sábado, 26 de janeiro de 2008

O projeto do Reino

  


O texto que nos é proposto como Evangelho deste domingo encerra a etapa da preparação de Jesus para a missão (Mt 3,1-4,16) e lança a etapa do anúncio do Reino.

 Local – O texto situa-nos na Galiléia, a região setentrional da Palestina, zona de população heterogênea e ponto de encontro de muitos povos. Faz referência também à cidade de Cafarnaum, cidade situada no limite do território de Zabulão e de Neftali, na margem noroeste do lago de Genezaré, na direção do “caminho do mar” (que ligava o Egito e a Mesopotâmia). Cafarnaum era considerada a capital judaica da Galiléia porque Tiberíades, a capital política da região, por causa dos seus costumes pagãos e por estar construída sobre um cemitério, era evitada pelos judeus. A sua situação geográfica abria-lhe, também, as portas dos territórios dos povos pagãos da margem oriental do lago.

 Cafarnaum – Na primeira parte (Mt 4,12-16), Mateus refere como Jesus abandona Nazaré, o seu lugar de residência habitual, e se transfere para Cafarnaum. Mateus descobre nesse fato um significado profundo, à luz de Is 8,23-9,1: a “luz” que havia de eliminar as trevas e as sombras da morte de que fala Isaías é, para Mateus, o próprio Jesus. Na terra humilhada de Zabulão e Neftali, vai começar a brilhar a luz da libertação; e essa libertação vai atingir, também, os pagãos que acolherem o anúncio do Reino. O anúncio libertador de Jesus apresenta, desde logo, uma dimensão universal.

 Reino – Na segunda parte (Mt 4,17-23), Mateus apresenta o lançamento da missão de Jesus: o conteúdo básico da pregação que se inicia vai se definindo, o “Reino” apresenta-se como realidade viva atuante e são apresentados os primeiros discípulos, que acolhem o apelo do “Reino” e que vão acompanhar Jesus na missão.

 Anúncio – Qual é, em primeiro lugar, o conteúdo do anúncio? O versículo 17 é claro: Jesus veio trazer “o Reino”. A expressão “Reino de Deus” refere-se, no Antigo Testamento e na época de Jesus, ao exercício do poder soberano de Deus sobre os homens e sobre o mundo. Decepcionado com a forma com que o os reis humanos exerceram a realeza, o Povo de Deus começa a sonhar com um tempo novo, em que o próprio Deus vai reinar sobre o seu Povo. Para eles, esse reinado será marcado pela justiça, pela misericórdia, pela preocupação de Deus em relação aos pobres e marginalizados, pela abundância e fecundidade, pela paz sem fim.

 Arrependei-vos – Jesus tem consciência de que a chegada do “Reino” está ligada à sua pessoa. Para Mateus o primeiro anúncio resume-se no seguinte slogan: “arrependei-os, porque o Reino dos céus está para chegar”. O convite à conversão é um convite a uma mudança radical na mentalidade, nos valores, na postura vital. Corresponde, fundamentalmente, a um reorientar a vida para Deus, a um reequacionar a vida, de modo que Deus e os seus valores passem a estar no centro da existência do homem. Só quando o homem aceita que Deus ocupe o lugar que lhe compete, está preparado para aceitar a realeza de Deus… Então, o “Reino” pode nascer e tornar-se realidade no mundo e nos corações.

 Apóstolos – Finalmente, Mateus descreve o chamamento dos primeiros discípulos. Não se trata, segundo parece, um relato jornalístico de acontecimentos, mas de uma catequese sobre o chamamento e a adesão ao projeto do “Reino”. Através da resposta pronta de Pedro e André, Tiago e João, propõe-se um exemplo da conversão radical ao “Reino” e de adesão às suas exigências.

 Chamamento – O relato ressalta uma diferença fundamental entre os chamados por Jesus e os discípulos que se juntavam à volta dos mestres do judaísmo: não são os discípulos que escolhem o mestre e pedem para entrar no seu grupo, como acontecia com os discípulos dos “rabbis”; mas a iniciativa é de Jesus, que chama os discípulos que Ele próprio escolheu, que os convida a segui-Lo e lhes propõe uma missão.

 Opção – A resposta dos quatro discípulos ao chamamento é também inusitada: renunciam à família, ao seu trabalho, às seguranças instituídas e seguem Jesus sem condições. Esta ruptura (que significa não só uma ruptura afetiva com pessoas, mas também a ruptura com um quadro de referências sociais e de segurança econômica) indicia uma opção radical pelo “Reino” e pelas suas exigências.

 Missão – Uma palavra para a missão que é proposta aos discípulos que aceitam o desafio do “Reino”: eles serão pescadores de homens. O mar é, na cultura judaica, o lugar dos demônios, das forças da morte que se opõem à vida e à felicidade dos homens; a tarefa dos discípulos que aceitam integrar o “Reino” será, portanto, libertar os homens dessa realidade de morte e de escravidão em que eles estão mergulhados, conduzindo-os à liberdade e à realização plenas.

 Testemunhas – Estes quatro discípulos representam todo o grupo dos discípulos, de todos os tempos e lugares… Como eles, devemos responder positivamente ao chamamento, optar pelo “Reino” e pelas suas exigências e tornarmo-nos testemunhas da vida e da salvação de Deus no meio dos homens e do mundo.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Quem é Jesus?

  


No Evangelho das missas deste domingo, João Batista apresenta Jesus como “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. O trecho é tirado da seção introdutória do Evangelho de João (Jo 1,19 - 3, 36).

 Esquema – João dispõe o texto num enquadramento cênico. As diversas personagens que vão entrando em cena procuram apresentar Jesus. Um a um, os atores vão fazendo afirmações carregadas de significado teológico sobre Jesus. O quadro final que resulta destas diversas intervenções apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, Aquele que possui o Espírito e que veio ao encontro dos homens para fazer aparecer o Homem Novo, nascido da água e do Espírito.

 João – João Batista, o profeta precursor do Messias, desempenha aqui um papel especial na apresentação de Jesus (o seu testemunho aparece no início e no fim da seção – Jo 1,19-37; 3, 22-36). Ele define Aquele que chega e apresenta-O aos homens. O testemunho de João é perene, dirigido aos homens de todos os tempos e com eco permanente na comunidade cristã. João é, portanto, o “apresentador oficial” de Jesus. De que forma e em que termos O apresenta?

 Catequese – A catequese sobre Jesus que aqui é feita se expressa por intermédio de duas afirmações: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; e é o Filho de Deus que possui a plenitude do Espírito.

 Cordeiro – A primeira afirmação (“o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” – Jo 1,29) evoca, provavelmente, duas imagens tradicionais, extremamente sugestivas: a do “servo sofredor”, o cordeiro levado para o matadouro, que assume os pecados do seu Povo e realiza a expiação; e, a do cordeiro pascal, símbolo da ação libertadora de Deus em favor de Israel. Qualquer uma destas imagens sugere que a pessoa de Jesus está ligada à libertação dos homens.

 Pecado – A idéia é explicitada pela definição da missão de Jesus: Ele veio para tirar (“eliminar”) “o pecado do mundo”. A palavra “pecado”, no singular, não significa os “pecados” dos homens, mas um “pecado” único que oprime a humanidade inteira. O “mundo” indica, neste contexto, a humanidade que resiste à salvação, reduzida à escravidão, e que recusa a luz/vida que Jesus lhe pretende oferecer… Deus se propondo tirar a humanidade da situação de escravidão em que ela se encontra, enviou Jesus ao mundo com a missão de realizar um novo êxodo, que leve os homens da terra da escravidão para a terra da liberdade.

 Filho de Deus – A segunda afirmação (o “Filho de Deus” que possui a plenitude do Espírito Santo e que batiza no Espírito – Jo 1, 32-34) completa a anterior. Há aqui vários elementos bem sugestivos: o “cordeiro” é o Filho de Deus; Ele recebeu a plenitude do Espírito e tem por missão batizar os homens no Espírito. Ele é o Deus que se faz Pessoa, a fim de oferecer a plenitude da vida divina. A sua missão consiste em eliminar “o pecado” que torna o homem escravo e que o impede de abrir o coração a Deus.

 Espírito – Dizer que o Espírito desce sobre Jesus e permanece sobre Ele sugere que Jesus possui definitivamente a plenitude da vida de Deus, toda a sua riqueza, todo o seu amor. A descida do Espírito sobre Jesus é a sua investidura messiânica, a sua unção (“messias” = “ungido”). Jesus é o eleito de Yahweh, sobre quem Deus derramou o seu Espírito (Is 42,1), a quem ungiu e a quem enviou para “anunciar a Boa Nova aos pobres, para curar os corações destroçados, para proclamar a libertação aos cativos, para anunciar aos prisioneiros a liberdade” (Is 61,1-2).

 Batismo – Jesus é, finalmente, aquele que batiza no Espírito Santo (batizar significa ‘submergir’ ou ‘encharcar’). “Batizar no Espírito” significa, portanto, um contacto total entre o Espírito e o homem, uma chuva de Espírito que cai sobre o homem e lhe inunda o coração. A missão de Jesus consiste, portanto, em derramar o Espírito sobre o homem; e o homem que adere a Jesus, “inundado” do Espírito e transformado por essa fonte de vida que é o Espírito, abandona a experiência da escuridão (“o pecado”) e alcança o seu pleno desenvolvimento, a plenitude da vida.

 A declaração de João convida os homens de todas as épocas a voltarem-se para Jesus e a acolherem a proposta libertadora que, em nome de Deus, Ele faz: só no encontro com Jesus será possível chegar à vida plena, à meta final do Homem Novo.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Onde está o rei dos judeus?


Hoje celebramos uma das grandes festas do Ciclo de Natal - a Manifestação do Senhor ("Epifania" em grego), onde comemoramos o fato de que Jesus foi manifestado não somente ao seu próprio povo, mas a todos, representados pelos Magos do Oriente.

Salvação Universal – Embora a festa tenha muita popularidade folclórica, ela esconde uma grande verdade da fé – que a salvação em Jesus é para todos os povos, sem distinção de raça, cor ou religião. Retomando a grande intuição do profeta Isaías, celebramos hoje a salvação universal em Jesus.

Simbolismos – O texto de hoje é altamente simbólico – usa uma técnica da literatura judaica chamada "midrash", ou seja, uma releitura de passagens bíblicas, com o intuito de atualizá-las. Assim, Mateus quer ensinar algo sobre Jesus, usando figuras e símbolos tirados de diversos textos do Antigo Testamento. Por exemplo:

Magos – Vêm os magos (nem três, nem reis!), buscando o Rei dos Judeus. Esses magos lembram os magos que enfrentavam e foram derrotados por Moisés (Ex 7,11.22; 8,3.14-15; 9,11), e acabaram reconhecendo o poder de Deus nas maravilhas feitas por ele.

Estrela – A estrela é sinal da vinda do Messias, prevista na profecia de Balaão (Nm 24,17).

Belém – O menino nasce em Belém, segundo a profecia de Miquéias (Mq 5,1).

Presentes – Os presentes lembram as profecias de Isaías sobre os estrangeiros que viriam a Jerusalém, trazendo presentes para Deus (Is 49,23; 60,5; Sl 72,10-11).

Massacre – Herodes é o novo Faraó, também massacra os filhos do povo de Deus (Ex 1,8.16).

Reações – O texto chama atenção pelas reações diferentes diante do acontecido. Os que deveriam reconhecer o Messias – pois são versados nas escrituras – ficam alarmados, pois, para eles, opressores do povo através da religião e da política, Jesus e a sua mensagem constituem uma ameaça. Outros, pagãos do Oriente, buscando sem ter certeza, arriscam muito para descobrir o verdadeiro Deus, e entregam-lhe presentes, sinal da partilha, que será característica do Reino que Jesus veio pregar.

Novo sinal – Hoje em dia verificam-se as mesmas reações diante de Jesus e do seu Evangelho. Muitos querem reduzir os eventos religiosos a algo folclórico com shows e cantos, mas que de forma alguma questionam a nossa sociedade e os seus valores. Para outros, o Menino na estribaria é um sinal do novo Projeto de Deus, o mundo fraterno, no qual todas as pessoas de boa vontade têm que se unir, seja qual for a sua raça, nação, gênero ou religião, para construir a fraternidade que Deus quer.

Mensagem – Jesus não precisa de presentes e sim do nosso esforço na vivência de seu Reino. Não caiamos na celebração oca das histórias do Ciclo Natalino, reduzindo o seu sentido a algo somente sentimental e folclórico. Na prática, temos que optar entre a vivência religiosa vazia, como a de Herodes e dos Sumos Sacerdotes, ou a mensagem libertadora do Menino de Belém, que convoca a todos (representados pelos magos) para a construção de um mundo de paz, de fraternidade e justiça, pois Jesus veio para que "todos tenham vida e a tenham plenamente" (Jo 10,10).