segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Pedro e a cátedra do primeiro Papa

  

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 16,13-19), Pedro reconhece Jesus como Messias, é proclamado como base (pedra fundamental) da Igreja e recebe as chaves do Reino dos Céus.

 Época – Mateus escreve na década de 80, quando os discípulos de Jesus oriundos do judaísmo estavam sendo expulsos das sinagogas e os cristãos começavam a estruturar-se em uma instituição religiosa própria, na qual a figura de referência era Pedro, já martirizado em Roma. Pedro era lembrado pelo seu testemunho corajoso diante da perseguição do Império Romano.

 O que é cátedra? A “cátedra” quer dizer a sede fixa do bispo, colocada na igreja matriz de uma diocese, que por este motivo é chamada “catedral”. É o símbolo da autoridade do bispo e de seu “magistério” (ensinamento evangélico transmitido à comunidade cristã) como sucessor dos apóstolos. Quando o bispo toma posse da Igreja particular que lhe foi confiada, com a mitra e o báculo, senta-se em sua cátedra. Dessa sede guiará, como mestre e pastor, o caminho dos fiéis, na fé, na esperança e na caridade!

 Qual foi a “cátedra” de São Pedro? Ele foi escolhido por Cristo como “rocha” sobre a qual edificaria a Igreja (Mt 6,18) e começou seu ministério em Jerusalém, depois da Ascensão do Senhor e de Pentecostes. A primeira “sede” da Igreja foi o Cenáculo e é provável que naquela sala (onde estava presente Maria Santíssima), se reservasse um posto especial a Simão Pedro. Depois, a sede de Pedro foi Antioquia (na Síria, hoje Turquia), cidade evangelizada por Barnabé e Paulo. Nela, “pela primeira vez os discípulos receberam o nome de ‘cristãos’” e Pedro foi o primeiro bispo. De Antioquia a Providência levou Pedro a Roma.

 Caminho – Portanto, de Jerusalém (Igreja nascente), Pedro passa pela Antioquia (primeiro centro da Igreja que agrupava pagãos e judeus), chegando a Roma, centro do Império, onde concluiu com o martírio sua carreira ao serviço do Evangelho. Por este motivo, a sede de Roma, que havia recebido a maior honra, recebeu também a tarefa confiada por Cristo a Pedro, de estar ao serviço de todas as Igrejas particulares, para a edificação e a unidade de todo o Povo de Deus.

 Roma – A sede de Roma, depois destas migrações de São Pedro, foi reconhecida como a sede do sucessor de Pedro e a “cátedra” de seu bispo representou a do apóstolo encarregado por Cristo de apascentar todo seu rebanho. Testificam isso os mais antigos Padres da Igreja, como Santo Irineu, Tertuliano e São Jerônimo.

 Santo Irineu – Irenaeus (130 a 202, bispo de Lyon), em seu livro “Contra as heresias” (ano 180), descreve a Igreja de Roma como a “maior e mais antiga, conhecida por todos, fundada e constituída em Roma pelos dois gloriosos apóstolos Pedro e Paulo”, e acrescenta: “Com esta Igreja, por sua exímia superioridade, deve estar em acordo a Igreja universal, ou seja, os fiéis que estão por toda parte”.

 Tertuliano – Tertuliano (160 a 220) foi um dos maiores escritores cristãos. No livro “Prescrições contra todas as heresias”, afirma: “Esta Igreja de Roma é bem-aventurada! Os apóstolos derramaram nela, com seu sangue, toda a doutrina”. A cátedra do bispo de Roma representa, portanto, não só seu serviço à comunidade romana, mas também sua missão de guia de todo o Povo de Deus.

 São Jerônimo – São Jerônimo (347 a 420), doutor da Igreja, fez a tradução da Bíblia para o latim. Em seu livro “As Cartas”, dá um testemunho particularmente interessante, porque menciona explicitamente a “cátedra” de Pedro, apresentando-a como porto seguro de verdade e de paz. Assim escreve: “Decidi consultar a cátedra de Pedro, onde se encontra essa fé que a boca de um apóstolo exaltou; venho agora pedir alimento para minha alma ali, onde recebi a veste de Cristo. Não sigo outro primado senão o de Cristo; por isso, ponho-me em comunhão com tua beatitude, ou seja, com a cátedra de Pedro. Sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja”.

 Vaticano – No altar principal da basílica de São Pedro encontra-se o monumento à cátedra do apóstolo Pedro (obra do artista Bernini): é um grande trono de bronze, sustentada pelas estátuas de quatro doutores da Igreja – dois do Ocidente (Santo Agostinho e Santo Ambrósio) e dois do oriente (São João Crisóstomo e Santo Atanásio).

sábado, 19 de agosto de 2023

Como aconteceu a Assunção de Maria?

 

 

Neste domingo a Igreja comemora a Assunção de Maria, conforme o dogma publicado pelo Papa Pio XII (1950): “A Virgem Imaculada, que fora preservada de toda a mancha de culpa original, terminando o curso da sua vida terrena, foi elevada à glória celeste em corpo e alma”.

 

Mistério – Os detalhes da morte, enterro e assunção da Virgem Maria são um dos maiores mistérios do Novo Testamento. A Igreja usa o texto da Carta de São Paulo (1Cor 15, 20-23) e do Apocalipse (Ap 11, 19; 12, 1), para fundamentar o dogma. Nenhuma descrição ou fato histórico é citado. Apresentamos aqui as descobertas mais recentes sobre o assunto:

 

Cronograma – Um cronograma aproximado da vida de Maria seria o seguinte: nasceu no ano 20 a.C., aproximadamente, filha de Ana e Joaquim. No final do ano 7 a.C. (com 13 anos) deu à luz Jesus, na cidade de Belém. Maria assistiu a crucificação e morte de Jesus em abril do ano 30 d.C., com 50 anos de idade. Segundo Hipólito de Tebas (autor bizantino do século VII), a Virgem Maria viveu onze anos após a morte de Jesus, morrendo no ano de 41 d.C. (com 61 anos de idade).

 

João Paulo II – Em catequese, no dia 9 de julho de 1997, o Papa João Paulo II disse que o primeiro testemunho de fé na assunção da Virgem Maria aparece nas histórias apócrifas, intituladas "Transitus Mariae", cujo núcleo original remonta aos séculos II e descreve a morte, o sepultamento, o túmulo e a ascensão de Maria aos Céus. Segundo a palavra do Pontífice este texto reflete uma intuição da fé do povo de Deus.

 

O texto – O autor do “Transitus Mariae” usa o pseudônimo de Melitão. Existiu um Melitão, Bispo de Sardes, no ano de 150, mas não deve ser o mesmo. O autor diz que escutou de São João apóstolo a seguinte história: Maria vivia em sua casa, quando recebeu a visita de um anjo anunciando que, em três dias, seria elevada aos céus. Então ela pediu ao anjo que gostaria que todos os apóstolos estivessem reunidos.

 

Morte – Três dias depois, Maria morreu na presença de todos os apóstolos. Pedro recebeu uma mensagem de Cristo: ele deveria tomar o corpo de Maria e levar à direita da cidade, até o oriente, onde encontraria um sepulcro novo. Ali deveria depositar o corpo de Maria e aguardar um novo aparecimento de Cristo.

 

Enterro – Os apóstolos assim fizeram: colocaram o corpo num caixão, saíram de Jerusalém, à direita da cidade, entraram no Vale de Josafat (ou vale do Cedron), no caminho para o Monte das Oliveiras, depositaram o corpo no sepulcro, fecharam com uma pedra e ficaram esperando.

 

Assunção – Cristo ressuscitado apareceu, saudando a todos: “A paz esteja convosco”. Pedro disse: “Senhor, se possível, parece justo que ressuscite do corpo de sua mãe e a conduza contigo ao Céu”.  Jesus disse: “Tu que não aceitasse a corrupção do pecado não sofrerás a corrupção do corpo no sepulcro”. E os anjos a levaram ao paraíso. Enquanto ela subia, Jesus falou aos apóstolos: “Do mesmo modo que estive com vocês até agora, estarei até o fim do mundo”. E desapareceu entre as nuvens junto com os anjos e Maria.

 

Impressionante descoberta – A arqueologia estudou durante anos os detalhes da pequena igreja existente no local descrito pelo texto “Transitus Mariae” sem nada encontrar. Em 1972, uma chuva torrencial alagou a igreja e exigiu a reconstrução do piso. Ao remover o piso, apareceu um grande porão, com uma câmara funerária do primeiro século. Todas as descrições do livro apócrifo estavam confirmadas.

 

QUER LER MAIS – Se você se interessou pelo assunto, nós podemos lhe oferecer a história completa do “Túmulo de Maria” escrita pelo teólogo católico Ariel Alvarez Valdes (17 pág. em castelhano) com fotos e desenhos do túmulo; a audiência de 9/7/97 do Papa João Paulo II “A Assunção de Maria, verdade de fé” (5 pág, em português); o texto completo do livro apócrifo “Transitus Mariae”, escrito no século II (16 pág. em castelhano). Solicite por E-mail.

sábado, 12 de agosto de 2023

Passemos à outra margem

 


O Evangelho deste domingo (Mt 14,22-33) apresenta Jesus andando sobre as águas, os discípulos com medo e Jesus estendendo-lhes a mão e dando-lhes força para vencer a adversidade.

 O mar – O episódio situa-nos na área do lago de Tiberíades ou de Genesaré, um lago de água doce com 21 quilômetros de comprimento e 12 de largura, situado na Galileia, um grande reservatório de água doce da Palestina. Para os judeus, esse lago era considerado, para todos os efeitos, um “mar” – lugar onde habitavam os monstros, os demônios e todas as forças que se opunham à vida e à felicidade do homem. Na perspectiva da teologia judaica, no mar, o homem estava à mercê das forças demoníacas e só o poder de Deus podia salvá-lo…

 Fantasma – Mateus descreve que “Jesus obrigou os discípulos a entrar na barca, e ir na frente, para o outro lado do mar, enquanto ele despedia as multidões”. Na madrugada, Jesus foi até eles, andando sobre o mar. Os discípulos assustaram-se, pensando que fosse um fantasma e gritaram cheios de medo. Jesus lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo”.

 Reflexão – Para refletir sobre esta passagem, usaremos um texto de Orígenes, também conhecido por Orígenes de Alexandria. Orígenes foi um presbítero e teólogo cristão que viveu entre 185 e 253 d.C., sendo considerado o maior erudito da Igreja antiga. Exerceu grande influência na Igreja, tendo escrito mais de 600 obras. Tem textos importantes sobre a Santíssima Trindade, a virgindade de Maria e o Batismo dos cristãos. Orígenes professou o primado de Pedro e é o autor da afirmação da crucificação de Pedro de cabeça para baixo. A reflexão a seguir foi escrita há mais de 1.800 anos:

 “Passemos à outra margem” – Orígenes de Alexandria

 “Jesus mandou os discípulos subir para a barca a fim de precedê-Lo na outra margem, enquanto despedia as multidões. As multidões não podiam passar para a outra margem, visto que não eram Hebreus no sentido espiritual do termo, o qual se traduz: “os da outra margem”. Esta é a obra dos discípulos de Jesus: partir para a outra margem, ultrapassar o visível e o corporal – estas realidades temporárias – e ser os primeiros a chegar ao invisível e eterno…

Os discípulos, contudo, não puderam chegar antes de Jesus na outra margem… Talvez Ele tivesse querido ensiná-los, por experiência, que, sem Ele, não é possível lá chegar… Que barca é esta para a qual Jesus os manda subir? Não será a luta contra as tentações e as circunstâncias difíceis? … Ele, o Salvador, manda, portanto, os discípulos subir para a barca das provações a fim de chegarem à outra margem, ultrapassando as circunstâncias difíceis através da sua vitória sobre elas…

Depois, sobe à montanha, a um lugar apartado, para orar. Por quem reza? Provavelmente, em primeiro lugar, pelas multidões, para que, despedidas depois de terem comido os pães abençoados, não façam nada contrário à despedida de Jesus. Também pelos discípulos…, para que, no meio do mar, não sofram com as altas ondas nem com o vento contrário. Sou levado a dizer que é, graças à oração que Jesus dirige ao Pai, que os discípulos não sofreram danos no mar.

E nós, se algum dia cairmos sob a força das tentações, lembremo-nos de que não é possível chegarmos à outra margem sem sofrermos a prova das ondas furiosas e do vento contrário. Além disso, quando nos virmos rodeados de muitos e custosos afazeres, já um tanto cansados pela travessia que se alonga, pensemos que a nossa barca se encontra em pleno mar e que as ondas procuram fazer-nos “naufragar na nossa fé” (1 Tm 1, 19) … Acreditemos, então, que o fim da noite está iminente: “A noite vai avançada e o dia aproxima-se” (Rm 13, 12). O Filho de Deus virá até nós para nos acalmar o mar, caminhando sobre as águas.

sábado, 5 de agosto de 2023

ESTE É O MEU FILHO AMADO

 


 O Evangelho deste domingo (Mt 17,1-9) relata a transfiguração de Jesus, uma catequese cheia de a elementos simbólicos do Antigo Testamento, que nos apresenta Jesus, como o Filho amado de Deus, Aquele que vai concretizar o projeto libertador do Pai, em favor dos homens, pelo dom da vida.

 

Desânimo – O relato da transfiguração de Jesus é precedido pelo primeiro anúncio da paixão (Mt 16,21-23) e de uma instrução sobre as atitudes que discípulo deve ter (convidado a renunciar a si mesmo, a tomar a sua cruz e a seguir Jesus no seu caminho de amor e de entrega da vida – Mt 16,24-28). Depois de terem ouvido falar do “caminho da cruz” e de terem constatado aquilo que Jesus pede aos que O querem seguir, os discípulos estão desanimados e frustrados, pois a aventura em que apostaram parece caminhar para um rotundo fracasso; eles veem desaparecer, pouco a pouco – nessa cruz que irá ser plantada numa colina de Jerusalém – os seus sonhos de glória, de honras, de triunfos e se perguntam se vale a pena seguir um mestre que nada mais tem a oferecer do que a morte na cruz.

 

Projeto – É nesse contexto que Mateus coloca o episódio da transfiguração. A cena representa uma palavra de ânimo para os discípulos (e para os crentes, em geral), pois nela manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que Ele é – apesar da cruz que se aproxima – o Filho amado de Deus. Os discípulos recebem, assim, a garantia de que o projeto que Jesus apresenta é um projeto que vem de Deus e, apesar das suas próprias dúvidas, recebem um complemento de esperança que lhes permite “embarcar” e apostar nele.

 

Teofania – A narração da transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma manifestação de Deus. Portanto, o autor do relato coloca no quadro que descreve todos os ingredientes que, no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento): o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem e mesmo o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino. Isso quer dizer: não estamos diante de um acontecimento real, mas de uma catequese construída de acordo com o imaginário judaico.

 

Catequese – Esta catequese, destinada a ensinar que Jesus é o Filho amado de Deus e que traz aos homens um projeto que vem de Deus, está construída sobre elementos simbólicos tirados do Antigo Testamento. Que elementos são esses?

 

O monte: situa-nos num contexto de revelação; é sempre num monte que Deus Se revela e, em especial, é no cimo de um monte que Ele faz uma Aliança com o seu Povo. A mudança do rosto e das vestes – de brancura resplandecente – recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai (Ex 34,29), depois de se encontrar com Deus e de ter as Tábuas da Lei.

 

A nuvem: indica a presença de Deus; era na nuvem que Deus manifestava a sua presença, quando conduzia o seu Povo pelo deserto (Ex 40,35). Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus); são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “Dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (Dt 18,15-18).

 

Reação: o temor e a perturbação dos discípulos são a reação lógica de qualquer homem ou mulher diante da manifestação da grandeza, da onipotência e da majestade de Deus (Ex 19,16). As tendas parecem aludir à “Festa das Tendas”, em que se celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em “tendas”, no deserto.

 

Filho amado – A mensagem fundamental pretende dizer quem é Jesus. Recorrendo a simbologias do Antigo Testamento, o autor deixa claro que Jesus é o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é também, esse Messias libertador e salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (Moisés) e pelos Profetas (Elias). Mais ainda: ele é um novo Moisés – isto é, aquele por meio de quem o próprio Deus dá ao seu Povo a Nova Lei e através de quem Deus propõe aos homens uma nova aliança.