terça-feira, 29 de janeiro de 2019

“Hoje se cumpriu a Escritura”



O Evangelho deste domingo (Lc 1,1-4; 4,14-21) relata a primeira experiência da vida pública de Jesus. Aconteceu em maio/junho do ano 28 d.C., na cidade de Nazaré, onde Jesus foi criado. Jesus iniciava a sua vida pública com 34 anos de idade. Em dois anos, ele fará toda a sua pregação, sendo crucificado e morto em abril do ano 30.

Sinagoga – Era um sábado e Jesus foi à sinagoga para participar do culto semanal. O culto de então consistia do canto de um salmo, a recitação do Shema Israel e as Dezoito Bênçãos, uma primeira leitura do Torá e uma segunda dos Profetas, uma homilia sobre as leituras, a benção do presidente da assembléia e a benção sacerdotal de Nm 6,24-27. Segundo muitas autoridades, a primeira leitura era prescrita, a segunda à escolha do leitor. Qualquer judeu adulto (masculino) podia tomar a palavra, mas as autoridades sinagogais habitualmente confiavam esta incumbência aos que eram considerados versados nas escrituras. Jesus foi convidado a fazer a segunda leitura.

Isaías – Jesus buscou a passagem do livro de Isaías. A citação de Lucas não é exatamente como está no Antigo Testamento, mas uma combinação de Is 61,1-2 e 58.6, omitindo 61,1c e 61,2b-3a. Nós, cristãos, discípulos de Jesus e continuadores da sua missão no mundo atual, temos aqui os elementos essenciais para a vivência da nossa vocação. Olhemos esses elementos:

a) "Anunciar a Boa-Notícia aos pobres" – O Evangelho é "Boa Notícia"- não uma série de leis, nem uma lista de práticas rituais, mas uma experiência de Deus que traz alegria, felicidade – para os pobres!

b) "Proclamar a libertação aos presos" – Não somente aos presos da cadeia, mas aos que estão sem a liberdade dos filhos de Deus – presos pelas conseqüências trágicas do desemprego, do salário mínimo; presos pelas correntes de racismo, machismo, clericalismo e todos os "ismos" que oprimem!

c) "Aos cegos a recuperação da vista" – Quanta gente cega hoje! Não só por problemas de vista, mas cegas por não verem a realidade do mundo e dos pobres; tornadas cegas pelas falsas utopias da televisão – que cria um mundo de fantasia, totalmente alienante –; pela manipulação de informação pelos meios de comunicação, controlados pelas elites; pelo incentivo ao consumo, que induz a ter sempre mais, especialmente aqueles que carecem de um senso crítico mais apurado.

d) "Libertar os oprimidos" – Essa frase evoca o eixo fundamental da Bíblia – o Êxodo, como processo permanente de libertação. No livro do Êxodo, Deus se identificou como o Deus que liberta os oprimidos (Ex 3,7-10). E Jesus se coloca – e coloca todos os seus seguidores – neste mesmo compromisso. Hoje a época é diferente, mas a opressão continua, e Deus nos convoca para que todos nos empenhemos nesta luta permanente de concretizar a libertação dos oprimidos.

e) "Proclamar o Ano de Graça do Senhor" – O Ano de Graça – o Ano Jubilar! Memória da proposta de Lev. 25, o ano do perdão das dívidas, da libertação dos escravos, da devolução das terras aos seus donos originais! Um ano de alegria e graça, especialmente para o povo pobre e oprimido! Júbilo e alegria, não podem ser decretados – têm que brotar de algum motivo profundo: o crescimento real da vivência do Reino de Deus entre nós, através de mudanças reais nas estruturas e relacionamentos, no nível pessoal, social, familiar e eclesial.

Hoje – Hoje continua o desafio de deixar bem claro o que significa para nós, no lugar onde nos achamos, "pregar a Boa Notícia aos pobres", "libertar os presos", "recuperar a vista dos cegos", "libertar os oprimidos" e "pregar o Ano da Graça do Senhor". E nós podemos enfrentar esse desafio com coragem, pois, como Jesus, todos nós fomos "consagrados com a unção", para esta missão e o Espírito que sustentou Jesus na sua missão não falhará no sustento de quem realmente se lança no seguimento de Jesus, para que o Reino de Deus se realize entre nós.

sábado, 19 de janeiro de 2019

A vida oculta de Jesus



Os Evangelhos relatam os acontecimentos do nascimento de Jesus (ano 7 a.C.) e os 30 meses de sua pregação (entre os anos 27 de 30). Existe uma lacuna de mais de 30 anos sem qualquer informação. Um único fato é citado por Lucas, que descreve uma visita ao Templo, quando Jesus tinha 12 anos (Lc 2, 41s), e se perdeu em Jerusalém durante a festa da Páscoa. O que Jesus fez durante esses 30 anos? Por que os Evangelhos guardam silêncio sobre esta etapa de sua vida?

Lendas – Este inigmático silêncio sobre a juventude de Jesus fez muitas pessoas inventarem histórias incríveis: alguns afirmam que esteve na Inglaterra acompanhado de seu tio-avô, José de Arimatéia, onde aprendeu a religião dos Celtas; outros sustentam que foi até a Índia, onde os grandes Budas lhe ensinaram a ler, curar enfermos e realizar exorcismos; outros afirmam que esteve no Egito, aprendendo os segredos dos Faraós, onde recebeu uma energia misteriosa das pirâmides; existem até os mais ingênuos que pensam que Jesus chegou até a América e conheceu a sabedoria oculta dos índios pele-vermelhas.

Em Nazaré – Se nos concentrarmos nos Evangelhos, devemos concluir que Jesus não saiu de Nazaré durante todos estes anos. Viveu ali, em seu círculo familiar, amadurecendo, como faziam outros filhos de judeus de seu tempo. Isto é confirmado pelo Evangelho de Marcos, quando relata a primeira vez que Jesus foi à sinagoga, causando admiração entre os galileus: ”Não é ele o carpinteiro, filho de Maria?” A vida de Jesus deve ter se transcorrido de maneira tão normal, que no dia em que se apresentou em público com uma sabedoria fora do comum, as pessoas de Nazaré se surpreenderam. Para aquelas pessoas ele era “o carpinteiro”, “o filho de Maria”.

O nome – Conforme a tradição judaica, no oitavo dia do nascimento (Gen 17,12), os pais devem indicar o nome do filho. José e Maria puseram o nome de Yehoshúa, que em hebraico é o mesmo que Josué, que significa Deus salva. Na Palestina, esse nome era pronunciado de forma abreviada como Yeshúa. Pelo sotaque da Galiléia, onde vivia a Sagrada Família, o nome era abreviado ainda mais para Yeshú. Por isso, os primeiros cristãos de origem grega traduziram mais tarde como Jesus. O nome Jesus era um dos mais comuns no primeiro século. Nos livros do escritor Flávio Josefo (primeiro século) existe mais de 20 pessoas com o nome “Jesus”. O nome de Jesus foi escolhido por indicação do anjo em Mt 1,21.

Sabia ler e escrever? – Existem três episódios que mostram Jesus lendo ou escrevendo: na história da mulher adúltera, quando ele escreve na areia (Jo 8,6); quando ele se apresenta na sinagoga de Nazaré e lê um livro do profeta Isaías (Lc 4,17); o terceiro quando os judeus lhe dizem: “Como sabe a escritura sem ter estudado?” (Jo 7,15).

Os ciclos de estudo – Existiam dois ciclos básicos de estudos, normalmente em uma escola junto à sinagoga. O primeiro durava cinco anos. Aprendiam as letras do alfabeto hebraico e logo se iniciavam na leitura da Bíblia. Depois passavam para os outros livros, repetindo-os até decorarem.  Pela Bíblia, os alunos estudavam a língua, a gramática, a História e a Geografia. O segundo ciclo durava dois anos, e nele se aprendia os conhecimentos da “lei oral” judia (Mishná), ou seja, as interpretações das Leis bíblicas. Jesus deve ter recebido a formação destes dois primeiros ciclos, mas não parece ter freqüentado o ciclo superior (em Jerusalém). Os comentários dos judeus em Jo 7,15 parecem confirmar isso.

Carpinteiro – Sabemos que todo pai de família judeu procurava dar a seu filho uma profissão. “O que não ensina um ofício a seu filho, lhe ensina a roubar” diziam os rabinos. Da mesma forma, os pais de Jesus lhe ensinaram a profissão de carpinteiro, transcrito de forma clara por Marcos (Mc 6,3): “Não é ele o carpinteiro?” Mesmo com esta indicação do evangelista, existem muitos estudiosos que têm dúvidas sobre a profissão de Jesus.

Vida oculta – A vida oculta de Jesus não teve nada de extraordinário nem prodigioso como contam as lendas. Foi numa atmosfera simples e familiar, própria dos povoados da Galiléia, onde Jesus cresceu, amadureceu e descobriu a vida. Este foi o clima que Jesus respirou e assimilou durante 30 anos.

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sábado, 12 de janeiro de 2019

O Batismo de Jesus





No primeiro domingo depois da Epifania, celebra-se tradicionalmente a Festa do Batismo do Senhor. Assim, o Evangelho (Lc 3, 15-22) apresenta o encontro entre Jesus e João Batista, nas margens do rio Jordão.

Problema – O batismo de Jesus no Rio Jordão é tão importante teologicamente, que é tratado por cada um dos quatro evangelistas de maneira diferente, de acordo com a situação de suas comunidades e dos seus interesses teológicos. A narração do batizado de Jesus logo se tornou um problema para os primeiros cristãos, pois levantava a questão de como Jesus, sem pecado, podia ter sido batizado num ritual de purificação dos pecados.

O batismo nos evangelhos – Por isso, Mateus deixa de fora a referência que Marcos (1, 4) faz ao perdão dos pecados (“E foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados”) e adiciona os versículos 14 e 15 (“João procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim?’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘Por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou.”). Para o evangelista João, o batismo era tão difícil de ser harmonizado com a sua cristologia, que omite qualquer referência ao batismo e, no seu lugar, faz com que João Batista aponte Jesus como o "Cordeiro de Deus" (Jo 1, 29-34).

Situação política, social e religiosa da época – No primeiro século da era cristã, a religião judaica havia caído num profundo desinteresse, num profundo estado de abatimento moral e físico das pessoas. A situação política opressora, que reinava no país, com o domínio do Império Romano; a espera por um Salvador que não chegava nunca; a vida escandalosa da classe governante e a degradação dos sacerdotes do Templo (mais preocupados com seus próprios interesses) foi esfriando a devoção das pessoas e desanimando a prática religiosa.

O clamor do deserto – Frente a este panorama, surge João (filho único de Zacarias, sacerdote do Templo), um homem que buscou injetar novas forças ao judaísmo decadente. Com sua linguagem implacável e dureza insensível para um pregador, passou a convocar as pessoas para uma mudança de vida. Dizia que o juízo de Deus era iminente e que, em muito pouco tempo, Deus iria castigar com fogo todos os que não se arrependessem de seus pecados (Mt 3,7).

Deserto com água – As pessoas vinham de todas as regiões para escutar suas pregações e ficavam impressionadas. A todos que aceitavam seus ensinamentos e buscavam uma mudança de vida, João pedia como sinal de arrependimento um banho exterior: o batismo, que ele pessoalmente ministrava no rio Jordão.

No Jordão – Toda a pregação de João se desenvolvia junto ao rio Jordão, o que lhe permitia as cerimônias com água. Mas não tinha um lugar fixo. Às vezes se instalava num braço do rio, próximo ao vilarejo de Betânia, na província da Peréia (Jo 1,28). Outras vezes, mais ao norte, em Enon, próximo a Salim, na Samaria (Jo 3,22). O Evangelho de Lucas afirma que João pregava em toda região do rio Jordão (Lc 3,3), em busca de ouvintes para proclamar sua mensagem e batizar.

Discípulos – Aos poucos, foi se formando ao redor do Batista um pequeno grupo de discípulos que o acompanhava nas sessões batismais (Jo 1, 28.35-37), ajudava nas pregações (Jo 3,23), recebia os ensinamentos mais profundos (Jo 3,26-30), compartilhava sua espiritualidade asceta (Mc 2,18) e a oração (Lc 11.1).

Jesus – No início do ano 27 d.C., Jesus viajou da cidade de Nazaré (na Galiléia) até o vale do rio Jordão, para ver João. Ali, entre as áridas colinas e vales da Judéia, Jesus pôde escutar a mensagem escatológica de João, que podia ser resumida em três idéias: o fim do mundo está próximo; o povo de Israel perdeu seu rumo e pode ser extinto pelo juízo de Deus; é necessário mudar de vida, deixando-se batizar. Jesus aceitou a mensagem de João, como muitos outros judeus, deixando-se batizar (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22).

O novo Mestre – Os Evangelhos descrevem que alguns discípulos de João Batista (André e outro, que se deduz ser Felipe) reconheceram Jesus como Mestre e passaram a segui-Lo (Jo 1,35-37). Logo, esses dois discípulos convidaram outros dois (Pedro e Natanael) para que eles se juntassem ao novo mestre.  Assim, Jesus formou o seu grupo de discípulos, indo para a província da Judéia, onde também batizava (Jo 3,22).

Jesus e João – Os Evangelhos mostram que Jesus integrou o grupo de João Batista, convivendo algum tempo com ele (não se sabe quanto). Depois, como Mestre, passou a empreender seu próprio ministério, com uma metodologia própria, que diferenciava em três pontos de João Batista: não anunciava o castigo iminente de Deus, mas a Sua misericórdia e amor; não permanecia no deserto, mas percorria os povoados e aldeias de toda a Palestina; não jejuava nem fazia abstinência de bebidas, mas comia e bebia com os pecadores.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Magos: verdades e lendas



Evangelho – O Evangelho de Mateus (Mt 1,1) cita que Jesus foi visitado por “alguns magos”.  Descreve que eles foram guiados por uma estrela e que entregaram três presentes para o menino Jesus: ouro, incenso e mirra.  Estas são as únicas informações que temos sobre os magos; tudo o que aparece, além disso, são histórias, tradições, lendas, fábulas.  Vamos ver algumas:

Os três reis magos – No segundo século da era cristã, as comunidades cristãs já diziam que os magos eram reis e eram em número de três. Isto em razão dos presentes recebidos por Jesus: apenas os reis presenteavam com ouro e os três presentes davam a entender que eram três pessoas.  Apareceram também os nomes dos magos: Baltazar (que significa ‘rei da luz’), Melchior (‘protetor de reis’) e Gaspar (‘vencedor de tudo’).  A única evidência histórica que existe nestes nomes é que, na Pérsia (lugar onde havia muitos magos), entre os anos 19 e 65 da era cristã, viveu um príncipe de nome Gundofarr (que apresenta alguma semelhança a Gaspar).
Mais lendas – Passaram-se mais alguns séculos e criaram a descrição física dos magos. Melquior era velho, ponderado, prudente, sisudo, de barba e cabelos longos e grisalhos; Gaspar era jovem, sem barba e louro; Baltazar era negro e totalmente barbado. A ideia da procedência persa dos magos influenciou até as roupas com que aparecem representados: chapéu redondo na cabeça, camisa curta presa por um cinturão, calças estreitas e uma capa por cima. Exatamente como os reis persas se vestiam.
Restos mortais – De acordo com uma tradição medieval, os magos teriam se reencontrado quase 50 anos depois do primeiro Natal, em Sewa, uma cidade da Turquia, aonde viriam a falecer. No ano de 474, os restos mortais dos três magos foram sepultados em Constantinopla e depois transferidos para Milão, na Itália. Em 1164 foram transferidos para a cidade de Colônia, na Alemanha, onde foi erguida a belíssima Catedral dos Reis Magos, que os guarda até hoje.

A Lenda do Quarto Rei Mago – Uma antiga história conta que existia um quarto rei mago, que se chamava Artabam. Os quatro venderam tudo o que tinham e compraram os presentes. Artabam escolheu, como presentes, pedras preciosas: um rubi, uma esmeralda e diamantes. Quando estava a caminho de Belém, escutou gemidos de um homem – assaltado e largado à beira do caminho. Comovido, colocou-o no seu camelo, o levou a uma pousada próxima, cuidando dele até que se recuperasse. Como pagamento entregou o rubi ao dono da pousada.

Sozinho – Procurou a trilha dos outros reis magos, mas a estrela já tinha desaparecido do céu. Continuou sozinho seu caminho, pois no fundo do coração, sabia que algum dia iria encontrar seu Rei. A certa altura da caminhada, avistou uma caravana vindo em sua direção e viu que se tratava de um comboio de escravos, que eram levados para a morte. Sentindo compaixão e amor, pegou a esmeralda e os diamantes e comprou os escravos, libertando-os em seguida.  Quando todos já haviam partido, Artabam ficou sozinho.

Encontro – O Sol se pôs e a escuridão tomou conta do deserto. Não tinha mais presentes para oferecer, não havia mais a estrela-guia, tinha perdido o contato com seus três amigos. Nunca desistiu de encontrar o seu Rei.  Um dia, passando próximo à Jerusalém, encontrou três homens crucificados.  Um deles lhe perguntou o que procurava.  Artabam respondeu que há mais de 30 anos buscava o Rei dos Judeus.  O homem lhe disse: “Pois acaba de encontrar!”.