sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Eu vim trazer a divisão à terra



Os “ditos” que o Evangelho de hoje (Lc 12,49-53) nos apresenta são dos textos mais obscuros e difíceis de interpretar de todo o Novo Testamento. Particular dificuldade oferece o versículo 49, formado com palavras estranhas ao vocabulário de Lucas. Para a explicação deste texto, vamos recorrer ao texto do Pe. Cantalamessa (Pregador do Papa).

Provocação? – A passagem do Evangelho desse domingo contém algumas das palavras mais provocadoras pronunciadas por Jesus: “Pensais que eu vim trazer a paz à terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer a divisão. Pois daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: pai contra filho e filho contra pai; mãe contra filha e filha contra mãe; sogra contra nora e nora contra sogra”.

Contradição? – E pensar que quem diz essas palavras é a mesma pessoa cujo nascimento foi saudado com as palavras: “Paz na terra aos homens”, e que durante sua vida havia proclamado: “Bem-aventurados os que trabalham pela paz”! A mesma pessoa que, no momento de sua prisão, ordenou a Pedro: “Coloque a espada na bainha!” (Mt 26, 52)! Como se explica esta contradição?

É muito simples – Trata-se de ver qual é a paz e a unidade que Jesus veio trazer e qual é a paz e a unidade que veio suprimir. Ele veio trazer a paz e a unidade no bem, a que conduz à vida eterna, e veio tirar essa falsa paz e unidade que só serve para adormecer as consciências e levar à ruína.

Divisão? – Não é que Jesus tenha vindo propositalmente para trazer a divisão e a guerra, mas de sua vinda resultará inevitavelmente divisão e contraste, porque Ele situa as pessoas ante a disjuntiva. E ante a necessidade de decidir-se, sabe-se que a liberdade humana reagirá de forma variada. Sua palavra e sua própria pessoa trarão à luz o que está mais oculto no profundo do coração humano. O ancião Simeão o havia predito ao tomar Jesus Menino nos braços: “Este está colocado para queda e elevação de muitos em Israel, e para ser sinal de contradição, a fim de que fiquem ao descoberto as intenções de muitos corações” (Lucas 2, 35).

Espada – A primeira vítima dessa contradição, o primeiro em sofrer a “espada” que veio trazer à terra, será precisamente Ele, que neste choque perderá a vida. Depois d’Ele, a pessoa mais diretamente envolvida neste drama é Maria, sua Mãe, a quem, de fato, Simeão, naquela ocasião, disse: “Uma espada te transpassará a alma”.

Jesus mesmo distingue os dois tipos de paz. Diz aos apóstolos: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não é à maneira do mundo que eu a dou. Não se perturbe, nem se atemorize o vosso coração” (João 14, 27). Depois de ter destruído, com sua morte, a falsa paz e solidariedade do gênero humano no mal e no pecado, inaugura a nova paz e unidade que é fruto do Espírito. Esta é a paz que oferece aos apóstolos na tarde da Páscoa, dizendo: “Paz a vós!”.

Família – Jesus diz que esta “divisão” pode ocorrer também dentro da família: entre pai e filho, mãe e filha, irmão e irmã, nora e sogra. E lamentavelmente sabemos que isso às vezes é certo e doloroso. A pessoa que descobriu o Senhor e quer segui-lo seriamente se encontra com frequência na difícil situação de ter de escolher: ou contentar aos de casa e descuidar Deus e as práticas religiosas, ou seguir estas e estar em contraste com os seus, que lhe jogam na cara cada minuto que dedica a Deus e às práticas de piedade.

Carne e Espírito – Mas o choque chega também mais profundamente, dentro da própria pessoa, e se configura como luta entre a carne e o espírito, entre o clamor do egoísmo e dos sentidos e o da consciência. A divisão e o conflito começam dentro de nós. Paulo o explicou de forma maravilhosa: “A carne de fato tem desejos contrários ao Espírito e o Espírito tem desejos contrários à carne; estas coisas se opõem reciprocamente, de maneira que não fazeis o que gostaríeis”.


O homem está apegado à sua pequena paz e tranquilidade, ainda que seja precária e ilusória, e esta imagem de Jesus que vem trazer o desconcerto poderia indispô-lo e levá-lo a considerar Cristo como um inimigo de sua quietude. É necessário tentar superar esta impressão e perceber que também isso é amor por parte de Jesus, talvez o mais puro e genuíno.

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