sábado, 10 de novembro de 2018

A oferta da viúva





O Evangelho deste domingo (Mc 12,38-44) situa-nos em Jerusalém, nos dias que antecedem a prisão, julgamento e morte de Jesus. Estamos na segunda ou terça-feira (dia 3 ou 4 de abril do ano 30). Na próxima sexta-feira (dia 7 de abril) Jesus será preso, condenado, crucificado e morrerá na cruz. No domingo (dia 9 de abril) ressuscitará.

Cenário – Por esta altura, agravam-se as polêmicas de Jesus com os representantes do Judaísmo oficial. A cada passo fica mais claro que o projeto do Reino (proposto por Jesus) é incompatível com a visão religiosa dos líderes judaicos. Num ambiente carregado de dramatismo, adivinha-se o inevitável choque decisivo entre Jesus e a instituição judaica e prepara-se o cenário da Cruz.

Figueira seca – Jesus tem consciência de que os líderes da comunidade judaica tinham transformado a religião de Moisés – com os seus ritos, exigências legais, proibições e obrigações – numa proposta vazia e estéril. Mal servida e manipulada pelos seus líderes religiosos, a comunidade judaica tinha-se transformado numa figueira seca (Mc 11,12-14. 20-26), onde Deus não encontrava os frutos que esperava (o culto verdadeiro e sincero, o amor, a justiça, a misericórdia).

O próprio Templo – o espaço onde se desenrolavam abundantes ritos cultuais e suntuosas cerimônias litúrgicas – tinha deixado de ser o lugar do encontro de Deus com a comunidade israelita e tinha-se tornado um lugar de exploração e de injustiça, “um covil de ladrões” (Mc 11,15-19).

Teatro – Jesus tem presente tudo isto quando ensina nos átrios do Templo, rodeado pelos discípulos. À sua volta desenrola-se esse folclore religioso, feito de ritos externos, de grandes gestos teatrais, frequentemente vazios de conteúdo. Os “doutores da Lei” (fariseus e escribas) são mais um elemento no quadro desse culto de mentira que Jesus tem diante dos olhos.

Viúva – Em contraponto, Jesus repara no “átrio das mulheres”, onde uma viúva deposita, no tesouro do Templo, a sua humilde oferta (dons voluntários eram feitos com frequência, tendo por finalidade, por exemplo, cumprir votos). As viúvas, no ambiente palestino de então (sobretudo quando não tinham filhos que as protegessem e alimentassem), eram o modelo clássico do pobre, do explorado, do débil.

Verdadeiro culto – Jesus convida os discípulos a perceber a essência do verdadeiro culto, da verdadeira atitude religiosa. Em profundo contraste com o quadro dos doutores da Lei, Jesus aponta aos discípulos a figura de uma pobre viúva, que se aproxima de um dos treze recipientes situados no átrio do Templo, onde se depositavam as ofertas para o tesouro do Templo.

Insignificante – A mulher deposita duas simples moedas (dois “leptá”, diz o texto grego. O “leptá” era uma moeda de cobre, a menor e insignificante das moedas judaicas); contudo, aquela quantia insignificante era tudo o que a mulher possuía. Ninguém, exceto Jesus, repara nela ou manifesta admiração pelo seu gesto. Apenas Jesus – que lê os fatos com os olhos de Deus e sabe ver para além das aparências – percebe naquelas duas insignificantes moedas oferecidas a marca de um dom total, de um completo despojamento, de uma entrega radical e sem medida.

O encontro com Deus passa por gestos simples e humildes, que podem passar completamente despercebidos, mas que são sinceros, verdadeiros, e expressam a entrega generosa e o compromisso total. O verdadeiro crente não é o que cultiva gestos teatrais e espampanantes, que impressionam as multidões e que são aplaudidos pelos homens; mas é o que aceita despojar-se de tudo, prescindir dos seus interesses e projetos pessoais, para se entregar completa e gratuitamente nas mãos de Deus, com humildade, generosidade, total confiança, amor verdadeiro. É este o exemplo que os discípulos de Jesus devem imitar; é esse o culto verdadeiro que eles devem prestar a Deus.

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