Este domingo é uma grande festa missionária. Marca a
transformação da Igreja de uma seita judaica para uma comunidade universal,
missionária, comprometida com a construção do Reino de Deus "até os
confins da Terra". A liturgia deste final de semana nos apresenta a
descida do Espírito Santo sobre a comunidade dos discípulos, em duas tradições:
a de Lucas (Atos 2,1-11) e a de João (João 20, 19-23).
Diferença – Uma leitura fundamentalista da Bíblia leva a gente a um
beco sem saída, pois, em João, a Ressurreição, a Ascensão e a descida do
Espírito se deram no mesmo dia (domingo de Páscoa, dia 9 de abril do ano 30),
enquanto Lucas descreve a ascensão e a descida do Espírito cinquenta dias
depois. Assim, devemos ler os textos dentro dos interesses teológicos dos dois
autores: os 50 dias de Lucas, por exemplo, entre a Ressurreição e a Ascensão,
correspondem aos 40 dias da preparação de Jesus no deserto, para a sua missão. Da
mesma maneira que Jesus ficou "repleto do Espírito Santo" e se lançou
na sua missão "com a força do Espírito", a comunidade cristã se
preparou durante um período semelhante e, na festa judaica de Pentecostes,
também experimentou que "todos ficaram repletos do Espírito Santo".
Atos – “Atos dos Apóstolos” descreve o dia de Pentecostes, quando os discípulos estavam reunidos e veio do céu um barulho, como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. Então apareceram línguas como de fogo, que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava.
Catequese – Não podemos tomar o texto de Lucas (Atos) como uma
reportagem jornalística de acontecimentos históricos. O texto que descreve os
acontecimentos do dia do Pentecostes é uma construção, com uma evidente
intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens,
aos símbolos, à linguagem poética das metáforas. Precisamos entender estes
símbolos, para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva
quis transmitir.
Símbolos – Nos primeiros versículos, o ambiente é o de uma casa,
onde os discípulos se reuniram. Lembra que estavam reunidos três grupos
distintos: os Onze, as mulheres (entre as quais Maria, a mãe de Jesus) e os irmãos do Senhor. A
expressão externa da descida do Espírito é o "falar em outras
línguas" (não o "falar em línguas" – glossolalia – tão
valorizado por muitos grupos de cunho neopentecostal).
Ouvir e
compreender – No meio do texto o
ambiente muda: da casa para um lugar público, provavelmente o pátio do Templo.
O sinal visível da presença do Espírito não é mais o falar em outras línguas,
mas o fato de que todos os presentes – destacado por três vezes – pudessem
"ouvir os discípulos falarem, na sua própria língua". O termo
"ouvir" implica também "compreender". Lucas quer enfatizar
que o dom do Espírito Santo tem um objetivo missionário e profético. O texto é
uma releitura da Torre de Babel, em que a língua única era o instrumento de um
projeto de dominação (uma torre até o céu), que foi destruído por Deus, pela
diversidade de línguas.
Missão – O Pentecostes de “Atos” é uma página programática da
Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da ação das “testemunhas” de
Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do Espírito, onde todos
serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito
reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.
Evangelho – O Evangelho de João descreve o anoitecer, o primeiro da semana. É um quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar. Quando estavam reunidos com as portas fechadas, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: "A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos".
Evangelho – O Evangelho de João descreve o anoitecer, o primeiro da semana. É um quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar. Quando estavam reunidos com as portas fechadas, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: "A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos".
Evangelho de João
– Em João é o próprio
Jesus que aparece aos Apóstolos e doa o Espírito Santo. O evangelista quer
destacar que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus
ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, à volta do
qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade
cristã só existe consistentemente se está centrada em Jesus ressuscitado. Duas
vezes o Cristo proclama o seu desejo para os seus discípulos: "A paz
esteja com vocês". Na verdade, Jesus usou o termo hebraico “Shalom!” que
tem um significado bem mais amplo que a palavra paz. O "Shalom" é a
paz que vem da presença de Deus, da justiça do Reino. Envia os seus discípulos
na missão árdua em favor do Reino e promete o “shalom”, pois Ele nunca
abandonará aquele que procura viver, na fidelidade, o projeto de Deus.
Reino – Que a celebração de Pentecostes nos anime a buscar um
mundo onde o Shalom realmente possa reinar; não a paz falsa da opressão e
injustiça, mas, do Reino de Deus, fruto de justiça, solidariedade e
fraternidade. Jesus nos deu o Espírito Santo – agora depende de nós usarmos
essa força que temos, na construção do mundo que Deus quer.
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