sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Amarás a teu próximo


No Evangelho das missas deste domingo, Mateus (22,34-40) descreve mais uma discussão entre Jesus e os fariseus.

Armadilhas – Essas controvérsias apresentam-se como armadilhas bem organizadas e montadas, destinadas a surpreender afirmações polêmicas de Jesus, capazes de ser usadas em tribunal para conseguir a sua condenação. Depois da controvérsia sobre o tributo a César (Mt 22,15-22) e da controvérsia sobre a ressurreição dos mortos (Mt 22,23-33), chega agora a controvérsia sobre o maior mandamento da Lei (Mt 22,34-40). É esta última que o Evangelho de hoje nos apresenta…

Maior mandamento – Ao perguntar a Jesus qual é o maior mandamento da Lei, os fariseus procuram demonstrar que Jesus não sabe interpretar a Lei e que, portanto, não é digno de crédito. Para testá-lo perguntam: "Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?". Jesus responde: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento e amarás teu próximo como a ti mesmo”. Vamos refletir sobre este texto.

Argumentos – O Evangelho deste domingo leva-nos, outra vez, a Jerusalém, ao encontro dos últimos dias de Jesus. Os líderes judaicos já fizeram a sua escolha e têm ideias definidas acerca da proposta de Jesus: é uma proposta que não vem de Deus e que deve ser rejeitada… Jesus, por sua vez, deve ser denunciado, julgado e condenado de forma exemplar. Para conseguir concretizar esse objetivo, os responsáveis judaicos procuram argumentos de acusação contra Jesus.

Ambiente – É neste ambiente que Mateus situa três controvérsias entre Jesus e os fariseus: o tributo a César (Mt 22,15-22) a ressurreição dos mortos (Mt 22,23-33) e o maior mandamento da Lei (Mt 22,34-40), Evangelho deste domingo.

613 preceitos – A questão do maior mandamento da Lei não era uma questão pacífica e era, no tempo de Jesus, objeto de debates intermináveis entre os fariseus e os doutores da Lei. A preocupação em atualizar a Lei, de forma a que ela respondesse a todas as questões que a vida do dia a dia punha, tinha levado os doutores da Lei a deduzir um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 eram proibições e 248 ações a pôr em prática. Esta “multiplicação” dos preceitos legais lançava, evidentemente, a questão das prioridades: todos os preceitos têm a mesma importância, ou há algum que é mais importante do que os outros? É esta a questão que é posta a Jesus.

Além dos mandamentos – A resposta de Jesus, no entanto, supera o horizonte estreito da pergunta e vai muito mais além, situando-se ao nível das opções profundas que o homem deve fazer… O importante, na perspectiva de Jesus, não é definir qual o mandamento mais importante, mas encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de Jesus, essa raiz gira à volta de duas coordenadas: o amor a Deus e o amor ao próximo. A Lei e os Profetas são apenas comentários a estes dois mandamentos.

A Lei e os Profetas – Os cristãos de Mateus usavam a expressão “a Lei e os Profetas” para se referirem aos livros inspirados do Antigo Testamento, que apresentavam a revelação de Deus (Mt 5,17; 7,12). Dizer, portanto, que “nestes dois mandamentos se resumem a Lei e os Profetas” (vers. 40), significa que eles encerram toda a revelação de Deus, que eles contêm a totalidade da proposta de Deus para os homens.

Deuteronômio + Levítico – Jesus une os textos de Dt 6,5 (amor a Deus) e Lv 19,18 (amor ao próximo)… Aproxima os ensinamentos pondo-os em perfeito paralelo e, ao mesmo tempo, simplifica e concentra toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos.

Mesma moeda – Assim, na perspectiva de Jesus, “amor a Deus” e “amor aos irmãos” estão intimamente associados. Não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda. “Amar a Deus” é cumprir o seu projeto de amor, que se concretiza na solidariedade, na partilha, no serviço, no dom da vida aos irmãos.


VOCÊ FICOU IMPRESSIONADO com os 613 preceitos judaicos existentes no tempo de Jesus? Podemos lhe enviar os 365 negativos (proibições) e os 248 negativos (ações). Solicite por E-mail.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus



No Evangelho das missas deste domingo, Mateus (22,15-21) descreve mais uma discussão entre Jesus e os fariseus.

Pegadinha – Os fariseus se reuniram para criar uma maneira de surpreender Jesus. Foram até Ele e perguntaram se era correto pagar o tributo a César (o Imperador de Roma). Percebendo a malícia, Jesus pediu que lhe mostrassem a moeda. Ao apresentarem uma moeda de um denário, perguntou: “De quem é esta imagem e esta inscrição?” Ao lhe responderem que era de César, Jesus disse: “Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

O texto – Com esse texto, entramos em um bloco de quatro unidades, que apresentam diversas controvérsias entre Jesus e lideranças judaicas diferentes: os fariseus, os herodianos e os saduceus. A discussão do trecho deste domingo talvez seja a mais conhecida, mas muitas vezes tem sido interpretada de maneira errada, projetando sobre Jesus os nossos preconceitos políticos e sociais.

Herodianos – É necessário entender que não se tratava de uma pergunta sincera feita a Jesus, mas, de uma armadilha preparada por membros de dois grupos politicamente opostos e antagônicos: os herodianos (submissos à dominação romana) e os fariseus (muitos dos quais olhavam os herodianos como impuros, pela sua colaboração com o poder estrangeiro).

Cilada – Se Jesus respondesse que era lícito pagar o imposto, correria o risco de ser apresentado pelos fariseus como um opressor do povo. Se Ele negasse, poderia ser denunciado pelos herodianos como subversivo político. Era uma situação semelhante àquela que aparece em João 8, 1-11 (a mulher adúltera), pois qualquer resposta deixaria Jesus em maus lençóis. Como naquela ocasião, Jesus se mostrou verdadeiro Mestre, escapando da cilada e, ainda por cima, oferecendo um ensinamento importante.

A Moeda – Primeiro Ele deixa claro que entendeu a “jogada”: “Hipócritas, por que me armais uma cilada?” Depois, coloca os seus interlocutores contra a parede, pedindo uma moeda do imposto e perguntando: “De quem são esta efígie e esta inscrição?” A inscrição seria “Tibério César Filho do Divino Augusto, Sumo Pontífice” - demonstrando as pretensões de divinização do Império Romano. Com a resposta: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, Jesus joga para os seus ouvintes uma questão essencial: o que é que pertence a César e o que é que pertence a Deus?

Império – A divindade pertence a Deus, não ao Império Romano nem a César. Assim, Ele evita confirmar o projeto nacionalista violento de muitos judeus da sua época e condena também qualquer projeto que divinizasse o poder civil. Uma advertência muito atual para os nossos dias, quando o único poder imperial hegemônico (muito semelhante à situação do Império Romano do tempo de Jesus) reivindica para si o direito de impor as suas decisões sobre todas as nações, taxando de “terrorista” quem discorda da sua dominação ideológica, econômica e militar. O poder civil existe para cuidar do povo – que é de Deus – e não para explorá-lo. Desta forma, Jesus nega as aspirações imperialistas e, evitando uma resposta direta à pergunta, enfatiza e relativiza todo e qualquer poder, pois o verdadeiro poder só pertence a Deus.

Neoliberalismo – Nos nossos dias, ainda existem poderes com as mesmas aspirações dos romanos. Embora não digam abertamente, os defensores do neoliberalismo desenfreado divinizam um sistema ganancioso que só visa o lucro e explora o povo sofrido. As palavras de Jesus nos lembram de que nenhum cristão pode compactuar com qualquer sistema – seja político, econômico ou religioso – que atribua a si o que pertence a Deus.


Dualismo – O texto de forma alguma justifica um dualismo entre o espiritual (de Deus) e o material (de César). Pelo contrário, mostra que o poder político, econômico e religioso deve estar a serviço do bem comum, pois, se não for assim, está roubando o que é de Deus: o seu povo. Não se pode entregar às garras de um poder opressor, seja ele estrangeiro ou nacional, o que pertence ao Pai. O poder é legítimo quando está a serviço da vida e do bem-estar comum; é ilegítimo quando está a serviço somente de uns poucos privilegiados. “Dar a Deus o que é de Deus” não se resume em rituais religiosos; refere-se à construção de uma sociedade solidária, justa e fraterna, na qual todos possam “ter a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). À medida que lutamos por esse objetivo, estamos dando “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Vinde ao banquete nupcial


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 22,1-14), o evangelista Mateus apresenta a parábola dos convidados para o banquete nupcial: um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. Mandou chamar os convidados, mas eles não quiseram vir. Chamou todas as pessoas que encontrou, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados. Ao entrar na sala, o rei viu um homem que não estava vestido com o traje nupcial e mandou retira-lo da festa. No final conclui: “Na verdade, muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos”.

Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa OFM, pregador da Casa Pontifícia, ao Evangelho do próximo domingo.

O que é importante? É instrutivo observar quais são os motivos pelos quais os convidados da parábola rejeitaram participar do banquete. O evangelista Mateus diz que eles “não fizeram caso” do convite e “se foram um para seu campo, outro para seus negócios”. O Evangelho de Lucas, sobre este ponto, é mais detalhado e apresenta assim as motivações da rejeição: “Comprei um campo e tenho de ir vê-lo... Comprei cinco juntas de bois e vou aprová-las... Casei-me, e por isso não posso ir” (Lc 14, 18-20). Que têm em comum estes personagens? Os três têm algo urgente a fazer, algo que não pode esperar, que reclama imediatamente sua presença. E que representa o banquete nupcial? Este indica os bens messiânicos, a participação na salvação trazida por Cristo, portanto a possibilidade de viver eternamente. O banquete representa, pois, o importante na vida, mais ainda, o único essencial. Está claro então em que consiste o erro cometido pelos convidados; está em deixar o importante pelo urgente, o essencial pelo contingente!

Isto é um risco tão difundido e insidioso, não só no plano religioso, mas também no puramente humano, que vale a pena refletir sobre isso um pouco. Antes de tudo no plano religioso. Deixar o importante pelo urgente significa adiar o cumprimento dos deveres religiosos porque cada vez se apresenta algo urgente que fazer. É domingo e é hora de ir à Missa, mas tem-se que fazer aquela visita, aquele trabalho no jardim, e tem-se que preparar a comida. A liturgia dominical pode esperar, a comida não; então se adia a Missa.

Disse que o perigo de omitir o importante pelo urgente está presente igualmente no âmbito humano, na vida de todos os dias, e queria aludir também a isto. Para um homem é certamente importante dedicar tempo à família, estar com os filhos, dialogar com eles se são maiores, brincar com eles se são pequenos. Mas no último momento se apresentam sempre coisas urgentes que despachar no escritório, extras para fazer no trabalho, e se prorroga para outra ocasião, acabando por regressar à casa demasiado tarde e demasiado cansado para pensar em outra coisa.

Para um homem e uma mulher é uma obrigação moral ir cada tanto visitar o ancião progenitor que vive só em casa ou em uma residência. Para alguns é importante visitar um conhecido enfermo para mostrar-lhe o próprio apoio e talvez fazer-lhe algum serviço prático. Mas é urgente, se se prorroga aparentemente o mundo não cai, ou melhor ninguém se dá conta. E assim se adia.

O mesmo se faz no cuidado da própria saúde, que também está entre as coisas importantes. O médico, ou simplesmente o físico, adverte que deve cuidar-se, tomar um período de descanso, evitar aquele tipo de estresse... Responde-se sim, sim, o farei sem falta, quando eu terminar esse trabalho, quando tiver arrumado a casa, quando tiver liquidado todas as dívidas... Até que se perceba que é tarde demais.


Eis aqui onde está a insídia: passa-se a vida perseguindo os mil pequenos afazeres que há que despachar e não se encontra tempo para as coisas que incidem de verdade nas relações humanas e que podem dar a verdadeira alegria (e descuidam-se, a verdadeira tristeza) na vida. Assim, vemos como o Evangelho, indiretamente, é também escola de vida; ensina-nos a estabelecer prioridades, a tender ao essencial. Em uma palavra: a não perder o importante pelo urgente, como sucedeu aos convidados de nossa parábola.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O Reino de Deus será entregue a uma nação que produzirá seus frutos


No Evangelho das missas deste domingo (Mateus 21,33-43), Jesus reuniu os sacerdotes e anciãos do povo e contou a parábola da vinha:

Parábola – “Um proprietário plantou uma vinha, arrendou-a a vinhateiros e viajou para o estrangeiro. Quando chegou o tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos vinhateiros para receber seus frutos, que foram espancados e mortos. O proprietário mandou mais empregados, que foram mortos da mesma forma. Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu filho (herdeiro), que também foi morto.

Pergunta – Pois bem, quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros? Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: ‘Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo’. Então Jesus lhes disse: ‘Por isso, eu vos digo: o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos’.”

Julgamento final – A parábola de hoje é a segunda numa série de três, referentes ao julgamento final de Deus sobre o seu povo (na semana passada tivemos a parábola dos dois irmãos e, no próximo domingo, a da festa de casamento).

O texto – Com certeza, o texto que lemos nas bíblias atuais é resultado de uma longa história de transmissão oral e redação. Da boca de Jesus, a história visava à sorte da Vinha, terminando no versículo 41; a transmissão oral pré-sinótica concentrou a atenção na sorte do Filho, acrescentando os versículos 42, 43 e 44, tirados do Salmo 117; finalmente, Mateus transforma a parábola numa alegoria da História da Salvação: deixa claro que o advento do novo povo (versículo 41) está ligado ao destino Daquele que fala e que deve ser condenado e morto, para depois ressuscitar.

Alegoria – "Os mensageiros" são os profetas que foram mortos pelo povo de Israel, culminando com Jesus, como o Filho. "O Reino" provavelmente se refere à promessa da benção em plenitude, dos últimos tempos. "O Povo" se refere à Igreja, no caso de Mateus composta principalmente de judeu-cristãos, mas também de gentios convertidos, que juntos formam o Novo Povo de Deus, o verdadeiro Israel. Essa conclusão do versículo 43 é a principal contribuição de Mateus à interpretação da parábola, e é mais suave do que a própria parábola, pois os maus vinhateiros não serão destruídos, mas perderão a promessa.

Promessa – Como o texto de Mateus foi escrito num contexto de polêmica entre a sua comunidade e o judaísmo formativo do fim do primeiro século, ele queria ensinar para a sua comunidade que a promessa antiga feita ao Povo de Deus foi retirada das autoridades farisaicas e das suas comunidades, e dada à comunidade da Igreja.


Frutos – Mas isso não nos dá motivo para comodismo. Como o povo original perdeu a promessa porque "não deu fruto" também a Igreja não a possui de modo incondicional. Também as comunidades cristãs têm que "dar fruto"- os frutos de justiça, fraternidade, solidariedade e partilha. A História da Salvação nos mostra que Deus não se deixa manipular, nem permite que qualquer comunidade ou religião se torne "dona" Dele, e que o seu verdadeiro povo é aquele que se dedica à construção dos valores do Reino de Deus. O texto convida a um sério exame e revisão das nossas práticas e estruturas eclesiais e eclesiásticas, para que a nossa Igreja cristã não chegue a merecer o destino dos vinhateiros, que por não terem correspondido à Aliança, viram a promessa retirada deles e dada a outro povo "que produzirá os seus frutos" (v43).