O
Evangelho deste domingo proclama os “bem-aventurados” e recomenda, aos crentes,
a misericórdia, a sinceridade de coração, a luta pela paz, a perseverança
diante das perseguições: essas são as atitudes que correspondem ao compromisso
pelo “Reino”. Enquanto que
no primeiro grupo de “bem-aventuranças” se constatam situações, no segundo
grupo propõem-se atitudes que os discípulos devem assumir.
A nova Lei – Ao longo do seu texto, Mateus
apresenta cinco longos discursos, nos quais agrupa “ditos” e ensinamentos,
provavelmente proferidos por Jesus em várias ocasiões e contextos. Na visão de
Mateus, esses cinco discursos traziam uma nova Lei, destinada a substituir a
antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do
Pentateuco.
As bem-aventuranças –
As “bem-aventuranças” que Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente
diferentes das “bem-aventuranças” propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus
tem nove “bem-aventuranças”, enquanto que Lucas só apresenta quatro; além
disso, Lucas prossegue com quatro “maldições”, que estão ausentes do texto
mateano; outras notas características da versão de Mateus são a
espiritualização (os “pobres” de Lucas são, para Mateus, os “pobres em
espírito”) e a aplicação dos “ditos” originais de Jesus à vida da comunidade e
ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais
fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado.
O Reino –
As “bem-aventuranças” são fórmulas freqüentes na tradição bíblica e definem
sempre uma alegria oferecida por Deus. Devem ser entendidas no contexto da
pregação sobre o “Reino”: Jesus proclama “bem-aventurados” aqueles que estão
numa situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar
o “Reino” e a situação destes “pobres” vai mudar radicalmente; além disso, são
“bem-aventurados” porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão
de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e
libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do “Reino”).
Os
pobres – As quatro primeiras “bem-aventuranças” referidas por Mateus
(vers. 3-6) dirigem-se aos “pobres” (as segunda, terceira e quarta
“bem-aventuranças” são apenas desenvolvimentos da primeira, que proclama:
“bem-aventurados os pobres em espírito”). Saúdam a felicidade daqueles que se
entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre a sua vontade;
daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua confiança e a sua
esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para esperar e confiar em
Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam despojar-se de si
próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros.
Os
“mansos” – Não são os fracos, os que suportam passivamente as
injustiças, os que se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos;
mas, são aqueles que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos,
embora sejam, muitas vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos… A
sua atitude pacífica e tolerante os torna membros de pleno direito do “Reino”.
Os que choram - São aqueles
que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela injustiça, pela
miséria, pelo egoísmo; a chegada do “Reino” vai fazer com que a sua triste
situação se mude em consolação e alegria…
Os que têm fome e sede de justiça – Provavelmente, a justiça deve
entender-se, aqui, em sentido bíblico – isto é, no sentido da fidelidade total
aos compromissos assumidos para com Deus e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a
esperança de verem essa sede de fidelidade saciada, no Reino que vai chegar.
Misericordiosos e puros de coração – Os “misericordiosos” são aqueles que
têm um coração capaz de compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar
pelos sofrimentos e alegrias dos outros homens e mulheres, que são capazes de
ir ao encontro dos irmãos e estender-lhes a mão, mesmo quando eles falharam. Os
“puros de coração” são aqueles que têm um coração honesto e leal, que não
pactua com a duplicidade e o engano.
Os “que constroem a paz” – São aqueles que se recusam a aceitar
que a violência e a lei do mais forte dirijam as relações humanas; e são
aqueles que procuram ser – às vezes com o risco da própria vida – instrumentos
de reconciliação entre os homens.
Os perseguidos por causa da justiça – São aqueles que lutam pela
instauração do “Reino” e são desautorizados, humilhados, agredidos,
marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a
opressão, que constroem a morte… Jesus garante-lhes: o mal não poderá vencer;
e, no final do caminho, espera o triunfo, a vida plena.
Os perseguidos por causa de Jesus – Na última “bem-aventurança” (vers. 11),
o evangelista dirige-se, em jeito de exortação, aos membros da sua comunidade
que têm a experiência de serem perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir
ao sofrimento e à adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma
aplicação concreta da oitava “bem-aventurança”.
No
seu conjunto, as “bem-aventuranças” deixam uma mensagem de esperança e de
alento para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que está do lado
deles; confirmam que a libertação está para chegar e que a sua situação vai
mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica desse “Reino” onde vão encontrar
a felicidade e a vida plena.