sábado, 21 de abril de 2001

A Formação dos Evangelhos: Parte 14 – Os problemas do Evangelho de Lucas

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 21/04/2001

Uma dúvida – Como vimos na semana passada, Lucas conheceu a Boa Nova cristã através de Paulo (2º viagem apostólica, entre 50 e 52), na cidade de Entioquia, passando a acompanhar Paulo em suas viagens. Assim, Lucas permaneceu distanciado da comunidade dos apóstolos, tendo em Paulo (que também não conheceu Cristo) a sua maior fonte de informações. Este distanciamento das fontes de informações e o direcionamento do texto aos gentios, levaram Lucas a fazer várias citações inexatas em seu Evangelho.

Falhas Históricas – No início do Capítulo 2 (Lc 2, 1-5), Lucas tenta localizar o nascimento de Jesus no cenário político da Palestina, citando um "edito de César Augusto mandando recensear o mundo inteiro". Os decretos (editos) dos imperadores romanos são todos conhecidos pelos registros oficiais e por historiados do século I, mas não existe qualquer referência a esse decreto; o termo "mundo inteiro" é um exagero do autor, pois o imperador só tinha poder sobre o império romano; na citação que "esse primeiro recenseamento teve lugar na época em que Quirino era governador da Síria" talvez esteja o maior erro histórico, pois Sulpicius Quirinus (Cyrenius) governou a Síria a partir de 6 d.C., enquanto Herodes foi o rei da Judéia até 4 a.C, o que dá um hiato de 10 anos; a necessidade de cada qual se recensear em sua própria cidade também não tem base histórica, como também a obrigatoriedade de se apresentar com a esposa.

Falhas com a geografia – Em Lc 4, 43-44, Jesus é impedido pelas multidões de sair da cidade de Cafarnaum, dizendo: "Devo anunciar também a outras cidades a Boa Nova do Reino de Deus, pois é para isto que fui enviado". E Lucas completa: "E pregava pelas sinagogas da Judéia". Fica claro que o autor, não familiarizado com a geografia da região, se engana, citando a distante Judéia, quando o correto seria Galiléia (pois Cafarnaum fica na Galiléia, próxima ao lago de Genesaré). No texto equivalente (Mc 1, 39), Marcos cita corretamente a Galiléia.

Mais problemas geográficos – Ao descrever a ressurreição da filha da viúva de Naim, em Lc 7, 11-17, o autor escreve que "essa notícia difundiu-se pela Judéia inteira e por toda a redondeza", não reconhecendo que a cidade de Naim se situava na Galiléia, próxima de Nazaré e do Monte Tabor, e muito distante da Judéia. No interrogatório de Jesus por Pilatos, em Lc 23, 1-7, novamente Lucas comete um erro geográfico. Ao citar a resposta dos chefes dos sacerdotes e da multidão à pergunta de Pilatos sobre qual o motivo da condenação de Jesus, ele escreve "Ele revoluciona o povo, ensinando por toda a Judéia, desde a Galiléia, onde começou, até aqui". Novamente ele erra, pois parece que considera a Galiléia uma província da Judéia. Notar que esta falha não aprece nos outros Evangelhos. Ao descrever o fracasso da pregação de Jesus em Nazaré, em Lc 4, 16-30, Lucas detalha o modo como Cristo foi expulso da cidade: "Eles se levantaram, lançaram-no fora da cidade, e o conduziram até uma escarpa da colina sobre a qual estava construída a cidade, para daí o precipitarem abaixo.". A descrição é totalmente irreal, pois a cidade de Nazaré não está, e nunca esteve, sobre uma colina, não existindo a encosta citada no texto.

Casas com telhas ? – Ao descrever a cura do paralítico que foi introduzido na casa onde estava Jesus pelo telhado (Lc 5, 17-20), Lucas cita: "Como não encontravam um jeito de introduzi-lo, por causa da multidão, subiram ao terraço e, através das telhas, desceram-no com a maca no meio dos assistentes, diante de Jesus". O autor, influenciado pelo estilo grego de construir casas, inseriu "telhas" nas casas da palestina. As casas da região onde Cristo viveu tinham apenas lajes; daí as palavras de Jesus "Publicai de cima dos telhados" (Mt 10, 27), onde no Oriente era o lugar usual para conversas e divulgação de notícias. Existem textos paralelos de Mc e Mt que confirmam a história, porém sem citar as "telhas" de Lucas.

Lucas desconhecia os judeus – No capítulo 5, Lucas descreve a refeição com os pecadores na casa de Mateus-Levi: "Os fariseus e escribas murmuravam, dizendo aos discípulos de Jesus: por que comeis e bebeis com os coletores de impostos e pecadores", onde mostra pouca familiaridade com o povo judeu, pois os escribas são fariseus. Mateus cita apenas "os fariseus" (Mt 9,11), enquanto que Marcos escreve "os escribas dos fariseus" (Mc 2,16). No Evangelho da Infância", quando descreve a circuncisão de João Batista (Lc 1, 59-66), Lucas cita que "no oitavo dia, foram circuncidar o menino. Queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias, ...". Novamente Lucas se mostra totalmente alheio aos costumes do povo judeu, pois raramente se atribuía o nome do pai a uma criança.

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