 30, Jesus foi crucificado ao lado de dois ladrões: Dimas e Gestas (Lc 23,23). Em sua cruz foi escrita a causa da condenação (INRI): “Yehoshuah Nazoreus, Rex Youdeus” (Jesus Nazareno, rei dos Judeus). Jesus morreu às 3 horas da tarde (Mt 27,45) e, antes do pôr do sol, foi sepultado por José de Arimatéia (Mt 27,57). No sábado (8 de abril) nada acontece, pois era o dia de Páscoa dos Judeus.


Domingo – No domingo, 9 de abril do ano 30, Maria Madalena (e outras pessoas) foram ao túmulo de Jesus e encontraram a pedra rolada. Voltaram e contaram para os apóstolos. Pedro e João foram ao túmulo e encontraram apenas faixas e panos (Jo 20). No mesmo dia Jesus apareceu para os apóstolos (sem Tomé) e para os discípulos de Emaús (Lc 24,13).

sábado, 19 de março de 2016

“Se eles se calarem, as pedras gritarão"


No Evangelho das missas deste Domingo de Ramos (Lucas 19, 28-40), Jesus entra na cidade de Jerusalém montado em um jumentinho. Quando chegou perto da descida do monte das Oliveiras, a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia de alegria, começou a louvar a Deus por todos os milagres que tinha visto. Todos gritavam: “Bendito o rei, que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!” Do meio da multidão, alguns dos fariseus disseram a Jesus: “Mestre, repreende teus discípulos!” Jesus, porém, respondeu: “Eu vos declaro: se eles se calarem, as pedras gritarão”

Significado – Comemoramos neste domingo, com muita alegria, a entrada de Jesus em Jerusalém. Nas comunidades são organizadas procissões, o povo abana ramos, até se celebram encenações do evento. Pessoas que dificilmente pisam numa igreja num domingo comum, fazem questão de não perder a procissão nesse dia. Porém, para não reduzirmos a comemoração a mero folclore, é preciso estudar mais de perto o que significava esta entrada em Jerusalém para Jesus e para o evangelista.

Zacarias – Uma das coisas que dificultam o nosso entendimento é a nossa pouca familiaridade com o Antigo Testamento. Precisamos relembrar um trecho do profeta Zacarias: "Dance de alegria, cidade de Sião; grite de alegria, cidade de Jerusalém, pois agora o seu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num jumentinho, filho de uma jumenta... Anunciará a paz a todas as nações, e o seu domínio irá de mar a mar, do rio Eufrates até os confins da terra" (Zac 9,9-10).

Um Novo Rei – Este era um trecho muito importante na espiritualidade do grupo conhecido como os "Anawim", ou "os pobres de Javé", que esperavam ansiosamente a chegada do Messias libertador. Entre este grupo encontravam-se Maria, José e os discípulos de Jesus. Foi com essa espiritualidade que Jesus foi criado. Zacarias havia traçado as características do messias: seria um rei, mas um rei "justo e pobre"; não um rei de guerra, mas de paz! Viria estabelecer uma sociedade diferente da sociedade opressora do tempo de Zacarias (e de Jesus e de nós) - onde os poderosos e violentos oprimiam os pobres e pacíficos!

Um Rei pobre – Um rei jamais entraria numa cidade montado em um jumento (o animal de um camponês), mas num cavalo branco de raça! Então Jesus, fazendo a sua entrada assim, faz uma releitura do profeta Zacarias e se identificou com o rei pobre, da paz, da esperança dos pobres e oprimidos!

Triunfo de Deus – Por isso, muitas vezes perdemos totalmente o sentido da entrada de Jesus em Jerusalém. Celebramos o evento como se fosse a entrada de um Presidente ou Governador do nosso tempo (com pompa, imponência, e demonstração de poder e força). O contrário do que significou o que Jesus fez! Chamamos o evento da "entrada triunfal de Jesus em Jerusalém" - e realmente foi uma entrada triunfal, mas como triunfo de Deus, que se encarnou entre nós como o Servo Sofredor!

Qual Jesus? – O texto de hoje nos convida a revermos as nossas atitudes. Seguimos Jesus – mas será que é o Jesus real, o Nazareno, o rei dos pobres e humildes, o Jesus cumpridor da profecia de Zacarias? Ou inventamos outro – poderoso, nos moldes da nossa sociedade, com força, poder e prestígio?

Missão – A entrada em Jerusalém foi o ponto culminante de toda a vida e missão de Jesus – das suas opções concretas em favor dos oprimidos, do seu desafio à religião oficial que escondia o verdadeiro rosto de Deus, das consequências políticas e econômicas da sua proposta de uma sociedade justa e igualitária. Tudo isso levou os poderosos, romanos e judeus, a tramarem sua morte.

Incomodar – É importante lembrar que a paixão e morte de Jesus foram consequências da sua vida – é absolutamente impossível entender o que significa a Semana Santa sem ligá-la com o resto da vida de Jesus e com a sua proposta para a sociedade e para a comunidade dos seus seguidores. Jesus não morreu: foi morto porque incomodava – como continua incomodando os que perseveram com o sistema opressor.


Folclore? – Realmente acreditamos no rei dos pobres e oprimidos ou só fazemos um folclore no Dia de Ramos: bonito, mas totalmente desvinculado da mensagem verdadeira e profunda do profeta Zacarias e do Evangelho?

sexta-feira, 4 de março de 2016

O Filho Pródigo




No Evangelho das missas deste domingo, Jesus apresenta a “parábola do filho pródigo”, uma parábola que é exclusiva de Lucas.

A Parábola – Esta parábola conta a história de um homem que tinha dois filhos. Um dos filhos pede a sua parte na herança e viaja para longe, gastando toda fortuna. Ficando sem dinheiro, chegou a passar fome e resolve retornar para a casa do seu pai, pedindo desculpas. O pai o recebe com festa e alegria. O outro filho, que ficou trabalhando com o pai, se revolta contra o irmão.

Lucas – Todo o capítulo 15 de Lucas é dedicado ao ensinamento sobre a misericórdia: em três parábolas, Lucas apresenta uma catequese sobre a bondade e o amor de um Deus que quer estender a mão a todos os que a teologia oficial excluía e marginalizava. O Evangelho apresenta-nos o Deus/Pai que ama de forma gratuita, com um amor fiel e eterno, apesar das escolhas erradas e da irresponsabilidade do filho rebelde. E esse amor lá está, sempre à espera, sem condições, para acolher e abraçar o filho que decide voltar. É um amor entendido na linha da misericórdia e não na linha da justiça dos homens.

O pai e os dois filhos – A parábola apresenta-nos três personagens de referência: o pai, o filho mais novo e o filho mais velho. Vejamos um pouco destas figuras.

O pai – A personagem central é o pai. Trata-se de uma figura excepcional, que conjuga o respeito pelas decisões e pela liberdade dos filhos, com um amor gratuito e sem limites. Esse amor manifesta-se na emoção com que abraça o filho que volta, mesmo sem saber se esse filho mudou a sua atitude de orgulho e de auto-suficiência em relação ao pai e à casa. Trata-se de um amor que permaneceu inalterado, apesar da rebeldia do filho; trata-se de um pai que continuou a amar, apesar da ausência e da infidelidade do filho. A conseqüência do amor do pai simboliza-se no “anel” que é símbolo da autoridade (Gn 41,42) e nas sandálias, que é o calçado do homem livre.

O filho mais novo – É um filho ingrato, insolente e obstinado, que exige do pai muito mais do que aquilo a que tem direito (a lei judaica previa que o filho mais novo recebesse apenas um terço da fortuna do pai - Dt 21,15-17) mas, ainda que a divisão das propriedades pudesse fazer-se em vida do pai, os filhos não acediam à sua posse senão depois da morte deste (Sir 33,20-24). Além disso, abandona a casa e o amor do pai e dissipa os bens que o pai colocou à sua disposição. É uma imagem de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de frivolidade, de total irresponsabilidade. Acaba, no entanto, por perceber o vazio, o sem sentido, o desespero dessa vida de egoísmo e de auto-suficiência e por ter a coragem de voltar ao encontro do amor do pai.

O filho mais velho – É o filho “certinho”, que sempre fez o que o pai mandou, que cumpriu todas as regras e que nunca pensou em deixar esse espaço cômodo e acolhedor que é a casa do pai. No entanto, a sua lógica é a lógica da “justiça” e não a lógica da “misericórdia”. Ele acha que tem créditos superiores aos do irmão e não compreende nem aceita que o pai queira exercer o seu direito à misericórdia e que acolha, feliz, o filho rebelde. É a imagem desses fariseus e escribas que interpelaram Jesus: porque cumpriam à risca as exigências da Lei, desprezavam os pecadores e achavam que essa devia ser também a lógica de Deus.

Lógica de Deus – A “parábola do pai bondoso e misericordioso” pretende apresentar-nos a lógica de Deus. Deus é o Pai bondoso, que respeita absolutamente a liberdade e as decisões dos seus filhos, mesmo que eles usem essa liberdade para procurar a felicidade em caminhos errados; e, aconteça o que acontecer, continua a amar e a esperar ansiosamente o regresso dos filhos rebeldes. Quando os reencontra, acolhe-os com amor e reintegra-os na sua família. Essa é a alegria de Deus. É esse Deus de amor, de bondade, de misericórdia, que se alegra quando o filho regressa que nós, às vezes filhos rebeldes, temos a certeza de encontrar quando voltamos.


Convite – A parábola pretende ser também um convite a deixarmos-nos arrastar por esta dinâmica de amor no julgamento que fazemos dos nossos irmãos. Mais do que pela “justiça”, que nos deixemos guiar pela misericórdia, na linha de Deus.