sábado, 19 de maio de 2001

A Formação dos Evangelhos: Parte 17 – Os problemas do texto de Mateus

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 19/05/2001

A difícil missão de Mateus – Como vimos, o objetivo do autor de Mateus era catequizar os judeus, apresentando Jesus como o Messias, o Cristo descrito e profetizado no Antigo Testamento, o novo Moisés. Para isso, o autor se ampara, por inúmeras vezes, em profecias (130 citações) do Antigo Testamento para justificar palavras e atos de Jesus.

Os 22 livros – Os judeus do século I (entre eles Jesus) não possuíam um catálogo (cânon) das escrituras, mas uma variedade de textos dotados de valor religioso. Flavio Josefo, escritor e historiador do primeiro século, afirmou que, antes de 70 d.C., os judeus se utilizavam de apenas 22 livros. Três séculos mais tarde, São Jerônimo, ao traduzir os textos para o latim, também deixou escrito que eram 22 os livros lidos nas sinagogas no tempo de Jesus.

Justificativas – Ao catequizar os judeus era necessária uma explicação "conforme as escrituras", ou "para que se cumprisse o que diziam as escrituras". Mas os 22 livros judeus já não eram mais suficientes, havendo a necessidade de buscar-se fundamento em outros escritos. Abriu-se assim o leque de citações, citando qualquer texto judaico em que uma explicação cristã pudesse lhe ser atribuída. Os 45 livros que compõem o Antigo Testamento em nossas Bíblias atuais nada mais são que uma ampliação (necessária à catequese) dos 22 livros dos judeus lidos nas sinagogas no tempo de Cristo.

Mateus – Sem qualquer dúvida, o objetivo principal do evangelista foi apresentar os principais eventos da vida de Jesus como realização das profecias dos livros judaicos, indicando-o como o Messias esperado pelos judeus. Talvez na ânsia de relacionar os fatos da vida de Cristo às passagens do A.T., o autor distorceu algumas citações, tomou trechos com outro significado, fez montagens de vários versículos de livros diferentes e, principalmente, citou livros não usados pelos judeus. O próprio São Jerônimo (viveu entre 347 e 420, foi dos grandes doutores da Igreja, principalmente por seus trabalhos bíblicos; foi o autor da Vulgata Latina) critica o evangelista afirmando que ele "põe na boca do Salvador passagens do Antigo Testamento que não seguem a tradução correta dos LXX".

Citações que não existem – Em Mateus 13,57 podemos ler: "Jesus lhes disse: ‘Um profeta só é desprezado em sua pátria e sua casa’.", em que Jesus parece citar um trecho desconhecido das Escrituras judaicas. Em Mt 2, 23, o autor de Mateus cita que Jesus veio morar em Nazaré, para que se cumprisse a profecia: "Ele será chamado nazoreu". Não se sabe a qual profeta ou a que livro judaico o autor de Mateus quis se referir. O termo nazoreu não tem equivalência nem com Nazareno (morador em Nazaré), nem com um membro da seita dos nazorenianos. Muito menos deve se referia a Nazir (o Santo Deus por excelência), citado por Jz 13,5.

Fora do contexto – Em Mt 2,18, ao comentar o massacre dos meninos em Belém, ele cita Jr 31,15: "Uma voz fez ouvir em Ramá, prantos e longo lamento: é Raquel que chora seus filhos e não quer ser consolada, porque eles já não existem", um texto que não se insere no assunto (acomodação), pois trata da morte dos que não voltaram da guerra com o inimigo. A tradução usada pelo autor é totalmente distorcida (faça a comparação de Mt 2,18 com Jr 31,15).

Distorções – Em Mt 4,15-17, o fato de Jesus abandonar Nazaré e ir morar em Cafarnaum, foi interpretado pelo autor de Mateus como o cumprimento da profecia de Isaías, estabelecida em Is 8,23-9,1. O autor, porém, distorceu o texto, adaptando-o aos seus objetivos. O texto original de Isaías diz: "Num primeiro momento, o Senhor cobriu de opróbio a terra de Zabulon e a terra de Neftali, mas em seguida cobriu de glória a rota do mar, o Além-Jordão e o distrito das nações. O povo que caminhava nas trevas viu uma grande luz. Sobre aqueles que habitavam a terra da sombra, uma luz resplandeceu." O texto de Isaías citado em Mt 4,15-17 é: "Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, Além-Jordão, Galiléia das Nações! O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz; para os que jaziam na região sombria da morte levantou-se uma luz."

Mais distorções – Na entrada messiânica em Jerusalém (Mt 21,1-19), para justificar o evento da jumenta, o autor de Mateus se utiliza de uma profecia de Zacarias (Zc 9,9). Como a profecia não é suficiente para fundamentar o fato, o autor distorce a citação, com frases (talvez) de Isaías 62,11. Eis os textos: (Isaías 62,11) "Dizei a filha de Sião: eis que a tua salvação vem a ti ..."; (Zacarias 9, 9) "Estremece de alegria, filha de Sião! Prorrompe em aclamações, filha de Jerusalém. Eis que o teu rei vem ao teu encontro; ele é justo e vitorioso, humilde, montado num jumento – sobre um jumento novo." Vejam agora o autor de Mateus (21, 5) citando o ‘profeta’: "Dizei à filha de Sião: Eis que o teu rei vem a ti, humilde e montado numa jumenta e num jumentinho, filho de um animal de carga."

Morte de Judas – Na tentativa de uma explicação profética para a morte de Judas Iscariotes (Mt 27, 9), o autor de Mateus é obrigado a juntar versículos de Zacarias (Zc 11, 12) e de Jeremias (Jr 18, 2). Confira.

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